Janot defende a liberação do aborto para os casos de gestantes com zika

Fabio Serapião e Rafael Moraes Moura

08/09/2016

 

 

Polêmica. Procurador-geral da República diz que mulheres são as mais afetadas psiquicamente pelo risco de má-formação: ‘Elas é que sofrem, antes mesmo que exista uma criança com deficiência à espera de cuidado’. País já confirmou 1.845 casos de microcefalia. 

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF) parecer favorável à possibilidade de aborto em casos de grávidas contaminadas pelo vírus da zika.

Além de liberar a interrupção da gravidez nessa situação, o documento propõe a realização de audiência pública para debater o tema e solicita ao governo federal uma proposta de reformulação do plano de combate ao vírus no País.

A argumentação foi apresentada no âmbito da ação movida pela Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep), que pede esse direito para mulheres infectadas pela doença.

A posição da PGR diverge da Advocacia- Geral da União. Para a AGU, a interrupção da gestação “seria frontalmente violadora ao direito à vida (mais informações nesta página).

No caso proposto, a PGR aponta que a manutenção da gravidez é um risco para a saúde psíquica da mulher. “Tem razão a requerente quanto à inconstitucionalidade da criminalização do aborto em caso de infecção pelo vírus zika. A continuidade forçada de gestação em que há certeza de infecção representa risco certo à saúde psíquica da mulher. Ocorre violação do direito fundamental à saúde mental e à garantia constitucional de vida livre de tortura e agravos severos”, diz Janot.

Ele ainda diz que “deve ser reconhecida a existência de causa de justificação genérica de estado de necessidade, cabendo às redes pública e privada realizar o procedimento (o aborto), nessas situações”.

Para Janot, “a falta de serviços obstetrícios emergenciais ou a negação da realização de aborto levam, frequentemente, à mortalidade e à morbidade maternas, o que, por sua vez, constitui violação do direito à vida ou à segurança e, em certas circunstâncias, pode equivaler a tortura ou a tratamento desumano, cruel ou degradante”.

Ainda no entendimento do procurador- geral, trata-se de epidemia em que as consequências mais trágicas até aqui conhecidas envolvem a reprodução humana e são as mulheres os indivíduos primeiramente atingidos. “Elas é que sofrem, antes mesmo que exista uma criança com deficiência à espera de cuidado.” Janot lembrou o julgamento do STF em 2012 sobre o aborto em casos de anencefalia (anomalia congênita que afeta o cérebro).

“Embora o julgamento se tenha restringido ao caso de interrupção da gravidez ante diagnóstico de anencefalia, o Supremo reconheceu que a imposição da gravidez pode ser forma de tortura das mulheres, em alguns casos.” Além da possibilidade do aborto, a Anadep solicita que o STF obrigue o poder público a garantir acesso a informação e formas de prevenção sobre zika e a planejamento familiar, incluindo métodos contraceptivos.Cobra-se ainda acesso a serviços de saúde para atendimento integral de todas as crianças com deficiência associada ao zika. 

Casos. Segundo o boletim epidemiológico mais recente do Ministério da Saúde, considerando os casos até 8 de julho de 2016, foram registrados 174.003 relatos prováveis de infecção pelo zika no País – 78.421 confirmados. Em relação à microcefalia, os dados são mais recentes: até 20 de agosto, 9.091 casos foram notificados – desses, 2.968 (32,6%) permanecem em investigação e 6.123 foram investigados e classificados, sendo 1.845 confirmados para microcefalia e/ou alteração do Sistema Nervoso Central (SNC), sugestivos de infecção congênita por zika.

Atualmente, por lei, a interrupção da gravidez no Brasil é permitida só em casos em que a gestante corre risco, em gestação decorrente de estupro e em situações comprovadas de anencefalia. A discussão tem contornos internacionais, uma vez que na Europa grávidas já abortaram por infecção pelo vírus – na Eslovênia e na Espanha, por exemplo. Em fevereiro, após a determinação de emergência internacional pela Organização Mundial da Saúde, o alto- comissário de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Zeid Ra’ad Al Hussein, afirmou que países com surto do vírus deviam autorizar o direito ao aborto em casos de infecção em gestantes.

Ainda não há data prevista para o julgamento do caso no Supremo.

Além disso, tanto a procuradoria quanto a Advocacia- Geral afirmam que a Anadep não tem legitimidade para propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.Por causa dessa questão técnica, talvez a discussão de fundo sobre a interrupção da gravidez não seja analisada.

O Estado não conseguiu contato ontem com a Anadep. 

PONTOS-CHAVE

O avanço da epidemia pelo mundo

Brasil

Em novembro, o governo declara emergência sanitária nacional por surto de bebês com microcefalia.Surge a suspeita de ligação do vírus com a má-formação.

OMS

Em fevereiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que a explosão de casos de microcefalia constituía emergência internacional.

Provas

Em abril, a OMS disse não ter mais dúvidas de que o zika causava a microcefalia e ainda confirmou a relação do vírus com a Síndrome de Guillain-Barré.

Notificações

Segundo a OMS, desde 2007, 70 países registraram transmissão do zika. O órgão recomenda sexo seguro por seis meses para quem viajou a locais com casos.