Valor econômico, v. 17, n. 4097, 23/09/2016. Política, p. A6

Preso em hospital, Mantega tem prisão revogada seis horas depois

Por: André Guilherme Vieira e Letícia Casado

 

Preso na manhã de ontem em São Paulo na 34ª fase da Operação Lava-Jato, a "Arquivo X", por suspeita de solicitar R$ 5 milhões ao empresário Eike Batista para quitar dívida eleitoral do PT, o ex-ministro da Fazenda nos governos petistas Guido Mantega, acabou tendo sua detenção revogada menos de seis horas depois de cumprida, por ordem do mesmo juiz que autorizou a captura temporária, Sergio Moro, titular da Operação Lava-Jato na primeira instância da Justiça federal no Paraná.

Mantega foi detido no saguão do hospital Albert Einstein, na Zona Sul da capital paulista, onde acompanhava o tratamento de câncer da mulher, Eliane Berger, que fazia uma biópsia. A ordem foi cumprida pela equipe da Polícia Federal (PF) liderada pelo delegado Maurício Moscardi Grillo, e Mantega levado à sede do órgão na cidade.

Às 6h, os policiais chegaram ao apartamento de Mantega em Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo. Foram recebidos pelo filho adolescente do ex-ministro e uma empregada, que informaram que Mantega estava no hospital, acompanhando a mulher.

"Seis e pouco da manhã toca o telefone na minha casa. Atendo e o [ex-] ministro Guido Mantega me diz: 'estou no Einstein desde às 4 da manhã para acompanhar minha mulher num exame e ela está pré-sedada. Me ligaram agora de casa avisando que a polícia está lá e que eles vêm para cá me buscar, porque o meu filho é menor de idade e não pode acompanhar o cumprimento de um mandado de busca'", relatou ao Valor o advogado José Roberto Batochio.

"Ele me disse que ia para o centro cirúrgico acompanhar a mulher. Eu então falei com um dos policiais pelo celular e liguei de novo pro Mantega e disse a ele: 'olha, saia daí e vá para o saguão que os policiais vão chegar'".

O delegado Moscardi Grillo falou com Mantega por telefone, que se dispôs a colaborar com a polícia. Eles então se encontraram no lobby do hospital e seguiram com uma viatura descaracterizada até a casa do ex-ministro. De boné, óculos e jaqueta grossa para enfrentar o frio, Mantega acabou se esquecendo de pegar a carteira e o delegado acabou lhe pagando um lanche e um café.

"Apesar de a PF ter agido com urbanidade, essa prisão decretada pelo juiz Moro é uma medida arbitrária, violenta, desnecessária e nas circunstâncias em que ocorreu é também desumana", criticou o criminalista.

Moro determinou a imediata soltura de Mantega, às 12h20 e destacou que o fato de o ex-ministro acompanhar a mulher acometida "de doença grave em cirurgia" não era de conhecimento da PF, do MPF e do juízo.

Moro também considerou que como as ações nos endereços de busca já estavam em andamento, não haveria risco em revogar a prisão temporária, determinada para preservar as apreensões, evitando a destruição de provas.

O juiz decidiu sem ouvir a opinião dos procuradores e delegados da Lava-Jato. Mas afirmou ter certeza de que os investigadores concordariam com a soltura.

"Segundo informações colhidas pela autoridade policial, o ato [de prisão] foi praticado com toda a discrição, sem ingresso interno no hospital". O ex-ministro deixou a sede do órgão por volta das 14h30. Ele não prestou depoimento no período em que foi mantido sob custódia.

Pela manhã, antes da decisão de soltura, o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima disse que a força-tarefa da Lava-Jato pediu a prisão preventiva de Mantega, mas Moro negou.

"O fundamento [do pedido de prisão] foi a [manutenção da] ordem pública. Estamos falando de valores bilionários desviados dos cofres públicos", justificou.

O ministro decano do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello disse que o cumprimento do mandado de prisão de Mantega no hospital foi legal.

"O Código de Processo Penal é muito claro ao permitir que qualquer prisão se efetive em qualquer lugar, observadas as restrições estabelecidas na Constituição quanto à inviolabilidade domiciliar. Observadas as restrições constitucionais (...), a prisão pode ser efetivada em qualquer lugar, disse. (Colaborou Carolina Oms, de Brasília)

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Especialistas divergem sobre caracterização de crime

Por: Ricardo Mendonça

 

O ato de solicitar ou sugerir contribuição para partido político enquanto ocupa cargo público configura crime?

Essa é a questão que tende a ser colocada num eventual julgamento do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, caso o depoimento voluntário prestado pelo empresário Eike Batista à Operação Lava-Jato reste comprovado como verdadeiro e preciso - o que o advogado do petista nega.

No meio jurídico, há divergências à respeito do assunto.

Para o advogado Pedro Serrano, professor de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Mantega não teria cometido crime, mesmo que fique comprovada a veracidade da fala de Eike.

"Contribuição eleitoral para partido político era uma atividade lícita naquela época [2012]. Pedir contribuição por si só, portanto, não pode ser caracterizado como crime. A pessoa tem simpatia por um partido político, pede algo que é legítimo", afirma.

Segundo Serrano, seria um erro interpretar que, ao pedir contribuição naquelas circunstâncias descritas por Eike Batista, Mantega estaria, implicitamente, condicionando a aceitação do pedido à assinatura ou manutenção de eventuais contratos do empresário com o poder público.

