Valor econômico, v. 17, n. 4094, 20/09/2016. Brasil, p. A3

MP freia negociação de ferrovias para renovar concessões

Para prorrogar contratos, concessionárias do setor ferroviário terão de renunciar à exclusividade em uso de malhas

Por: Daniel Rittner e Murillo Camarotto

 

As concessionárias de ferrovias, que estavam em negociações adiantadas com o governo para renovar seus contratos, precisarão esperar mais tempo para celebrar esses acordos. Perto de ser publicada, a medida provisória que disciplina a prorrogação e a relicitação das concessões de infraestrutura prevê novas exigências que atrasam a extensão por 30 anos dos contratos no setor.

A medida também facilita a devolução de cerca de 18 mil quilômetros de trilhos que atualmente são subutilizados pelas empresas e fixa regras para a renovação dos contratos de rodovias. Só poderão solicitar mais prazo contratual as concessionárias de estradas que já tiverem executado pelo menos 80% das obras previstas originalmente.

Valor teve acesso à última minuta da MP, que soma 23 artigos e deve ser assinada pelo presidente Michel Temer nos próximos dias. De imediato, como já se esperava, abre-se caminho para a relicitação de pelo menos dois projetos. Um deles é o aeroporto do Galeão (RJ), controlado pela Odebrecht e pela operadora asiática Changi, cujos desembolsos para o pagamento de outorga comprometem sua viabilidade. Outro é a BR-153, no trecho entre Anápolis (GO) e Palmas (TO), que foi arrematado pela Galvão Engenharia em 2014 e nunca teve as obras de duplicação iniciadas.

A parte menos conhecida da MP até agora era justamente a que trata das concessões de ferrovias. Desde junho de 2015, quando o Programa de Investimentos em Logística (PIL) foi lançado pela ex-presidente Dilma Rousseff, as operadoras de trilhos haviam entrado em negociações com o governo para investir R$ 16 bilhões em troca de uma extensão contratual. Elas vinham negociando os termos da repactuação com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que já estava na reta final dos trabalhos. Os contratos originais vencem na próxima década.

O desenho dos novos contratos estava tão avançado que o ministro dos Transportes, Maurício Quintella, chegou a dar como certo o anúncio de prorrogação da concessão da malha operada pela América Latina Logística (ALL) no Estado de São Paulo. A MRS Logística e a Vale, dona da Estrada de Ferro Carajás e da Vitória-Minas, também haviam iniciado seus procedimentos para a renovação.

Obras como a duplicação das linhas férreas no interior paulista, sob controle da ALL, e o Ferroanel de São Paulo dependem basicamente de um desfecho positivo em torno das renovações.

Da forma como está redigida, a MP coloca um freio em todo o processo ao desidratar as atribuições mantidas até agora pela agência reguladora e ao criar um grupo de trabalho sob comando da Secretaria do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), chefiada por Moreira Franco.

Antes de dar um parecer favorável à prorrogação dos contratos, esse grupo deverá fazer um inventário de todos os bens móveis e imóveis da concessão, conforme os termos da MP. Esse levantamento não poderia ser feito em menos de um ano, segundo autoridades e fontes da iniciativa privada consultadas pelo Valor.

Até agora, a ANTT trabalhava em um modelo de renovar primeiro os contratos de concessão e somente depois fazer o processo de inventariança dos bens.

Além disso, para ganhar a possibilidade de prorrogação, as concessionárias devem ter cumprido plenamente as metas de produção e de segurança fixadas em contrato por três anos consecutivos no último quinquênio.

Elas precisarão também renunciar formalmente ao direito de exclusividade sobre o uso de suas malhas "de forma a garantir o acesso de terceiros mediante o compartilhamento da infraestrutura ferroviária concedida e dos seus respectivos recursos operacionais", conforme o texto da MP. Por exemplo: um trem da Vale poderia trafegar sem restrições - apenas pagando tarifa - pelos trilhos da MRS. A abertura das malhas foi objeto de resoluções da ANTT nos últimos anos, mas sem a eficácia desejada pelas autoridades, que veem uma forma agora de definir isso em lei.

Com o objetivo declarado de resolver pendências operacionais e superar gargalos logísticos, a medida provisória dá ao grupo de trabalho coordenado pelo PPI poderes para reconfigurar malhas e desvincular trechos das concessões. Ou seja: facilita a regularização de trechos ociosos nas ferrovias. Dos 28 mil quilômetros de trilhos, calcula-se que apenas 10 mil estejam efetivamente operacionais. O resto pode ser reincoporado pela União.

Como já se sabia, a MP cria uma "via rápida" para relicitar concessões problemáticas ou inadimplentes. O atual concessionário fica impedido de participar do novo leilão - bem como seus acionistas - e será obrigado a manter suas operações até que haja transferência do controle para outra empresa ou consórcio. A MP prevê indenizações pelos investimentos já realizados.

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Antes certa, extensão da Nova Dutra vira dúvida

Por: Murillo Camarotto e Daniel Rittner

 

Negociada há quase uma década e muito próxima de ser oficializada, a extensão da concessão da Nova Dutra tem grandes chances de ir para a gaveta. Após muita discussão interna, a equipe do governo Michel Temer chegou a um entendimento, quase consensual, de que vale mais a pena esperar o fim do contrato, que expira em 2021, do que comprar uma briga com o Tribunal de Contas da União (TCU), que resiste severamente à ideia de dar mais prazo à concessionária.

Se o novo entendimento se confirmar, a administração da principal ligação rodoviária entre as duas maiores metrópoles brasileiras (Rio de Janeiro e São Paulo) irá novamente a leilão. O trecho está sob responsabilidade da CCR desde 1995, quando foi realizada a primeira rodada de concessões de rodovias, ainda no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Até bem pouco tempo atrás, a prorrogação do contrato já era dada como certa. A CCR receberia mais 17 anos de contrato e, em troca, investiria algo em torno de R$ 3,5 bilhões em melhorias na estrada. A principal intervenção prevista é a construção de uma nova subida da Serra das Araras, trecho sinuoso localizado na região de Piraí (RJ). Somente essa obra custaria R$ 1,7 bilhão.

As autoridades contrárias à prorrogação alegam que o contrato da Dutra não prevê a extensão de prazo, que seria muito vantajosa para a empresa. Quem defende a alternativa sustenta que a prorrogação teria a simples função de reequilibrar as finanças da concessionária, que suportaria os novos investimentos.

Em nota, a CCR informou que já executou 93% dos investimentos previstos para todo o período de concessão e que a estrada registrou queda de 79% no número de acidentes, apesar de uma alta de 70% no tráfego.