Valor econômico, v. 17, n. 4082, 01/09/2016. Especial, p. A16

Latino-americanos condenam o 'golpe'

Confirmação do impeachment azeda de vez a relação da gestão Temer com governos de esquerda

Por: Fabio Murakawa, Andréa Jubé, Fernando Exman e Rafael Vazquez

 

A confirmação do impeachment da agora ex-presidente Dilma Rousseff fez azedar de vez as já conturbadas relações do governo Michel Temer com os chamados países "bolivarianos". Venezuela, Equador e Bolívia foram responsáveis ontem pelas reações mais duras à deposição da petista. Argentina e Estados Unidos, por sua vez, deixaram claro que pretendem trabalhar com o governo instalado ontem no Brasil. Porém, nenhuma nota citou nominalmente Michel Temer como novo presidente brasileiro.

O Uruguai, metido em disputa com o governo Temer em torno da passagem da presidência do Mercosul para a Venezuela, ainda não havia se manifestado.

O Chile reafirmou a amizade com o Brasil e destacou o desejo de continuar "construindo, com o governo e o povo do Brasil, renovados caminhos de convergência e fortalecimento da relação bilateral". O governo da presidente de esquerda Michele Bachelet manifestou ainda seu "apreço" à presidente Dilma Rousseff e ressaltou a relação "intensa e produtiva" entre os dois países durante seu mandato.

Na tarde de ontem, o Itamaraty chamou para consultas o embaixador brasileiro em Caracas, Ruy Pereira, depois de o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, ter anunciado a retirada de seu embaixador de Brasília e o "congelamento" das relações com o Brasil.

Uma fonte do governo brasileiro afirmou, além disso, que os embaixadores brasileiros em La Paz e Quito também serão chamados para consultas.

"Toda a solidariedade a Dilma e ao povo do Brasil", disse Maduro em sua conta no Twitter, após a votação no Senado. "Condenamos o golpe oligárquico no Brasil."

Também pelo Twitter, o presidente do Equador, Rafael Correa, classificou a destituição de Dilma como "uma apologia ao abuso e à traição". Sem embaixador em Brasília, ele decidiu chamar a consultas o encarregado de negócios de sua embaixada na capital brasileira. Correa havia dito anteriormente que aguardava o desfecho do processo de impeachment no Brasil para decidir se nomearia ou não um novo embaixador. "Jamais referendaremos essas práticas, que nos recordam das horas mais obscuras da nossa América", disse Correa, sobre o impeachment.

A declaração de Correa sinalizou, na visão do governo brasileiro, o patamar que as relações bilaterais com o Equador passam a ter. Como Correa, que já havia retirado o embaixador do Equador em Brasília, agora está chamando de volta ao país o encarregado de negócios que respondia até então pela embaixada. Com isso, um encarregado de arquivos representará os interesses de Quito no Brasil.

O chanceler equatoriano, Guillaume Long, convocou a imprensa para chamar o impeachment de "flagrante subversão da ordem democrática no Brasil" e "um golpe de Estado dissimulado". Ele disse que a oposição do Brasil realizou ontem "uma tomada de poder ilegítima, pseudoconstitucionalista com sérios vícios legais e muitos questionamentos políticos".

Uma fonte do governo brasileiro classificou o tom de Long como "duro e atrevido". E disse que espera que, ao menos até a próxima eleição presidencial brasileira, Quito siga sem embaixador em Brasília.

O boliviano Evo Morales também usou o Twitter para manifestar apoio a Dilma. "Condenamos o golpe parlamentar contra a democracia brasileira. Acompanhamos Dilma, Lula e seu povo nessa hora difícil", disse ele. "Estamos convocando nosso embaixador no Brasil para adotar as medidas que se recomendam neste momento."

Em nota divulgada no início da noite, o Itamaraty lamentou "as manifestações de incompreensão dos governos da Bolívia, do Equador e de Cuba" sobre o impeachment "da ex-Presidente da República". Cuba havia, anteriormente, condenado "energicamente" o "golpe de Estado" no Brasil. Em outra nota, repudiou as manifestações do governo venezuelano.

A chancelaria Argentina, por outro lado, manifestou em nota que "respeita o processo institucional verificado no país irmão". E reafirmou "seu desejo de continuar trabalhando com o governo do Brasil para a resolução de temas de mútuo interesse das agendas bilateral, regional e multilateral, assim como para o fortalecimento do Mercosul". O país é hoje governado pelo direitista Maurício Macri que, diferentemente da antecessora, Cristina Kirchner, não possui um alinhamento automático com o governo petista.

O Departamento de Estado dos EUA disse ontem que "está confiante de que as relações bilaterais com o Brasil continuarão fortes" após o impeachment de Dilma.

O porta-voz do Departamento de Estado, John Kirby, declarou que as "instituições democráticas brasileiras atuaram de acordo com a Constituição do país".