A cartada de Cunha para salvar o mandato

 

08/07/2016
Paulo de Tarso Lyra
Julia Chaib
Naira Trindade
 

O choroso Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que embargou a voz ao citar a mulher e a filha durante a leitura da carta de renúncia à presidência da Câmara — algo que ele negava em todas as entrevistas dadas ao longo dos últimos meses e em postagens nas redes sociais — mostrou, ontem, que ainda tem ascendência sobre a tropa de choque, que lhe deve favores, para tentar escapar da cassação em plenário.  Em manobras sobrepostas, Cunha apresentou um recurso contra a própria punição na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que se reunirá na terça-feira, e o chamado Centrão, ligado politicamente ao peemedebista, marcou, para o mesmo dia, a sessão para eleger o novo presidente da Casa.

Mesmo nas sombras, Cunha ainda blefa e embaralha as cartas na Casa. “Ficou ótimo para ele. Com a CCJ e eleição no mesmo dia, os deputados vão escolher o novo presidente e vão embora para seus estados. A cassação fica para depois”, reconheceu um interlocutor do Planalto. “E, nesse formato, Cunha tem, sim, muita força para eleger o próprio sucessor e embolar todo o processo”, completou o aliado direto do presidente interino, Michel Temer.

O racha ficou evidente na reunião marcada para o início da noite de ontem, no apertado plenário 15 do corredor das comissões. Convocado informalmente pelos líderes presentes — tanto da oposição quanto do governo — para definir os próximos passos após a renúncia de Eduardo Cunha, o encontro transformou-se em cisão. Mais cedo, o presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), havia decidido que a eleição seria na quinta-feira. “Ele não decide mais nada, ele foi demitido do cargo com a renúncia de Cunha”, afirmou o líder do PP, Aguinaldo Ribeiro (PB), em conversa com um dos vários líderes partidários da Casa.

Ficou acertado que eles se encontrariam para definir o novo cronograma. PSol e Rede defendiam que a cassação do peemedebista em plenário ocorresse antes da eleição do novo presidente, justamente para que Cunha não tivesse nenhuma força para eleger alguém em condições de protelar o processo contra ele. As coisas começaram a embolar quando o presidente da CCJ, Osmar Serraglio (PMDB-PR), transferiu a reunião da comissão, prevista para a segunda, para a terça-feira.

O caldo entornou de vez quando o Centrão atropelou o Centrinho — composto por DEM, PSDB, PSB e PPS — e marcou a eleição para o mesmo dia e horário. “Isso é um absurdo, estamos abandonando o encontro porque está sendo montado um teatro para salvar Cunha da cassação”, reclamou o líder da Rede, Alessandro Molon (RJ). “Esse encontro não tem validade regimental nenhum. Vamos pedir a anulação desta decisão, quem está ditando regras é o Jovair Arantes (líder do PTB)”, esbravejou o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA). DEM, PSDB, PPS, PSB e Rede abandonaram o encontro.

“Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Estamos definindo a eleição do novo presidente, porque a Casa não pode ficar sendo comandada pelo atual presidente. É fácil chorar quando se perde a votação”, esnobou Jovair Arantes (GO).

 

Impeachment

A tão esperada renúncia de Cunha à presidência da Casa — que tem o apoio do Palácio do Planalto — começou por volta de 13h10, quando o peemedebista chegou à Câmara. O discurso teve direito a choro e acusações de perseguição de sua família. Na carta, Cunha diz que continuará lutando para provar sua inocência.

O gesto do peemedebista era esperado desde o fim da última semana, e foi antecipada pelo site do Correio duas horas antes de efetivamente ocorrer. Cunha tentou atrelar a renúncia a um gesto para salvar a Casa. “É público e notório que a Câmara está acéfala, fruto de uma interinidade bizarra, que não condiz com o que o país espera de um novo tempo após o afastamento da presidente da República. Somente a minha renúncia poderá por fim a essa instabilidade sem prazo. A Câmara não suportará esperar indefinidamente”, disse, no documento.

Durante o anúncio, Cunha embargou a voz e afirmou que buscará se defender para provar a inocência e diz que ele e sua família são alvos de perseguição. “Estou pagando um alto preço por ter dado início ao impeachment. Não tenho dúvidas, inclusive, de que a principal causa do meu afastamento reside na condução desse processo de impeachment da presidente afastada, tanto é que meu pedido de afastamento foi protocolado pela Procuradoria-Geral da República em 16 de dezembro, logo após a minha decisão de acatar a abertura do processo contra Dilma”, afirmou.

 

Frases

“Isso é um absurdo, estamos abandonando o encontro porque está sendo montado um teatro para salvar Cunha da cassação”

Alessandro Molon, líder da Rede

 

“Somente a minha renúncia poderá por fim a essa instabilidade sem prazo. A Câmara não suportará esperar indefinidamente”

Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara

 

Ascensão & queda

A trajetória de Eduardo Cunha no comando da Câmara, o homem que assusta governos e o Congresso

 

1º de fevereiro de 2015

»  Eduardo Cunha é eleito presidente da Câmara, com 267 votos, derrotando, em primeiro turno, o candidato do PT ao cargo, Arlindo Chinaglia (SP)

 

11 de fevereiro de 2015

»  Recria comissão para discutir o Estatuto da Família, que define como núcleo familiar apenas aqueles originados da união entre um homem e uma mulher

 

28 de abril de 2015

»  Cunha perde votação, mas manobra e garante a criação da Comissão da Defesa dos Direitos da Mulher. A bancada feminista reclama que o colegiado tira poder da Comissão de Seguridade e Assistência Social

 

5 de maio de 2015

»  A chamada PEC da Bengala eleva de 70 para 75 anos a idade da aposentadoria compulsória para ministros do STF. A proposta mirava a presidente afastada, Dilma Rousseff — com ela, a petista deixaria de indicar até cinco ministros que completam 70 anos até 2018.

