Renúncia de Cunha em banho-maria

 

06/07/2016
Paulo de Tarso Lyra
Julia Chaib
Naira Trindade

 

O fantasma do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), continuará ainda assombrando a Casa por, pelo menos, mais um mês. Com a decisão de que os deputados entrarão em recesso na segunda quinzena deste mês e o adiamento, para a próxima semana, da votação, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), do recurso do peemedebista contra a própria cassação, Cunha decidiu permanecer na ribalta por mais um tempo, apesar das novas revelações da Lava-Jato de que ele orientou o pagamento de propinas ao ex-ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves. “Ele vai continuar sangrando mais um pouco”, disse um aliado, lamentando a decisão do peemedebista.

A renúncia de Cunha da Presidência da Câmara era um rumor intenso que permeou Brasília nos últimos cinco dias. Desde a última sexta-feira, aliados do peemedebista espalharam, publicamente, que ele já não apresentava mais resistências à ideia de entregar o cargo em um grande acordo para manter o mandato. Ao longo do dia de ontem, a expectativa dos parlamentares sobre Cunha abdicar ao cargo se esvaiu.

Primeiro-secretário da Câmara, Beto Mansur (PDT-SP) disse não acreditar mais que Cunha renuncie nesta semana. Ele acha que o peemedebista aguardará pelo menos o recesso branco ocorrer, para decidir se abdicará do cargo. “Já era para ele ter feito isso. Mas não fez. Agora, vai aguardar”, disse. “Cunha está em busca de um fiador para esse acordo. O problema é que, cada vez mais, fica difícil achar quem esteja disposto a assumir esse fardo”, disse um interlocutor do Planalto.

O recurso apresentado por Cunha à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) contra o pedido de cassação aprovado no último dia 14 pelo Conselho de Ética será lido hoje pelo plenário do colegiado. O relator do recurso, deputado Ronaldo Fonseca (Pros-DF), entregou ontem o parecer lacrado, gerando críticas de seus pares. A expectativa é de que o texto seja lido hoje, algum aliado de Cunha apresente um pedido de vistas e a votação fique para a próxima terça-feira.

Fonseca deve acatar alguns dos 16 questionamentos feitos por Cunha à tramitação do processo no Conselho de Ética, onde foi aprovado. Um dos maiores problemas será se ele seguir o questionamento feito por Cunha em relação ao fato de o processo ter sido relatado no Conselho de Ética pelo deputado Marcos Rogério (DEM-RO), que pertence ao mesmo bloco do peemedebista — o que é proibido, segundo o regimento interno da Casa.

Além de responder na CCJ à nulidade apontada, ainda ontem, Rogério apresentou um relatório em separado ao de Fonseca, em que rebate ponto a ponto as alegações de Cunha. Ele e outros parlamentares acreditam que Fonseca dará um parecer favorável ao presidente afastado e acatará, inclusive, o ponto referente ao impedimento do relator.

 

Recesso branco

O líder do governo na Casa, André Moura (PSC-SE) saiu da reunião de líderes e anunciou que haverá o recesso branco — não pode ser oficial porque não votaram a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) — a partir de 15 de julho. Assim, a votação do parecer de Fonseca em plenário só ocorrerá após a pausa, em agosto. O que não significa que a Casa esteja tranquila.

Ontem, o presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA) presidiu a sessão por quase duas horas, para encaminhar a votação de duas medidas provisórias que trancam a pauta: a 617, que destina recursos para o combate ao mosquito Aedes aegypti, responsável por transmitir o zika vírus, que causa microcefalia; e a 618, que altera normas tributárias e de controle de dopagem. “Presidir a sessão é o que nos causa preocupação e o que pode atrapalhar as votações de hoje. Tudo isso faz com que a instabilidade da Casa permaneça”, criticou Moura.

Na segunda-feira, Maranhão cancelou o esforço concentrado de votações que se iniciaria. Ele combinou com líderes que a medida começará a partir da próxima segunda-feira até a sexta-feira. Mais cedo, após reunião de líderes no Palácio do Planalto, Moura afirmou que vai trabalhar para que consigam aprovar, na semana que vem, o projeto que prevê a tramitação em regime de urgência da proposta da renegociação da dívida dos estados.

Moura afirmou também que o Planalto chegou a apelar aos líderes que não entrassem em recesso. “A proposta do governo era para que pudéssemos avançar na pauta de interesse do governo e que pudéssemos ter o recesso na segunda quinzena de setembro, próximo ao período das eleições. Mas, com a decisão do Senado de ter ‘recesso branco’, a Câmara vai acompanhar”, disse o líder.

