Gestão foi da bonança à tempestade

Marcelo de Moraes e Vera Rosa

23/09/2016

 

 

perfil / Guido Mantega, ministro da Fazenda de 2006 a 2014 - NO ALVO, O EX-CHEFE DA ECONOMIA - Ex-ministro ficou à frente da política econômica por oito anos e nove meses, quando País viveu forte crescimento e estagnação.

Ninguém simbolizou tanto a economia da era petista no poder quanto o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, preso ontem durante sete horas na 34.ª fase da Lava Jato, intitulada Arquivo X. Depois de ser um dos principais formuladores do programa econômico de Luiz Inácio Lula da Silva, Mantega foi o mais longevo ministro da Fazenda no período democrático. Foram oito anos e nove meses no cargo, numa gestão que passou da bonança à tempestade.

Disciplinado e conhecido por ter uma paciência de samurai, Mantega jogou afinado com Lula e, mais tarde, com a presidente Dilma Rousseff. Sem ambições políticas, o italiano de Gênova não dava ouvidos ao PT e chegou a dizer que os radicais do partido não apitavam nada.

A Fazenda não foi o seu primeiro posto na Esplanada. Antes, Mantega ocupou o Ministério do Planejamento e comandou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Assumiu a Fazenda somente em março de 2006, depois que Antonio Palocci, então poderoso titular da pasta, caiu em desgraça.

Sem nunca contrariar Lula e sob forte crescimento econômico, Mantega começou a ter problemas no governo Dilma.

Economista e centralizadora, ela sempre interferiu nas diretrizes da economia. Além disso, também aumentou o espaço dado ao então secretário do Tesouro, Arno Augustin.

Neste período foram adotadas a polêmica política de desonerações fiscais e a contabilidade criativa, com as chamadas “pedaladas”, que acabaram se tornando motivo para o impeachment de Dilma.

A economia entrou em parafuso, a inflação e o desemprego explodiram e Mantega terminou queimado por Dilma, na campanha pela reeleição, quando recebeu aviso prévio.

Era setembro de 2014 e Dilma, pressionada pelo escândalo de corrupção na Petrobrás e pela estagnação econômica, ofereceu a cabeça de Mantega ao mercado ao falar em “governo novo, equipe nova”.

“Para mim, chega”, afirmou o ministro à época. Meses antes, ele já havia acertado com Dilma que não ficaria na equipe a partir de 2015, em caso de segundo mandato. Após a declaração pública da presidente, no entanto, Lula e o então ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante – antes crítico de muitas de suas ações –, entraram em cena para impedi-lo de entregar, no auge da campanha contra o PSDB, sua carta de demissão. Dilma também fez um afago. “Você fica até o fim do ano comigo, Guidinho”, pediu ela.

Magoado, Mantega só deixou o governo no fim do primeiro mandato da presidente, três meses depois, em dezembro, quando ela já havia acertado que a cadeira da Fazenda iria para Joaquim Levy, de perfil mais alinhado ao mercado.

 

Touro mecânico. Pouco antes de sair e passar o bastão para Levy, Mantega parecia resignado com seu destino, que foi do aplauso ao calvário. “Ser ministro da Fazenda é como cavalgar um touro mecânico.

Você pode ser derrubado facilmente, a qualquer momento. Toda hora tem gente querendo derrubá-lo”, disse ele ao Estado em dezembro de 2014.

O consultor Antoninho Marmo Trevisan, amigo de Mantega, chegou a lhe perguntar várias vezes por que ele não havia deixado o ministério após o segundo mandato de Lula.

“Sabe que eu também me pergunto isso?”, respondeu.

“Olha, depois de tanto tempo aguentando essa pancadaria em Brasília, você só pode ir para o céu”, provocou Trevisan.

Mantega não bateu a porta antes por fidelidade a Dilma.

Com o agravamento da crise política e econômica, ele achou que seria desleal de sua parte abandonar a presidente em uma situação difícil, embora enfrentasse em casa um drama pessoal: a descoberta de um tumor em sua mulher, a psicanalista Eliane Berger.

Mesmo assim, Mantega foi ficando até que, na esteira de sucessivas turbulências no cenário internacional, a política fiscal desabou.

PARA LEMBRAR

Ex-ministro na mira da Zelotes

Além da investigação na fase Arquivo X, da Lava Jato, o ex-ministro da Fazenda continua na mira da Operação Zelotes, que apura suspeitas de manipulação em julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que julga dívidas de grandes contribuintes com a Receita Federal. Em maio, Mantega foi levado, sob condução coercitiva, para depor. Em novembro, o juiz titular da 10.ª Vara da Justiça Federal, Vallisney de Souza Oliveira, responsável pela Zelotes, já havia autorizado a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ex-ministro petistas.