Valor econômico, v. 17, n. 4095, 21/09/2016. Política, p. A6

Moro aceita denúncia e Lula torna-se réu por corrupção e lavagem de dinheiro

Por: André Guilherme Vieira

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o diretor do Instituto Lula, Paulo Okamotto, a ex-primeira-dama Marisa Letícia e outras cinco pessoas tornaram-se réus por corrupção e lavagem de dinheiro em ação penal aberta ontem pelo juiz Sergio Moro, titular da Operação Lava-Jato na primeira instância da Justiça Federal em Curitiba. É a segunda ação penal que tem Lula como réu. Ele já responde a processo na Justiça Federal de Brasília por tentativa de obstrução à Lava-Jato.

A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) em 14 de setembro e acusa o ex-presidente de receber R$ 3,7 milhões em propina de um total de R$ 87 milhões referentes a contratos mantidos pela OAS com a petrolífera entre 2006 e 2012. Okamotto teria recebido propina desviada da Petrobras para custear o armazenamento de bens que Lula recebeu durante o mandato presidencial.

A acusação diz que Lula ocultou propriedade de tríplex no Guarujá (SP), em edifício incorporado pela OAS da cooperativa Bancoop.

"Há razoáveis indícios de que o imóvel em questão teria sido destinado, ainda em 2009, pela OAS ao ex-presidente e à sua esposa, sem a contraprestação correspondente (...) ocultando a real titularidade", afirmou Sergio Moro.

O juiz ponderou que, "apesar da realização das reformas e benfeitorias no apartamento para atender o ex-presidente e sua esposa", não houve transferência formal do imóvel da OAS para o casal.

"É possível que ela tenha sido interrompida pela prisão preventiva, em 14 de novembro de 2014, do presidente da OAS, o acusado José Adelmário Pinheiro Filho", disse o magistrado. Pinheiro também foi tornado réu por corrupção e lavagem na mesma ação penal aberta contra Lula. O empresário, sócio da OAS, já foi condenado em primeira instância a 16 anos e quatro meses de prisão na Lava-Jato.

"Nessa fase processual, não cabe exame aprofundado das provas, algo só viável após a instrução e especialmente o exercício do direito de defesa", ressalvou o juiz Sergio Moro ao abrir a ação penal.

O magistrado também ponderou que "juízo de admissibilidade da denúncia não significa juízo conclusivo quanto à presença da responsabilidade criminal".

Moro classificou como "celeumas" as repercussões decorrentes da acusação feita a Lula pelo MPF.

"Tais ressalvas são oportunas, pois não olvida o julgador que, entre os acusados, encontra-se ex-presidente da República, com o que a propositura da denúncia e o seu recebimento podem dar azo a celeumas de toda a espécie".

O juiz da Lava-Jato pontuou que "tais celeumas, porém, ocorrem fora do processo. Dentro, o que se espera é a observância estrita do devido processo legal, independentemente do cargo outrora ocupado pelo acusado".

Moro também esclareceu por que a denúncia não imputa a Lula o crime de associação criminosa.

"Esse fato está em apuração perante o egrégio Supremo Tribunal Federal, pois a suposta associação também envolveria agentes que detêm foro por prerrogativa de função e em relação ao ex-presidente não teria havido desmembramento quanto a este crime".

O juiz disse que o fato de existir "prova indiciária" de um modo de agir consistente com a prática de Lula de colocar propriedades "em nome de pessoas interpostas para ocultação de patrimônio", não resulta em uma "conspiração de inimigos do ex-presidente". Ele citou o pecuarista José Carlos Bumlai (preso por corrupção), "com o qual [Lula] manteria boas relações". Bumlai disse que um sítio em Atibaia (SP) seria usado pelo ex-presidente e que nele fez reformas "consideráveis a pedido de sua esposa e em decorrência da amizade".

A propriedade em Atibaia não é objeto dessa ação penal.

O juiz deu 20 dias para que os advogados dos réus sejam notificados e apresentem defesa prévia.

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Petista se diz indignado e exige provas

Por: Juliano Basile
 
 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que não há pessoa mais indignada no mundo do que ele, em razão das acusações que o tornaram réu nos autos da Operação Lava-Jato. "Não deve ter hoje no planeta Terra nenhum cidadão mais indignado do que eu", afirmou em videoconferência a um evento em Nova York organizado pelos advogados que ingressaram com uma petição na ONU questionando desrespeito às garantias de defesa do ex-presidente.

