Valor econômico, v. 17, n. 4082, 01/09/2016. Política, p. A5

"Nós voltaremos" diz Dilma em resposta à cassação

Ex-presidente classificou governo Temer como um "grupo de corruptos investigados"

Por: Andrea Jubé

 

Na manifestação mais dura desde a abertura do processo de impeachment, há oito meses, a ex-presidente Dilma Rousseff prometeu, ontem, "a mais firme, incansável e enérgica oposição" contra um "governo golpista". Em uma fala considerada por aliados como uma "declaração de guerra", Dilma classificou o governo de Michel Temer de "um grupo de corruptos investigados" e reafirmou o discurso do "golpe", que definiu como "misógino, homofóbico e racista".

Do alto da rampa que leva ao salão de mármore no hall de entrada do Palácio da Alvorada, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do PT, Rui Falcão, acompanharam a declaração de Dilma, junto com dezenas de deputados e senadores do PT e PCdoB, além de ex-ministros e lideranças de movimentos sociais.

Foi uma manifestação calculada, não apenas como último discurso na despedida do mandato, mas para repercutir diante das câmeras, de cinegrafistas estrangeiros e documentaristas, dispostos a repercutir internacionalmente a versão do "golpe de Estado".

A avaliação geral no Palácio do Alvorada foi de que, apesar da derrota, "prevaleceu o discurso do golpe", o que pode constranger o presidente Michel Temer na cena internacional. Temer chegou a manifestar essa contrariedade aos ministros, ontem em reunião no Planalto. Dilma e seus aliados também comemoraram o desempenho do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que chamou de "canalhas" os senadores que votariam a favor do impeachment.

Outra leitura dos dilmistas foi de que os 42 senadores que mantiveram os direitos políticos da ex-presidente "votaram com a consciência", enquanto os 61 que a cassaram agiram com "covardia e sem-vergonhice", segundo um aliado que esteve o tempo todo ao lado de Dilma. Segundo este aliado, se prevalecesse o "voto consciente", Dilma não teria sido cassada. "Não foi uma vitória, o impeachment já é a morte política, a cassação dos direitos seria o esquartejamento", disse ao Valor o advogado José Eduardo Cardozo.

Uma estratégia que Dilma manterá, nos próximos meses, é a de se apresentar como vítima da misoginia dos políticos brasileiros, a fim de se consolidar como liderança feminista. Estrategicamente, Dilma fez-se cercar das principais deputadas e senadoras que a representaram durante o processo, com o objetivo de repisar a narrativa de que seria uma vítima da misoginia dos políticos brasileiros.

"O golpe é misógino", acusou. "Acabam de derrubar a primeira mulher presidenta do Brasil, sem que haja qualquer justificativa constitucional para este impeachment", protestou. "As futuras gerações de brasileiras saberão que, na primeira vez que uma mulher assumiu a Presidência do Brasil, a machismo e a misoginia mostraram suas feias faces", completou.

Dilma discursou ao lado das senadoras Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Fátima Bezerra (PT-RN), das deputadas Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Érika Kokay (PT-DF), da ex-ministra de Política para Mulheres Eleonora Menicucci e da presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Carina Vitral. Elas se posicionaram, para as imagens, diante dos demais aliados, como o advogado de defesa José Eduardo Cardozo, o ex-ministro Aldo Rebelo (PCdoB), o ex-ministro Ricardo Berzoini, entre outros.

Dilma não demonstrou emoção nem embagou a voz, no discurso de pouco mais de 15 minutos, escrito a várias mãos com Sandra Brandão, Cardozo, o ex-ministro Jaques Wagner e Rui Falcão. No melhor estilo "guerrilheira", ela chamou para o combate: "Eles pensam que nos venceram, mas estão enganados. Sei que todos vamos lutar. Haverá contra eles a mais firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer", conclamou.

Ela também chamou de "corruptos" os integrantes do governo Temer: "Causa espanto que a maior ação contra a corrupção da nossa história, propiciada por ações desenvolvidas e leis criadas a partir de 2003 e aprofundadas em meu governo, leve justamente ao poder um grupo de corruptos investigados".

Enaltecendo a própria biografia, disse que é o segundo "golpe de Estado" que enfrenta na vida. "O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", lamentou.

Pediu a união dos aliados para que possam voltar ao poder. "Espero que saibamos nos unir em defesa de causas comuns a todos os progressistas, independentemente de filiação partidária ou posição política", reivindicou.

Ela encerrou o discurso falando em retorno. "Esta história não termina assim. Nós voltaremos", avisou. "Não direi adeus a vocês. Tenho certeza de que posso dizer "até daqui a pouco", reforçou.

Cassada, Dilma Rousseff perderá a remuneração mensal bruta de R$ 30,9 mil, bem como o direito a cartão-alimentação e plano de saúde da Presidência da República para si e seus familiares. Ela terá 30 dias para desocupar o Palácio da Alvorada, mas viaja nesta sexta-feira para Porto Alegre, onde fixará residência. Ela fará sua última viagem em uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB), e a Presidência arcará com as despesas da mudança.

Dilma não deixará o PT e discute com a cúpula partidária o formato da militância que assumirá na legenda. Como ela não terá renda, o partido avalia se pagará um salário à petista. Dilma ainda não decidiu o que fazer. Ela deverá fazer campanha para Raul Pont, candidato do PT à Prefeitura de Porto Alegre. E avalia viajar o mundo, fazendo palestras sobre o "golpe" e em defesa da democracia.

Dilma terá direito às prerrogativas garantidas aos ex-presidentes: dois veículos oficiais com motoristas pagos pela Presidência, mais seis servidores públicos, sendo quatro seguranças e dois assessores pessoais.