Correio braziliense, n. 19447, 23/08/2016. Cidades, p. 19

Crise provoca as primeiras mudanças

Denúncia de suposto esquema de propina envolvendo deputados distritais provoca alterações no Executivo e no Legislativo, com substituições em cargos-chave. Ontem, a Mesa Diretora aprovou abertura do processo de cassação de Liliane Roriz

Por: Helena Mader

 

A crise desencadeada pelo escândalo dos grampos começou a gerar efeitos políticos no Legislativo e no Executivo. O deputado Júlio César (PRB), citado no episódio, renunciou ao cargo de líder do governo. Segundo ele, a meta é se dedicar integralmente à própria defesa. Ontem, a Câmara elegeu o novo vice-presidente da Casa: o deputado Juarezão (PSB) ocupará o cargo até o começo de 2017, quando os parlamentares renovarão a Mesa Diretora. Preocupado com os desdobramentos do escândalo, o governador Rodrigo Rollemberg reuniu distritais da base aliada em um almoço e voltou a afirmar que o Buriti não tem nenhuma relação com a divulgação das denúncias.A Vice-presidência da Câmara Legislativa estava vaga desde a última terça-feira, quando estourou o escândalo UTIgate. Liliane Roriz (PTB), autora das denúncias, deixou o posto no mesmo dia em que o caso veio à tona. Somente Juarezão se candidatou à vaga. Ele recebeu os votos de todos os 14 distritais presentes na sessão. Liliane não compareceu à Casa desde o início da crise. Ela havia solicitado liberação para tratar de assuntos de interesse particular, de 11 a 19 de agosto, sem direito a vencimentos. Ontem, ela pediu a renovação da licença por mais cinco dias e só deve voltar ao trabalho na próxima semana.

Juarezão agradeceu o voto dos colegas e evitou criticar os citados no escândalo do suposto esquema de cobrança de propina. “Esta Casa está sofrendo ataques seríssimos. Tem que primeiro apurar antes de atacar”, comentou o novo vice-presidente da Câmara. “Sei o que isso representa, sou uma pessoa humilde, mas honesta. E sempre sofri ataques”, acrescentou o parlamentar.Apesar de Juarezão ser do mesmo partido do governador Rodrigo Rollemberg, vários distritais fizeram questão de dizer que a escolha não tinha nenhuma influência do Palácio do Buriti. “Não é indicação do governador nem de A, B ou C. A escolha do nome do deputado Juarezão segue critério definido na época da eleição da Mesa Diretora”, defendeu Agaciel Maia (PR). Ele explicou que, quando houve a eleição da cúpula, o bloco do qual Juarezão fazia parte ficou responsável pela escolha da vice-presidência. A bancada do PT decidiu não participar da votação, e os três parlamentares do partido se retiraram do plenário. “Entendemos que ainda há prazo para aguardar. A eleição não ajuda a chegarmos a um esclarecimento neste momento constrangedor que a gente vive”, argumentou o líder do PT, Wasny de Roure.

Antes da sessão na Câmara, o governador Rollemberg se reuniu com deputados aliados. “O tema principal do encontro foi a destinação de emendas parlamentares para a saúde no orçamento de 2017”, garantiu o secretário adjunto de Relações Institucionais, José Flávio de Oliveira. A crise, é claro, não ficou de fora do cardápio. Rollemberg refutou insinuações de alguns distritais de que o Buriti estaria por trás das divulgações contra a Mesa Diretora.

No almoço realizado na Residência Oficial de Águas Claras, o deputado Júlio César anunciou aos colegas que deixou a liderança do governo. Ele havia comunicado a Rollemberg na última sexta-feira que não continuaria no posto. Em nota, ele disse que precisa se dedicar à própria defesa, “para que possa continuar honrando o mandato e contribuindo para o crescimento e desenvolvimento do DF”. O governador ainda não decidiu quem será o novo líder do Executivo na Câmara, mas existe uma articulação para que Rodrigo Delmasso (PTN) assuma a função.

 

Cassação

A Mesa Diretora da Câmara Legislativa publicou ontem o parecer da Procuradoria da Casa a favor da admissibilidade do processo de cassação do mandato de Liliane Roriz. A deputada é ré por lavagem de dinheiro em uma ação penal que tramita no Conselho Especial. O parecer será lido em plenário, e a Mesa Diretora terá dois dias para encaminhar o caso à Corregedoria, que notificará a parlamentar para apresentar defesa prévia. Depois do entendimento do corregedor, Rafael Prudente (PMDB), o caso segue para a Comissão de Ética. Ontem, a Corregedoria recebeu também um pedido de Celina Leão para que sejam investigadas as denúncias do caso UTIgates.

Liliane Roriz também enfrenta problemas na esfera eleitoral. Ontem, o Ministério Público pediu a imediata execução da pena imposta à distrital do PTB por corrupção nas eleições. Em março, ela recebeu uma pena de 2 anos e 6 meses de reclusão, além de multa de R$ 31,6 mil. Segundo a denúncia, ela teria oferecido promessa de vantagens em troca de voto na disputa de 2010.

Segundo o MP, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas a serem fixadas no momento da execução. O pedido para imediata execução é assinado pelo vice-procurador-geral eleitoral Nicolao Dino. Liliane é acusada de omitir despesas no valor de R$ 40,6 mil e de ter recebido serviços não declarados na prestação de contas da campanha de 2010. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) determinou a perda de direitos políticos por oito anos.

 

Entenda o caso

Esquema de propina

As denúncias sobre um suposto esquema de cobrança de propina para a liberação de dinheiro para empresas de UTIs surgiram na última quarta-feira. A deputada distrital Liliane Roriz (PTB) gravou conversas com a presidente da Câmara Legislativa, Celina Leão (PPS), nas quais a chefe do Legislativo teria tratado sobre os recursos para a saúde. Celina e um grupo de distritais da Mesa Diretora teriam exigido dinheiro de empresários para liberar R$ 30 milhões para o pagamento de dívidas de hospitais. O caso é investigado pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), que identificou indícios das irregularidades.

Os recursos haviam sobrado do orçamento da Câmara. Inicialmente, os valores seriam remanejados para pagar reformas de escolas públicas. Mas, segundo a denúncia de Liliane, o empresário abordado não aceitou pagar propina. Diante da negativa, deputados teriam buscado alternativas. “Se vai ajudar, tem que ajudar todo mundo”, afirmou Celina a Liliane. “Você não tá fora do projeto, não. Você tá no projeto. Mandei o Valério já falar com você”.

A chefe do Executivo faz menção a Valério Neves, ex-secretário-geral da Câmara Legislativa, preso na Operação Lava Jato acusado de ser operador do ex-senador Gim Argello. Também foram citados nas gravações os distritais Bispo Renato (PR), Júlio César (PRB) e Cristiano Araújo (PSD). Em outra gravação, Valério diz que o “negócio” de Cristiano poderia render “no mínimo 5% e, no máximo, 10%, em torno de 7%”.