Custo político de alta de imposto atrasa meta

 

Rosana Hessel
Naira Trindade

 

O presidente interino Michel Temer avalia o risco político de aumentar impostos para definir a nova meta fiscal para 2017. Depois de quase uma hora de reunião no Palácio do Planalto, com a participação de líderes no Congresso, Temer e a equipe econômica conseguiram fechar a previsão de um deficit de R$ 194 bilhões nas contas públicas no próximo ano, se nada for feito para reduzir a fatura. De acordo com o deputado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Comissão Mista do Orçamento (CMO), o rombo poderá ser reduzido entre R$ 45 bilhões e R$ 50 bilhões por meio de receitas oriundas de aumento de impostos e de concessões e privatizações. O problema, no entanto, é que algumas medidas enfrentariam forte resistência no Legislativo e no meio empresarial.

Entre as soluções apresentadas para melhorar as contas, está o aumento da Cide sobre combustíveis, mudanças no Imposto de Renda e no Pis/Cofins. Nesse último caso, a reação dos empresários seria forte, já que a medida aumenta diretamente os custos de produção. Segundo Lira, o governo pretende rever as previsões de arrecadação com concessões e venda de ativos. Além disso, é possível que seja ampliado o prazo para adesão ao programa de repatriação de bens no exterior, que termina em outubro. Até agora, foram recolhidos R$ 8 bilhões.

Na reunião, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, defendeu que a meta seja definida ao redor de R$ 140 bilhões para indicar o compromisso com a redução do deficit, que chegará a R$ 170 bilhões neste ano. O ex-ministro do Planejamento, senador Romero Jucá (PMDB-RR), no entanto, bateu pé num valor de R$ 160 bilhões. Diante do impasse, Temer pediu que a equipe faça novas reuniões hoje pela manhã para que o número seja fechado até o meio-dia. O anúncio da meta deve ser feito às 17h, a tempo de ela ser encaminhada ainda hoje à Comissão Mista de Orçamento (CMO).

 

2 mil emendas

A nova meta será incluída no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do próximo ano, que precisa ser votada pelo plenário do Congresso Nacional até 15 de julho, caso contrário, os parlamentares não poderão entrar em recesso. Ontem à noite, terminou o prazo para a apresentação das emendas de bancada ao projeto. Foram recebidas 2.044 emendas até as 21h, de acordo com a assessoria da CMO. Desse total, 1.298 apresentadas por deputados, 362 por senadores, 297 por comissões da Câmara e do Senado, 87 por bancadas estaduais das duas Casas.

Desde 2014, as contas do governo federal fecham no vermelho e a dívida pública não para de crescer. A mediana das previsões coletadas pelo boletim Prisma Fiscal, elaborado pela Fazenda junto a economistas do mercado, é de um rombo de R$ 104,8 bilhões em 2017, com a dívida pública bruta chegando a 79% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano que vem. As previsões mais pessimistas, no entanto, preveem deficit R$ 195,9 bilhões e dívida de 82,50% do PIB, taxa insustentável para qualquer país emergente. Para cobrir os rombos, o governo precisaria emitir mais títulos da dívida, gerando uma espiral inflacionária sem controle, afundando país ainda mais na recessão e enterrando de vez qualquer chance de recuperação a curto prazo.

 

Contradição

O mercado continuou de mau humor ontem após as declarações do ministro Eliseu Padilha, que considerou “ótimo” um deficit igual ao previsto neste ano, de R$ 170,5 bilhões. Os juros futuros e o dólar continuaram subindo e a bolsa voltou a cair. Para piorar, Temer tem dado sinais trocados que batem com o discurso de austeridade fiscal, como a concessão dos reajustes dos servidores e outras benesses que somam quase R$ 130 bilhões em despesas adicionais nos próximos anos.

O economista e consultor Carlos Eduardo de Freitas demonstrou preocupação com o excesso de contradição do governo interino aumentando os gastos, de forma a deixar que nas mãos do Banco Central o ônus de controlar a inflação. Ex-diretor do BC, Freitas ainda criticou qualquer forma de aumento de imposto. “Tirar recurso de quem investe para transferir ao setor público, que despoupa, só vai fazer com que a taxa de investimento continue caindo e prejudicar o futuro do país”, disse ele.

 

Correio braziliense, n. 19400, 07/07/2016. Economia, p. 8

Na avaliação do especialista em contas públicas e professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB), José Matias-Pereira, a decisão de definir a meta fiscal de 2017 é uma das mais complexas do atual governo. “O momento é diferenciado, e esse deficit é um balizador que pode dar sinais se o governo estará indo na direção certa, caminhando para reorganizar as contas públicas. Se eles errarem, para mais ou para menos, isso vai gerar um preço mais adiante, que será muito ruim”, explicou. “O que tem chamado a atenção é que a troca de governante não quer dizer que os problemas da terra arrasada deixados pelo governo petista foram resolvidos. O desafio continua presente”, emendou.

 

Correio braziliense, n. 19400, 07/07/2016. Economia, p. 8