 

25 de maio de 2015

»  Mesmo em plena crise econômica e discussão de ajuste fiscal, a Câmara aprova criação de uma reforma geral no Congresso, incluindo construção de um “shopping” para os deputados, o Parlashopping, orçado em R$ 1 bilhão.

 

28 de maio de 2015

»  Também derrotado no plenário durante a reforma política, Cunha usou da “pedalada regimental” para votar mais uma vez a permissão para doações empresariais em campanhas políticas. Pela proposta aprovada, fica autorizada a doação de empresas para partidos políticos.

 

19 de agosto de 2015

»  Derrotado por cinco votos em votação no plenário da Câmara, Cunha apresentou emenda aglutinativa realizando mudanças pontuais e aprovou a proposta que reduz a maioridade penal para 16 anos em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.

 

Setembro de 2015

»  Os parlamentares já tinham aprovado aumentos de gastos de R$ 22 bilhões, valor bem próximo da economia de R$ 26 bilhões proposta pelo governo federal para equilibrar o Orçamento em 2016.

 

8 de outubro de 2015

»  Aprovado, em comissão especial, o Estatuto da Família. O texto do relator, deputado Diego Garcia (PHS-PR), que define a família como o núcleo formado a partir da união entre um homem e uma mulher, foi considerado um retrocesso por diversos segmentos da sociedade.

 

13 de outubro de 2015

»  A representação contra Eduardo Cunha foi entregue por PSol e Rede à Mesa Diretora da Câmara, que levou 14 dias para encaminhá-la ao Conselho de Ética.

 

27 de outubro de 2015

»  Aprovada na comissão especial, a proposta de emenda constitucional que transfere do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de se definir a demarcação de terras indígenas.

 

3 de novembro de 2015

»  Processo contra Eduardo Cunha é oficialmente aberto no Conselho de Ética da Câmara.

 

3 de dezembro de 2015

»  Eduardo Cunha aceita o pedido de abertura do processo de impeachment contra Dilma Rousseff.

 

9 de dezembro de 2015

»  Após seis tentativas de votar o parecer preliminar pela continuação do processo, o primeiro relator do caso, Fausto Pinato (PP-SP), acabou afastado por decisão monocrática do então primeiro-vice-presidente da Câmara e atual presidente interino da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA).

 

15 de dezembro de 2015

»  O deputado Marcos Rogério (DEM-RO) é designado o novo relator e o seu parecer pela continuidade foi aprovado em 15 de dezembro. No entanto, também por decisão de Maranhão, a votação acabou anulada e o processo voltou à estaca zero.

 

2 de março de 2016

»  Nova tentativa de votar o parecer. Na última hora, para garantir aprovação Marcos Rogério, sob pressão de aliados de Cunha, retirou o trecho que defendia que o peemedebista também fosse investigado pela suspeita de ter recebido propina.

 

6 de abril de 2016

»  Cunha tenta cancelar os depoimentos de todas as testemunhas de acusação arroladas pelo relator, Marcos Rogério. A alegação da defesa é que elas só poderiam falar sobre as suspeitas de propina, mas que isso não havia sido aceito no parecer preliminar.

 

5 de maio de 2016

»  Supremo Tribunal Federal afasta Cunha do cargo de presidente da Câmara e do mandato de deputado.

 

31 de maio de 2016

»  Waldir Maranhão encaminha à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) uma consulta feita pelo deputado Wellington Roberto (PR-PB) sobre o procedimento de votação dos processos

disciplinares no plenário da Casa.

 

14 de junho de 2016

»  O Conselho de Ética aprova, por 11 votos a 9, parecer do deputado Marcos Rogério (DEM-RO) pela cassação do mandato de Eduardo Cunha.

 

21 de junho de 2016

»  Cunha concede entrevista coletiva em um hotel de Brasília e diz que não fará delação premiada nem renunciará ao mandato de presidente da Câmara.

 

23 de junho de 2016

»  Em recurso à CCJ, Cunha tenta anular votação do Conselho de Ética que pede perda do mandato dele.

 

6 de julho de 2016

»  Relator do pedido de Cunha na Comissão de Constituição e Justiça, o deputado Ronaldo Fonseca, do Pros-DF, apresenta parecer favorável ao cancelamento da votação no Conselho de Ética. O texto será votado na CCJ na semana que vem.

 

7 de julho de 2016

»  Pressionado e cada vez mais abandonado pelos aliados, Eduardo Cunha renuncia ao cargo de presidente da Câmara.

 

Correio braziliense, n. 19401, 08/07/2016. Política, p. 2/3