Lula acusou os integrantes da Lava-Jato de fazerem perguntas às pessoas presas na operação com o objetivo de implicá-lo. "Agora as pessoas são presas e dizem: 'tem que falar o nome do Lula'". Ele desafiou seus acusadores a encontrarem um empresário para falar que ele cometeu crime. "Eu desafio eles a ter um empresário minimamente sério nesse país e que tenha coragem de dizer que o Lula pediu um dólar para alguma coisa". Segundo ele, quando não conseguem provas, os acusadores procuram os jornais para passar informações desfavoráveis ao ex-presidente. "Agora quando não se tem prova, se vai pelas manchetes dos jornais."

Lula também apontou motivações políticas nas acusações. "Talvez, eu seja um intruso na história republicana do país, porque não estava previsto na sociologia um operário metalúrgico se tornar presidente do Brasil. Todos os instrumentos para o MP e a PF de agora foram feitos por Lula e Dilma". O ex-presidente terminou a sua fala no ato desafiando os acusadores a apresentarem provas.

"Quero terminar minha parte dizendo o seguinte: sou um homem de consciência muito tranquila. Se alguém apresentar uma prova contra mim, e não estou pedindo duas, se houver uma, quero ser julgado como qualquer cidadão brasileiro."

Para Lula, o Brasil vive um momento de anomalia política muito grande. Como exemplo, ele disse que dois dias depois do impeachment, foi alterada a legislação que trata das pedaladas fiscais - a causa para o afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff no Senado. "É importante lembrar aos companheiros dos Estados Unidos que sou um profundo respeitador da instituição Ministério Público", enfatizou Lula.

"Sou profundo respeitador da Constituição porque fui constituinte em 1988. Embora tenha votado contra o texto, assinei porque havia participado. E sou respeitador da tese de que todos devem ser iguais perante a lei. Um ex-presidente tem que ter o mesmo tratamento que um servente de pedreiro, que um carpinteiro e que uma doméstica. Esse é o princípio fundamental da minha vida aos 71 anos. O que não posso aceitar é o que está acontecendo no Brasil nesse instante."

Lula disse aos seus apoiadores que o que menos importa no Brasil, hoje, é a verdade. O que valeria, para ele, é a construção de versões. "Se conta versão, ela vira manchete de jornal, a manchete é manipulada pela televisão e a pessoa, independentemente de ser inocente, passa a ser condenada pela opinião pública."

Lula qualificou a apresentação da denúncia contra ele pelo Ministério Público como um "espetáculo de pirotecnia". "Alugaram sala num hotel e devem ter gasto dinheiro público para fazer a pirotecnia e depois de uma hora de ilações chegaram à conclusão de que não tinham provas, mas tinham a convicção de que eu era o chefe de uma quadrilha que chegou ao poder em 2003."

O ex-presidente disse que ninguém pode ser julgado por convicção. "É preciso ter certeza para que alguém seja julgado."

Lula admitiu tristeza pelo fato de Moro ter aceitado a denúncia contra ele, mas afirmou que vai lutar contra as acusações. "Eu estou triste porque o juiz Moro aceitou a denúncia contra mim, mesmo ela sendo uma farsa, uma grande mentira. Mas temos advogados e vamos brigar. Vamos continuar lutando para que o povo volte a ter orgulho de ser brasileiro."

Para o advogado do ex-presidente, Cristiano Zanin Martins, Moro perdeu a imparcialidade para julgar Lula. "O líder dos procuradores que atua na Operação Lava-Jato chegou a dizer que ele e o juiz eram símbolos de um time, o que mostra que não houve a separação entre o acusador e o julgador. Evidentemente que o juiz perdeu a imparcialidade para julgar Lula", disse Martins, presente ao evento de apoio ao ex-presidente num restaurante na rua 52, perto da 5ª avenida, em Nova York.

Os defensores de Lula ingressaram com uma petição na ONU sobre o assunto e aproveitaram a Assembleia-Geral da entidade que está ocorrendo em Nova York para chamar a atenção para o assunto. "Hoje, [o presidente Michel] Temer falou na ONU que nós temos um Judiciário independente e um Ministério Público atuante. No entanto, as arbitrariedades e as perseguições a Lula por um juiz de Curitiba e pelas convicções de alguns membros do MP colocam em xeque a imagem que Temer passou ao mundo", afirmou o advogado.

De acordo com o advogado britânico Geoffrey Robertson, que está na defesa do ex-presidente, Lula não merece imunidade, mas merece respeito. "O mundo está observando o Brasil. A comunidade jurídica internacional está chocada com as violações cometidas pelos promotores da Lava-Jato contra Lula e sua família. Trata-se de uma perseguição a Lula e não de um processo. É por isso que levamos este caso à Comissão de Direitos Humanos da ONU em Genebra", disse. Robertson chegou a ser interrompido pela plateia que gritou em inglês: "Parem com o golpe no Brasil".