Saída era questão de tempo

 
08/07/2016
Naira Trindade
Julia Chaib

 

Inúmeras vezes descartada, a renúncia do então presidente afastado da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) surpreendeu deputados, que esperavam a decisão para o início da semana. Enfileirados, parlamentares se posicionavam no salão verde da Câmara minutos após o anúncio oficial para expressar à imprensa solidariedade ou indignação à decisão do peemedebista. Ao lado de poucos colegas, Cunha deixou a cadeira da Câmara 17 meses após assumi-la e a cinco meses de encerrar o mandato.

Aliados ferrenhos, como o deputado federal Carlos Marun (PMDB-MS), defendem que Cunha tomou uma decisão difícil, que não é fácil renunciar e continuará ao lado do peemedebista. “Foi um gesto de grandeza, numa data que ainda permite que nós, no início da semana que vem, venhamos a eleger um novo presidente e que não passemos um recesso com a casa acéfala. Não foi uma estratégia para salvar o mandato”, argumentou.

Um dos interessados em assumir Presidência da Câmara, o primeiro-secretário da Mesa Diretora, Beto Mansur (PRB-SP) — que também é aliado de Eduardo Cunha — chegou a anunciar na semana passada que o peemedebista faria o anúncio ainda esta semana. Pressionado, porém, Mansur voltou atrás e alegou que a afirmação era um “sentimento”. “Na Câmara, ele foi um bom presidente. Temos de reconhecer”, defendeu, após o pronunciamento oficial.

Líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), negou que o governo esteja em busca de um nome único para presidir a Casa e ainda ter conhecimento de acordo atrelando a renúncia de Cunha à salvação de seu mandato. “O governo não tem interferência nesse processo”, desconversou o líder. “Quanto à renúncia, agora, inicia-se uma nova etapa, que é o processo sucessório. O regimento determina que ocorra em até cinco sessões, mas esperamos que esses passos possam ser diminuídos”, afirmou, antes de marcarem a sessão para quinta-feira.

 

Sem condições

Em seu primeiro mandato como deputado federal e um dos principais nomes para presidir a câmara, o líder do PSD na Câmara, Rogério Rosso (DF), reconheceu que o anúncio poderia ter ocorrido antes para evitar desgaste da Casa. “Poderia ter sido feita antes, porque a Casa estava muito instável. A partir de agora, o desafio é eleger o novo presidente o mais rápido possível, para retornarmos à normalidade. A partir de agora, os partidos da base do governo, que hoje são maioria, vão ter que trabalhar para a escolha de um perfil”, disse, negando ser candidato.

Para o líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbassahy (BA), a renúncia era esperada porque Cunha estava sem condições para comandar a Casa. “Ao ser afastado pelo STF, sua situação ficou muito delicada e ele perdeu as condições de presidir a Câmara. Dessa forma, a vacância do cargo era esperada, uma questão de tempo. Agora, o próximo passo é dar celeridade à eleição para a presidência e resolver essa situação, que está prejudicando fortemente os trabalhos da Casa”, afirmou.

O líder do PSol, Ivan Valente, disse que essa ação do peemedebista foi a última “tentativa” de ele se salvar. “O PSol teve a primeira vitória, que foi afastar Cunha da presidência. Mas ele ainda tem que perder o mandato. As acusações são graves. Podemos ter eleições na semana que vem”, disse Valente. Já o deputado Chico Alencar (PSol-RJ) afirmou que a renúncia não reduz o prejuízo causado por Cunha.

“A renúncia é um ato político. Aliás, se o suicídio do (Getúlio) Vargas foi um ato fortemente político, com uma carga dramática sincera absoluta, com o perdão da comparação entre duas figuras absolutamente distintas do patamar ético e de expressão na vida pública nacional, é claro que renúncia do Cunha — que negara tanto essa possibilidade — é um ato político, é uma jogada que não representa nenhum ato de contrição, de autocrítica, de reconhecimento do mal que ele ainda representa na vida nacional.”

Já o deputado Henrique Fontana (PT-RS) lembrou que a saída dele faz parte de um acordo com o presidente em exercício Michel Temer. “É uma medida calculada em benefício próprio e faz parte de um acerto dele com o presidente temporário e ilegítimo Michel Temer, porque atende a um acordo para salvar o mandato dele e colocar rapidamente um preposto como presidente da Câmara, claro, com o aval do Michel Temer”, criticou o petista.

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia, afirmou que a saída de Cunha diminui as incertezas sobre as conduções dos trabalhos. “E abre caminho para os deputados reorganizarem a Casa. A renúncia, contudo, não pode significar o fim do processo ético em curso na Câmara e que pode resultar na inelegibilidade do deputado Eduardo Cunha. Espero que essa renúncia não seja mais um artifício para driblar a cassação”, afirmou.

 

Frases

“A renúncia poderia ter sido feita antes, porque a Casa estava muito instável. A partir de agora, o desafio é eleger o novo presidente o mais rápido possível, para retornarmos à normalidade”

Rogério Rosso (PSD-DF), deputado

 

“É uma medida calculada em benefício próprio e faz parte de um acerto dele com o presidente temporário e ilegítimo Michel Temer”

Henrique Fontana (PT-RS), deputado

 

Correio braziliense, n. 19401, 08/07/2016. Política, p. 4