Valor econômico, v. 17, n. 4095, 21/09/2016. Brasil, p. A3

Planalto quer usar repatriação para evitar contingenciamento

Por: Fabio Graner

 

Para evitar um contingenciamento de despesas diante da frustração de arrecadação em agosto, o governo deve incorporar no relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas parte de recursos decorrentes da regularização (repatriação) de recursos brasileiros no exterior.

O Valor apurou que a ideia, que ainda pode ser alterada, é incluir na conta da estimativa de arrecadação de 2016, o dinheiro cuja entrada nos cofres públicos já esteja certa. Ou seja, o volume a ser incluído no relatório bimestral deve ser relativamente pequeno dada a expectativa do mercado, que varia de R$ 20 bilhões a R$ 100 bilhões de ingressos nos cofres públicos. O governo não tem divulgado suas estimativas de repatriação para o ano e a maior parte das entradas deve ocorrer no último dia do programa (31 de outubro).

O Valor informou ontem que a arrecadação de tributos federais em agosto frustrou a expectativa do governo, que era arrecadar R$ 123 bilhões no quarto bimestre. Nas estimativas da equipe econômica, o total da despesa projetada não deve ter alteração em comparação com o relatório anterior, divulgado em julho, ainda que deva haver redistribuição de gastos dentro do Orçamento.

Nesse quadro de receita menor que o previsto, seria natural a possibilidade de se bloquear despesas para que a meta não seja impactada. Mas o cumprimento da meta fiscal se dá pelo conjunto de receitas e não só pelas tributárias. Ao incorporar pelo menos uma parte pequena da receita esperada com repatriação, o governo resolve o inconveniente de ter que anunciar corte de gastos às vésperas das eleições municipais e em um momento no qual tenta convencer os parlamentares a aprovar o ajuste fiscal de longo prazo previsto na PEC 241 (que limita a expansão do gasto pela inflação do ano anterior).

Além da receita menor no período, a expectativa não cumprida também pode afetar o cenário para o restante do ano e até as estimativas do ano que vem. O modelo de projeções da Receita Federal considera o comportamento atual da arrecadação, inclusive sua correspondência com o projetado, para prever os ingressos nos períodos à frente.

Na elaboração da proposta de Orçamento de 2017, enviada em 31 de agosto ao Congresso Nacional, o governo usou dados parciais da arrecadação de agosto que ainda mostravam um comportamento alinhado com as projeções. Isso, somado com a surpresa positiva que havia ocorrido em julho, melhorou a base de arrecadação deste ano e influenciou positivamente o cenário projetado para o próximo.

Na semana passada, em entrevista ao Valor, o relator do Orçamento no Congresso, senador Eduardo Braga (PMDB-AM), mostrou preocupação com as projeções de receita feitas pelo governo, especialmente por conta de hipóteses como o crescimento da massa salarial. Uma receita superestimada é um problema sério para a elaboração do Orçamento em um ambiente no qual a PEC dos gastos limita a expansão das despesas.

Uma fonte da equipe econômica pondera, contudo, que antes de revisar os cenários para 2017, é preciso esperar o comportamento da arrecadação em setembro e pelo menos em parte de outubro. Outros fatores, como o nível e as perspectivas para a atividade econômica, também têm peso na reavaliação das perspectivas de receitas para o próximo ano.

O governo prevê crescimento de 1,6% para o PIB no ano que vem, mas nos bastidores fontes apontam um "viés de alta" para essa projeção, especialmente se a PEC do teto de gastos realmente confirmar os prognósticos mais otimistas dos governistas e for aprovada até o fim do ano. A percepção do governo é que, nesse caso, haveria uma nova rodada de melhora nos preços de ativos financeiros, aumento da confiança de empresários e consumidores e fortalecimento da atividade econômica.

Contudo, essa expectativa positiva é contrabalançada pelo desempenho negativo da arrecadação de agosto somado ao resultado abaixo do esperado do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) acenderam um alerta sobre a real velocidade de recuperação da economia brasileira.