As janelas para a insegurança

 

24/07/2016
Naira Trindade
 

A diversidade cultural, a extensa área territorial e a tradição de ser um país amigável são qualidades que transformaram o Brasil num país ainda mais vulnerável a possíveis ameaças de ataques terroristas. Sem registros de atentados, o país nunca investiu ou se empenhou em formar um time de inteligência realmente forte para conter a ameaça real com a vinda de delegações do mundo inteiro para competir nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro. Em contrapartida, ao menos 100 pessoas suspeitas de terrorismo estarão sob monitoramento constante durante as Olimpíadas.

Somada aos problemas que o país já enfrenta, a tradição do país intensificou os riscos de ataques. Isso porque o empenho do governo em trabalhar para o sucesso no megaevento não correspondeu. A poucos dias do mundial, ainda há pendências que precisam ser finalizadas. Na última quarta-feira, o ministro do Esporte, Leonardo Picciani, anunciou que só na próxima semana uma autoridade do Comitê Olímpico com poder decisório se reunirá com os ministros para os últimos ajustes.

Aliado aos impasses cotidianos como a criminalidade em alta, a falta de infraestrutura e o transporte público ineficiente, o Brasil enfrenta imbróglios pontuais (leia quadro): faz fronteira seca com 10 países — e o controle nessas áreas é ruim, o que possibilita entrada de armamento pesado e de drogas. “É muito difícil patrulhar uma fronteira com 10 países, e por aí entram drogas, armas”, reforçou o especialista em segurança pública e relações internacionais Pedro Rafael Azevedo.

Há pouco mais de 20 dias, a companhia aérea Avianca disparou um boletim interno alertando para a possível fuga de um terrorista sírio para o Brasil. Ex-presidiário de Guantánamo acolhido no Uruguai como refugiado, Jihad Ahmad Diyab, 34 anos, estaria em solo brasileiro. A Polícia Federal evitou comentar o assunto. Porém, o anúncio da companhia aérea reforça a tese de que as portas de entrada no país estão vulneráveis, por terra, pelo ar e pelo oceano.

O Brasil enfrenta também problemas como a falta de recursos financeiros para ampliar a estrutura humana e tecnológica. “As políticas em segurança pública não são prioridade e não são levadas a sério. Faltam, por exemplo, políticas para barrar os altos índices de homicídios. Se fosse (prioridade) não teríamos uma enxurrada de armas e drogas entrando no país”, criticou o doutor em Segurança Internacional e professor na University of Central Florida (EUA) Marcos Degaut.

Degaut ressalta que o último concurso público para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) ocorreu em 2010. Além disso, o policiamento e a maneira como o país lida com as diferenças das carreiras nos estados são avaliadas por especialistas em segurança como deficitários. “Nossas polícias atuam de forma precária. Nossas polícias são mal pagas e não existe concurso público para a Abin desde 2010. São seis anos esperando com um número que já era defasado”, afirmou.

Além dos pontos que deixam o país suscetível a possíveis ataques, entra em cena uma ameaça invisível: os lobos solitários. Eles não são identificados na ação de contrainteligência, que visa fazer a prevenção. “É uma ameaça que você não sabe de onde vem”, pontua Pedro Rafael. No atentado de Nice, na França, o tunisiano Mohamed Lahouaiej Bouhlel dirigiu um caminhão em meio à multidão, matando 84 pessoas. Ele era considerado amador, sem histórico de envolvimento terrorista.

Especialista em segurança pública internacional, Carlos Brito avalia que o Brasil “desdenha” de iniciativas preventivas. O acesso a muitos órgãos públicos, por exemplo, ocorre sem que exista sequer detector de metais. Apesar disso, Carlos pondera que os EUA “um país obcecado por segurança e investimento na área, e de tempo em tempo são alvo de ataque terrorista”.

As inteligências da Polícia Federal e da própria Abin fazem paralelamente — e também de forma conjunta — o monitoramento de pessoas suspeitas a fim de evitar ou impedir atentados. Com uma equipe reforçada por profissionais de outras áreas, esse monitoramento tende a dar conta da demanda para as Olimpíadas. O trabalho resultou na prisão de 11 suspeitos em estados brasileiros entre quinta e sexta-feira.

Mesmo depois dessas prisões, o país mantém o monitoramento de pelo menos 100 suspeitos. Nem a Polícia Federal nem a Abin revelam ao certo o número, para não atrapalharem as investigações. “Não há possibilidade de que não haja pessoas no Brasil envolvidas ou simpatizantes do terrorismo. É bem provável que esse número seja bem maior que cem”, acredita Pedro Rafael.

 

Frase

“Não há possibilidade de que não haja pessoas no Brasil envolvidas ou simpatizantes do terrorismo. É bem provável que esse número seja bem maior que 100”

Pedro Rafael Azevedo, especialista em segurança pública e relações internacionais

 

Correio braziliense, n. 19417, 24/07/2016. Política, p. 2