Valor econômico, v. 17, n. 4084, 05/09/2016. Política, p. A7

Com perfil parlamentar, Temer terá o desafio de contrariar interesses

Formal e sofisticado, presidente terá de "governar para não ser governado", afirma ministro

Por: Andrea Jubé

 

"Quem muda aos 75 anos"? O ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, respondeu com uma pergunta ao ser questionado pelo Valor sobre qual seria o novo estilo do agora presidente Michel Temer, se abandonaria o perfil conciliador. Temer completa 76 anos no próximo dia 24. É a pessoa mais idosa a assumir o cargo na história brasileira. O atual presidente da República já foi deputado constituinte, secretário de Segurança Pública de São Paulo, três vezes presidente da Câmara dos Deputados, vice-presidente e presidente interino.

Aliados e auxiliares afirmam que "Michel" - como é chamado pelos interlocutores mais íntimos -, não mudará o estilo pessoal, mas adotará uma postura mais enérgica e incisiva em seus dois anos e quatro meses de mandato.

"Temer terá de governar para não ser governado", adverte um ministro do núcleo político. "Como um perito hors concours em Legislativo, ele foi conciliador na interinidade, mas agora, como efetivo, terá de tomar posição, assumir um lado do problema, vai contrariar interesses e prestigiar outros", complementa.

Outro ministro diz que Temer ficará menos acessível. "Ele terá uma agenda mais institucional, não vai mais receber todo mundo, vai agir em instância recursal", avalia.

"Michel Temer é o árabe mais britânico que eu conheço. Ele consegue dizer não de uma forma tão educada, que quem ouvir sai sorrindo achando que ouviu um sim", diz o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. Ele aposta que Temer equilibrará o perfil conciliador com o peso do Executivo.

Como interino, Temer abriu as portas do Palácio do Planalto para deputados e senadores. O Valor mostrou que, em três meses de governo provisório, ele recebeu 72 parlamentares. Dilma, em um mandato e meio, reuniu-se com 66. Naquela fase, ele se reuniu com o prefeito de Tietê, município paulista de 40 mil habitantes, onde nasceu, e um deputado do PTdoB, cuja bancada federal tem três integrantes.

O perfil de Michel, segundo seus aliados, é o ideal para se negociar no Congresso a aprovação de medidas impopulares, como o limite de gastos públicos, mudanças nas leis trabalhistas, a reforma da Previdência Social.

"Michel é cuidadoso, não é açodado, não é voluntarioso, sabe ouvir", descreve o presidente do PMDB e ex-ministro do Planejamento, senador Romero Jucá (RR). "Ele sabe que a política é feita para buscar a convergência, e a hora é de equilíbrio, não é de bravata, ele é a antítese da Dilma", diz.

Mesmo de gosto sofisticado e aparência formal - por exemplo, não abre mão das abotoaduras -, Temer é reconhecido como um político acessível e disposto ao diálogo. Deputados e senadores menos próximos do pemedebista já se surpreenderam ao receber uma ligação do presidente direto no celular.

"Eu atendi, não era a secretária transferindo a ligação, era o próprio Temer falando", relata o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que foi contrário ao impeachment. "Michel precisava falar com o Serra [ministro das Relações Exteriores], mas a secretária demorou para fazer a ligação, então ele pegou o celular e ligou. Ele faz isso toda hora, com ministros e com amigos", conta o senador José Aníbal (PSDB-SP). "Ele me manda zaps [WhatsApps] o dia inteiro", revela o líder Eunício Oliveira.

Mas o Temer afável é capaz de ser enérgico quando necessário. Um senador da base governista relatou ao Valor que testemunhou o ainda interino, em seu gabinete, dizendo um sonoro "não" por telefone ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que pedia a recondução do senador Eduardo Braga (PMDB-AL) ao Ministério de Minas e Energia.

"Ele foi desleal", disse Temer, entre dentes, segundo esse senador. De fato, Braga foi o penúltimo ministro do PMDB a entregar o cargo, depois que o partido formalizou o rompimento com o governo Dilma para apoiar o impeachment. Nas últimas semanas, Temer e Braga - hoje relator do projeto de lei orçamentária de 2017 - se reconciliaram. Temer ajudou Braga a costurar a aliança PSDB-PMDB para a eleição em Manaus (AM).

O mesmo senador também relata que viu Temer negando à cúpula do DEM um pedido para nomear um novo presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia vinculada ao Ministério da Educação, que, entre outras funções, é responsável pela gestão do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). O titular do cargo é Gastão Dias Vieira, filiado ao Pros do Maranhão. Nomeado por Dilma, ele já foi do PMDB e foi ministro do Turismo da petista. Temer disse ao DEM que busca um perfil técnico para o cargo.

No dia 24 de maio, em resposta às críticas de que estava hesitante e dado a recuos - teve que aceitar a demissão de Romero Jucá do ministério do Planejamento e extinguira e depois recriara o Ministério da Cultura -, Temer bateu com a mão sobre a mesa e avisou: "Eu fui secretário da Segurança Pública duas vezes em São Paulo, e tratava com bandidos. Então eu sei o que fazer em um governo, e saberei como conduzir".

Perseguido pelo apelido que lhe impôs Antônio Carlos Magalhães - "mordomo de filme de terror" -, o aspecto formal esconde um Michel Temer despojado. Já foi flagrado no Palácio do Jaburu brincando de bangue-bangue com o filho Michelzinho, de sete anos.

Nas dezenas de jantares que promove no Jaburu para reunir aliados e falar de política, entre doses de conhaque e baforadas de charutos cubanos, ele invariavelmente pede a Geddel que repita uma de suas imitações de políticos. Uma vez, perto das duas horas da madrugada, um convidado se despediu. "Já vai, cedo assim?", questionou Temer, em tom de ironia.

O ex-presidente do PMDB e senador Jader Barbalho (PA) disse a Temer que, se ele quiser sustentar-se no cargo, terá de fazer uma "aliança com a sociedade", e não apenas com os aliados. "Ou ele se une à sociedade ou será ilusão achar que contará apenas com a base para governar", advertiu.

Temer obteve vitórias no Congresso Nacional, mas enfrenta dificuldades com a proposta de emenda que impõe um teto às despesas públicas. Além da resistência aos temas sensíveis, Temer sofre com a falta de quórum, que se agrava com as eleições municipais. Ele autorizou Geddel a emitir uma circular pedindo aos ministros que não levem deputados em inaugurações de obras fora de Brasília nos dias de votações relevantes.

"Agora muda tudo", diz o líder do PMDB, senador Eunício Oliveira. "Um interino é um substituto, como presidente efetivo Temer vai ter mais segurança e convicção para corrigir distorções e assumir uma agenda realista", aposta.