 

Frase

“Presidir a sessão é o que nos causa preocupação e o que pode atrapalhar as votações de hoje. Tudo isso faz com que a instabilidade da Casa permaneça”

André Moura (PSC-SE), líder do governo

 

 

Altos & baixos// A trajetória, à frente da Câmara, de Eduardo Cunha, o homem que assusta governos e o Congresso

 

1º de fevereiro de 2015

»  Eduardo Cunha é eleito presidente da Câmara, com 267 votos, derrotando, em primeiro turno, o candidato do PT ao cargo, Arlindo Chinaglia (SP)

 

11 de fevereiro de 2015

»  Recria comissão para discutir o Estatuto da Família, que define como núcleo familiar apenas aqueles originados da união entre um homem e uma mulher

 

28 de abril de 2015

»  Cunha perde votação, mas manobra e garante a criação da Comissão da Defesa dos Direitos da Mulher. A bancada feminista reclama que o colegiado tira poder da Comissão de Seguridade e Assistência Social

 

5 de maio de 2015

»  A chamada PEC da Bengala eleva de 70 para 75 anos a idade da aposentadoria compulsória para ministros do STF. A proposta mirava a presidente afastada, Dilma Rousseff — com ela, a petista deixaria de indicar até cinco ministros que completam 70 anos até 2018.

 

25 de maio de 2015

»  Mesmo em plena crise econômica e discussão de ajuste fiscal, a Câmara aprova criação de uma reforma geral no Congresso, incluindo construção de um “shopping” para os deputados, o Parlashopping, orçado em R$ 1 bilhão.

 

28 de maio de 2015

»  Também derrotado no plenário durante a reforma política, Cunha usou da “pedalada regimental” para votar mais uma vez a permissão para doações empresariais em campanhas políticas. Pela proposta aprovada, fica autorizada a doação de empresas para partidos políticos.

 

19 de agosto de 2015

»  Derrotado por cinco votos em votação no plenário da Câmara, Cunha apresentou emenda aglutinativa realizando mudanças pontuais e aprovou a proposta que reduz a maioridade penal para 16 anos em casos de crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.

 

Setembro de 2015

»  Os parlamentares já tinham aprovado aumentos de gastos de R$ 22 bilhões, valor bem próximo da economia de R$ 26 bilhões proposta pelo governo federal para equilibrar o Orçamento em 2016.

 

8 de outubro de 2015

»  Aprovado, em comissão especial, o Estatuto da Família. O texto do relator, deputado Diego Garcia (PHS-PR), que define a família como o núcleo formado a partir da união entre um homem e uma mulher, foi considerado um retrocesso por diversos segmentos da sociedade.

 

13 de outubro de 2015

»  A representação contra Eduardo Cunha foi entregue por PSol e Rede à Mesa Diretora da Câmara, que levou 14 dias para encaminhá-la ao Conselho de Ética.

 

27 de outubro de 2015

»  Aprovada na comissão especial, a proposta de emenda constitucional que transfere do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de se definir a demarcação de terras indígenas.

 

3 de novembro de 2015

»  Processo contra Eduardo Cunha é oficialmente aberto no Conselho de Ética da Câmara.

 

3 de dezembro de 2015

»  Eduardo Cunha aceita o pedido de abertura do processo de impeachment contra Dilma Rousseff.

 

9 de dezembro de 2015

»  Após seis tentativas de votar o parecer preliminar pela continuação do processo, o primeiro relator do caso, Fausto Pinato (PP-SP), acabou afastado por decisão monocrática do então primeiro-vice-presidente da Câmara e atual presidente interino da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA).

 

15 de dezembro de 2015

»  O deputado Marcos Rogério (DEM-RO) é designado o novo relator e o seu parecer pela continuidade foi aprovado em 15 de dezembro. No entanto, também por decisão de Maranhão, a votação acabou anulada e o processo voltou à estaca zero.

 

2 de março de 2016

»  Nova tentativa de votar o parecer. Na última hora, para garantir aprovação Marcos Rogério, sob pressão de aliados de Cunha, retirou o trecho que defendia que o peemedebista também fosse investigado pela suspeita de ter recebido propina.

 

6 de abril de 2016

»  Cunha tenta cancelar os depoimentos de todas as testemunhas de acusação arroladas pelo relator, Marcos Rogério. A alegação da defesa é que elas só poderiam falar sobre as suspeitas de propina, mas que isso não havia sido aceito no parecer preliminar.

 

5 de maio de 2016

»  Supremo Tribunal Federal afasta Cunha do cargo de presidente da Câmara e do mandato de deputado.

 

31 de maio de 2016

»  Waldir Maranhão encaminha à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) uma consulta feita pelo deputado Wellington Roberto (PR-PB) sobre o procedimento de votação dos processos disciplinares no plenário da Casa.

 

14 de junho de 2016

»  O Conselho de Ética aprova, por 11 votos a 9, parecer do deputado Marcos Rogério (DEM-RO) pela cassação do mandato de Eduardo Cunha.

 

21 de junho

»  Cunha concede entrevista coletiva em um hotel de Brasília e diz que não fará delação premiada nem renunciará ao mandato de presidente da Câmara.

 

23 de junho

»  Em recurso à CCJ, Cunha tenta anular votação do Conselho de Ética que pede perda do mandato dele. Relator divulgará hoje o parecer.

 

Correio braziliense, n. 19399, 06/07/2016. Política, p. 6