Hospitais municipais em xeque

 
24/07/2016
João Valadares

 

A menos de duas semanas da abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro, a eficácia do atendimento na rede de saúde pública e as simulações e maior número de treinamentos dos profissionais envolvidos, sobretudo em caso de múltiplas vítimas, são postos em xeque. Relatório do Conselho Regional de Medicina (Cremerj) aponta situação caótica, com superlotação, falta de medicamentos e improviso no atendimento a feridos graves, nos cinco hospitais escolhidos para serem referência durante os Jogos Olímpicos.

O Ministério da Saúde precisou disponibilizar 135 leitos de retaguarda nos hospitais federais e contratar 2,8 mil profissionais para tentar amenizar a situação. “Todos os dias, no Rio de Janeiro, 150 pedidos de internamento em Centros de Terapia Intensiva (CTI) são negados. Em todas as unidades de saúde a que fomos, havia superlotação”, declarou o vice-presidente do Cremerj, Nelson Nahon.

Os hospitais referência visitados pelo Cremerj foram Souza Aguiar, Salgado Filho, Miguel Couto, Lourenço Jorge e Albert Schweitzer. Nahon afirmou que a rede pública não está preparada para o aumento da demanda em razão do evento internacional. “O que encontramos é uma situação extremamento delicada. Numa sala amarela, por exemplo, com capacidade para sete pacientes, contamos 40. Havia outros 17 no corredor. Em todos os hospitais, a taxa de ocupação era de 100%”, explicou.

No Souza Aguiar, no Centro do Rio, por exemplo, a fiscalização, realizada um mês antes da data de abertura das Olimpíadas, encontrou pacientes internados de forma improvisada em cadeiras e macas de transporte. “Algumas macas de ambulâncias do Corpo de Bombeiros estavam retidas no serviço de emergência, sendo utilizadas para internação de pacientes. Foi identificada a falta de alguns medicamentos e equipamentos para monitoramento de pacientes graves”, atesta o relatório de vistoria.

Na data da visita, a sala de emergência da unidade, destinada a pacientes adultos com média e alta gravidade, estava superlotada. No local destinado aos casos de média e alta gravidade pediátrica, não havia leitos vagos.

No Miguel Couto, a inspeção diagnosticou que o Centro de Terapia Intensiva (CTI) e a Unidade Coronariana (UCO) apresentavam todos os leitos ocupados. “No CER Leblon, unidade anexa ao Miguel Couto, fiscalizada no mesmo dia 7, a sala de emergência para pacientes adultos de média gravidade estava superlotada, já a emergência para pacientes de alta gravidade estavam com todos os leitos ocupado”, apontou o documento.

“Nossa maior preocupação é com um atendimento de múltiplas vítimas, que pode chegar a mais de 50 pacientes. Eles vão ser colocados onde? Essa foi a nossa constatação. Naquele momento, não tinha condições”, declarou Nelson Nahon. Ele salientou que uma das soluções é a liberação de verbas emergenciais para a saúde. “O repasse atual é de 4% dos 12% do orçamento obrigatório”, informou.

Em nota, o Cremerj garantiu que levou o resultado das fiscalizações, bem como todos os relatórios técnicos, para o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz. No entanto, de acordo com o órgão, “o secretário recebeu os diretores do conselho de forma desrespeitosa e não chegou a analisar os relatórios. Apesar do descaso, o Cremerj protocolou os relatórios na Secretaria Municipal de Saúde”.

 

Sala amarela

Além da precariedade, o Cremerj relatou a falta de treinamento dos médicos. “Nessas vistorias, conversamos com os platonistas. Eles informaram que tinham todo o planejamento, mas, quando fomos fiscalizar se o treinamento já havia sido feito, informaram que só em 1º de agosto, na semana de abertura”, disse. No Salgado Filho, em caso de múltiplas vítimas, a vistoria foi comunicada que os pacientes da sala amarela seriam realocados para uma cantina desativada. “É muito improviso. Na Barra, onde ocorre 50% dos eventos, a referência é o Lourenço Jorge. Feridos mais graves teriam que ser colocados em ambulâncias e levados para outro local.”

