Rombo de R$ 139 bi com cortes e tributos

 

08/07/2016
Rosana Hessel

 

Depois de vários dias de negociações intensas, que elevaram a temperatura da Esplanada dos Ministérios e mexeram com os mercados, a equipe econômica do presidente interino, Michel Temer, conseguiu chegar a um número para o rombo das contas públicas em 2017: R$ 139 bilhões. A nova meta fiscal para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano que vem, que equivalente a 2,05% do Produto Interno Bruto (PIB), foi anunciada ontem à noite pelos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Dyogo Oliveira (Planejamento) e Henrique Meirelles (Fazenda), que saiu vitorioso nas discussões dentro do governo.

Os técnicos identificaram um deficit bruto de R$ 194 bilhões nas contas do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central), mas, segundo Meirelles, haverá uma redução de R$ 55 bilhões nesse valor, considerando que o Congresso vá aprovar a proposta de emenda à Constituição que limita o crescimento das despesas públicas à variação da inflação do ano anterior.

O ministro explicou que a redução virá de receitas extraordinárias com concessões na área de infraestrutura e com a privatização de ativos, incluindo ofertas públicas de ações (IPOs) de empresas públicas. O detalhamento das medidas, porém, só ocorrerá em agosto, depois da esperada confirmação do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff.

Meirelles, no entanto, já avisou que o governo poderá recorrer também ao bolso do contribuinte para cumprir a nova meta. “Não descartamos aumentos pontuais de impostos. Definiremos esta questão até o fim de agosto, no momento em que tivermos clareza sobre o orçamento de 2017. Até lá, teremos concluído o que será necessário e se será necessária a elevação de algum tributo”, afirmou. Segundo o ministro, nos cálculos do governo, as contas poderão voltar a apresentar superavit em 2019.

 

Cabo de guerra

Padilha, que travou um cabo de guerra com Meirelles na defesa de uma meta fiscal maior, disse que foi convencido pelo chefe da Fazenda a admitir um número menor que os R$ 170,5 bilhões de deficit previstos para este ano. “Nunca defendi (o rombo maior)”, alegou. “Disse que, se ele fosse alcançado, já teria uma grande vitória porque haveria uma estabilização, com tendência de queda. Mas fiquei feliz com os R$ 139 bilhões, e não tem ninguém mais contente do que eu porque, depois de crescer 47% neste ano, o deficit terá uma diminuição de 18%”, disse.

Padilha lembrou que o governo Temer está há 55 dias no poder, período ainda é muito curto para ter dados mais concretos sobre medidas complementares de ajuste. “Estamos trabalhando em cortar mais despesas. O Brasil é um mar de oportunidades (para investimentos externos). Aqui dentro temos 210 milhões de brasileiros e isso é um mercado infindável”, destacou o titular da Casa Civil.

Para todo o setor púbico, o deficit previsto é R$ 143 bilhões, o equivalente a 2,09% do PIB. O resultado é formado pela soma dos R$ 139 bilhões do governo central com os saldos negativos projetados para as empresas estatais, de R$ 3 bilhões, e dos estados e municípios, de R$ 1 bilhão.

Para definir a nova meta fiscal, o governo usou projeções econômicas, como um crescimento de 1,2% para o Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano, inflação de 4,8%, taxa básica de juros de 11,8% ao ano e câmbio de R$ 3,73 para o dólar. Essas projeções acabaram sendo mais otimistas do que as contidas na proposta elaborada pela equipe do ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, enviada em abril ao Congresso. Ela previa superavit zero para o governo central, que poderia abater desse objetivo um determinado valor por conta de frustração de receitas. Na prática, a proposta permitia deficit de até R$ 65 bilhões em 2017.

 

Parâmetros

Nos cálculos da equipe anterior, a expansão do PIB seria de apenas 1%, em linha com as projeções do mercado. E a expectativa de inflação era maior: 6%. O valor estimado para o salário mínimo, um indicador que tem efeito direto nos gastos da Previdência, passou de R$ 946 para R$ 945,5, em relação aos parâmetros elaborados por Barbosa.

De acordo com o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, a nova meta de rombo fiscal, apesar de elevada, foi positiva. “Não havia espaço, dadas as condições atuais, de ser muito diferente disso. O mais importante é a mensagem de que não há mágica de curto prazo depois do estrago feito na economia pelo governo anterior, e de que será privilegiado o ajuste de longo prazo. Seria fácil enganar, como no passado, com números irreais. Ao optar pela transparência, o governo apenas reforça que está no caminho certo”, elogiou.

O economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, lembrou que o mercado ficou tenso às vésperas do anúncio porque esperava uma meta mais ambiciosa, entre R$ 100 bilhões e R$ 120 bilhões de deficit. “O governo está preferindo fazer um ajuste mais gradualista. O rombo ainda é feio, apesar de menor que o deste ano, mas a reação dos mercados dependerá mais do conjunto de medidas que ainda virão. O governo não pode parar na PEC do teto dos gastos porque o risco de a lua de mel com o mercado acabar já é visível, com os sinais de enfraquecimento de Meirelles nas últimas semanas”, destacou. “Por mais que seja dado o desconto da interinidade ao governo Temer, ele precisará emitir sinais mais claros de comprometimento com o ajuste fiscal”, completou.

Na  avaliação do economista Marcos Lisboa, presidente da Escola de Negócios Insper, o governo tem poucos instrumentos para fazer ajuste fiscal — e ficou em situação ainda pior ao conceder reajustes a funcionários públicos. Ele lembrou que os servidores não correm o risco de ficarem desempregados, num momento em que o país enfrenta a maior taxa de desemprego da história. “Foi um sinal muito ruim dado ao mercado. Vamos ver se as próximas medidas estarão no caminho certo.”

 

Votação pode ser na semana que vem

A líder do governo no Congresso, senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), afirmou ontem que é possível aprovar na próxima semana a nova meta fiscal de 2017. A expectativa de Rose é que a proposta seja votada na Comissão Mista de Orçamento (CMO) na próxima quarta-feira e, em seguida, no plenário em sessão conjunta das duas Casas. A senadora rebateu as críticas do líder da oposição no Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ), de que o governo não cortou gastos nem explicou como fará para arrecadar R$ 55 bilhões a mais. Ela disse que, entre as medidas de aumento de caixa a serem adotadas, estão mudanças na legislação de recuperação judicial e na securitização das dívidas.

 

Nas nuvens

A dança das contas públicas em 2017 (em R$ bilhões)

 

Deficit estrutural do governo central (*)     270

Só no INSS     183

Com a PEC que limita o crescimento dos gastos     194

Esforço fiscal     55

Deficit projetado (**)    139

Estatais federais (***)     3

Estados e municípios     1

Todo o setor público     143

 

Projeções econômicas (em %)

 

Crescimento do PIB    1,2

Inflação    4,8

 

(*) Tesouro, Previdência e Banco Central)

(**) A projeção é 113% maior que a feita no governo Dilma, de R$ 65 bilhões

(***) Exceto Petrobras e Eletrobras

 

Correio braziliense, n. 19401, 08/07/2016. Economia, p. 8