"Não é possível expandir o direito penal dessa forma. Se você aceitar isso, vai acabar criminalizando toda ação humana. Se for considerar crime o que é implícito, tudo pode ser criminalizado a qualquer momento. Seria uma forma de exceção, não de direito. Uma nova forma de fascismo jurisprudencial. Questão penal deve ser interpretada restritivamente, não de modo extensivo."

Crítico frequente da Lava-Jato, o advogado discorda ainda do despacho que determinou a prisão temporária do ex-ministro. "Num caso como esse, prender a priori é um absurdo. Mantega é primário, tem residência fixa, não teve nenhuma conduta contrária à investigação nem esboçou plano ou intenção de fuga. O caso configura uma enorme agressão à liberdade, à presunção da inocência. Mas, infelizmente, essa tendência punitiva e de banalização da prisão cautelar é comum hoje. Não é um privilégio da Lava-Jato", concluiu.

O pesquisador Ivar Hartmann, professor da FGV Direito Rio, tem entendimento completamente diferente do de Serrano em relação à questão do suposto pedido de contribuição para o PT.

Para ele, o ato do ex-ministro Mantega, conforme descrito por Eike, caracteriza corrupção passiva, situação prevista na legislação: "Se Eike falou a verdade, Mantega pode ser enquadrado no artigo 317 do Código Penal: 'solicitar vantagem para si ou para outrem, em razão da função'".

A redação precisa do dispositivo que define corrupção passiva é: "Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem". Prevê pena de reclusão de dois a 12 anos e multa.

"A vantagem era indevida, tanto que foi paga no exterior de forma oculta. Isso reforça que era vantagem indevida", diz. "Repare ainda que basta ter solicitado a vantagem para configurar crime. Não precisa nem ter recebido. E é claro que, na situação, teria sido em função do cargo. Eu sou professor. Se pedir dinheiro para empresário desse jeito, ninguém vai dar. Mas ele era ministro."

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Operação deveria chamar 'boca de urna', dizem Lula e PT

Por: Cristiane Agostine

 

 PT intensificou ontem os ataques à força-tarefa da Lava-Jato, depois da prisão temporária do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, durante a 34ª fase da operação. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente nacional do partido, Rui Falcão, afirmaram que a operação deveria se chamar "boca de urna", por supostamente ter conotação político-eleitoral, e disseram que a prisão do ex-ministro, dentro de um hospital em São Paulo foi arbitrária, desumana e desnecessária. Lula afirmou ainda que a ação contra Mantega "jogou no lixo qualquer tese de humanitarismo".

Em entrevista à rádio Povo do Ceará, Lula disse não ter medo das investigações da Lava-Jato e voltou a reclamar da denúncia apresentada contra ele pelo Ministério Público Federal, pelos supostos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. "O que eu acho é que há um processo equivocado, com um viés político muito forte", disse. "Deveria se chamar Operação Boca de Urna porque está chegando perto das eleições e eles vêm outra vez para cima do PT", afirmou.

O ex-presidente cobrou respeito dos agentes envolvidos na força-tarefa da Lava-Jato e criticou a prisão de Mantega, feita no saguão do hospital Albert Einstein, enquanto o ex-ministro acompanhava sua esposa, a psicanalista Eliane Berger, durante um procedimento cirúrgico. Eliane luta contra um câncer e mesmo depois de já ter passado por uma série de cirurgias e trocado as drogas da quimioterapia, sofre com o estágio avançado da doença.

"Se isso é verdade, qualquer tese de humanitarismo foi jogada no lixo. O Guido é um homem que foi ministro da Fazenda, tem residência fixa e portanto as pessoas poderiam tratá-lo como todo ser humano tem que ser tratado", disse o ex-presidente sobre a prisão de Mantega no hospital.

Réu em ação da Lava-Jato, o ex-presidente disse não acreditar nas delações e afirmou que é preciso "evitar que qualquer delegado" faça "manchete de jornais" antes de provar a veracidade da denúncia.

Lula não descartou uma nova candidatura à Presidência em 2018 e disse que o PT continua forte, apesar das denúncias contra o partido. "É cedo para falar em 2018, mas os meus adversários estão quase me empurrando para ser candidato. Eu acho que se terminar assim eles vão terminar votando em mim", disse. "O que temos que ter clareza é que o PT não acaba nunca, o PT é muito forte", disse, afirmando em seguida que a legenda não vai trocar de nome como fizeram outras siglas.

Depois de um périplo na quarta-feira no Ceará para defender-se, Lula discursou ontem em Recife. Ao pedir voto para o candidato do PT, João Paulo, na capital pernambucana, o ex-presidente disse que erraram na mão na denúncia contra ele e disse que seus "algozes" da força-tarefa não são deuses.

Na mesma linha de Lula, o presidente nacional do PT afirmou ontem que a prisão de Mantega é "arbitrária, desumana e desnecessária". Em nota divulgada por sua assessoria, Falcão negou as acusações contra o partido, de suposto recebimento de recursos ilícitos. "O PT refuta as ilações apresentadas. Todas as operações financeiras do partido foram realizadas estritamente dentro dos parâmetros legais e posteriormente declaradas à Justiça Eleitoral", afirmou o PT, por meio de nota.