O médico Luis Fernando Correia, que foi coordenador-geral da área médica da Copa do Mundo em 2014, realizada no Brasil, cobrou a realização de simulações. “A informação oficial da Secretaria Municipal é de que fizeram apenas os chamados simulados de mesa. É um exercício onde pegam todas as pessoas responsáveis, colocam numa mesa e alguém lê um cenário para saber o que fazer. É importante, mas é papel. Não simula uma situação real. Estamos cobrando isso há dois anos”, declarou. “Também não fizemos na Copa do Mundo, mas era para ter feito. Deveríamos ter aprendido”, disse. Ele reconheceu que é um treinamento complicado, devido à superlotação dos hospitais, mas que é possível. “Claro que não vamos deixar de atender pacientes para fazer simulações, mas é possível utilizar uma área do hospital com menos demanda. Isso é feito em outros hospitais do mundo. Existe a movimentação de abertura dos espaços.”

 

Frase

“O que encontramos é uma situação extremamente delicada. Numa sala amarela, por exemplo, com capacidade para sete pacientes, contamos 40. Havia outros 17 no corredor”

Nelson Nahon, vice-presidente do Cremerj

 

Os problemas

O que diz o relatório do Cremerj sobre os cinco hospitais municipais referência das Olimpíadas

 

Souza Aguiar

Localizado no Centro do Rio, foi fiscalizado em 5 de julho. Na data da vistoria, a sala de emergência da unidade, destinada a pacientes adultos com média e alta gravidade, estava superlotada. Na de média e alta gravidade pediátrica, não havia leitos vagos. Alguns pacientes estavam internados, de forma improvisada, em cadeiras, poltronas e macas. Algumas macas de ambulâncias do Corpo de Bombeiros estavam retidas no serviço de emergência, sendo utilizadas para internação de pacientes. Foi identificada a falta de alguns medicamentos e equipamentos para monitoramento de pacientes graves.

 

Salgado Filho

Localizado no Méier, foi fiscalizado em 7 de julho. As salas de emergência destinadas a pacientes adultos com média e alta gravidade apresentavam ocupação muito superior à capacidade. Um fato que chamou a atenção da equipe do Cremerj foi o caso de duas crianças em estado grave (risco de morte) internadas de forma inadequada na sala de média gravidade da pediatria por falta de leitos de Terapia Intensiva Pediátrica. Recentemente, foram fechados quatro leitos da Unidade de Pacientes Graves de pediatria do hospital. Foi constatado ainda um número alto de pacientes internados ao longo dos corredores e acomodados em macas de transporte, muito próximas uma das outras.

 

Miguel Couto

Localizado no Leblon, foi fiscalizado em 7 de julho. As salas de emergências destinadas a pacientes adultos de média e alta gravidade apresentavam ocupação acima de sua capacidade. O Centro de Terapia Intensiva (CTI) e a Unidade Coronariana (UCO) estavam com todos os seus leitos ocupados. No CER Leblon, unidade anexa ao Miguel Couto, fiscalizada no mesmo dia 7, a sala de emergência para pacientes adultos de média gravidade estava superlotada, já a destinada a pacientes de alta gravidade estava com todos os leitos ocupados. Há falta de equipamentos: cabos de oxímetro para monitorização de pacientes graves do CTI e ventilador mecânico (respirador) para crianças com menos de 10kg.

 

Lourenço Jorge

Apesar da grande concentração de eventos olímpicos na Zona Oeste da cidade, o hospital, localizado na Barra da Tijuca, não dispõe de atendimentos de urgência e emergência em neurocirurgia, sendo necessário o transporte do paciente até o Miguel Couto. Cabe ressaltar que na última vistoria do conselho, foi informado que haveria pelo menos um neurocirurgião por equipe de plantão para avaliação do paciente vítima de trauma. A unidade foi fiscalizada em 8 de julho, quando as salas de emergência destinadas a pacientes adultos com média e alta gravidade estavam com superlotação. A Unidade Semi-Intensiva estava desativada por conta do deficit de recursos humanos.

 

Albert Schweitzer

A unidade, recentemente transferida para a gestão municipal, foi fiscalizada em 11 de julho. Localizado em Realengo, na Zona Oeste, o hospital também apresentava superlotação nas salas de urgência destinada aos adultos com média e alta gravidade. O setor de emergência está em obras. Segundo informado, houve redução da equipe médica plantonista em todas as especialidades. Faltam médicos no CTI adulto e, durante a fiscalização, havia apenas um pediatra de plantão. Por conta disso, o atendimento em pediatria estava restrito. A sala de trauma da unidade está instalada em local inadequado, com utilização de tapumes e espaço insuficiente entre os leitos.

 

Correio braziliense, n. 19417, 24/07/2016. Política, p. 3