Correio braziliense, n. 19445, 21/08/2016. Política, p. 3

Do poder no Planalto à solidão na planície

Depois de 13 anos no governo federal, legado do PT se esfarela, consumido pelas crises econômica e ética

Por: Paulo de Tarso Lyra

 

Com a conclusão efetiva do processo de impeachment — a previsão é que a votação aconteça até 30 de agosto e os votos necessários para o afastamento definitivo de Dilma Rousseff já estão mais do que assegurados — chega ao fim um ciclo de 13 anos e meio do PT na administração federal. O maior partido de esquerda da América Latina e o primeiro a chegar ao poder no Brasil, que sempre se orgulhou de ter incluído 50 milhões de pessoas, deixa também como herança um desemprego de 12 milhões de pessoas, uma recessão que já dura três anos e uma mácula difícil de ser superada naquilo que ostentava como maior orgulho antes da experiência no Planalto: a bandeira da ética.

“Em muitos momentos, o PT soube dar a vara às pessoas, mas jamais ensinou-as, de fato, a pescar”, resumiu o cientista político da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo Rui Tavares Maluf. É um raciocínio semelhante ao elaborado por um dos petistas mais históricos e desiludidos com os rumos da legenda, Frei Betto. “Foram governos que fizeram a inclusão econômica na base do consumismo e não, política e socialmente”, tem repetido ele.

Maluf lembra que o Bolsa Família acabou passando por problemas no cadastro. “Investigações mostraram que algumas pessoas que não teriam direito ao benefício acabavam continuando a recebê-lo”, diz o cientista. Analistas de mercado, contudo, reconhecem que a criação dessa rede de proteção talvez seja o principal legado, especialmente porque não se criou algo oneroso do ponto de vista fiscal: o Bolsa-Família tem impacto mínimo no orçamento federal.

Para além do ponto de vista ético, contudo, onde o PT mais errou a mão, na avaliação dos especialistas ouvidos pelo Correio, foi na área econômica. “Desses 13 anos, os únicos acertos nesse campo aconteceram ao longo do primeiro mandato de Lula. No segundo mandato, a situação começou a se deteriorar”, afirmou o professor de história política contemporânea da Universidade de Brasília (UnB) Antônio José Barbosa.

Para investidores experientes, o primeiro mandato lulista tinha a Carta ao Povo Brasileiro como égide e a prudência de Antônio Palocci na Fazenda e Henrique Meirelles no Banco Central. Palocci acabou caindo, abatido por escândalos e, ao longo do segundo mandato, Lula pisou no acelerador dos gastos públicos, especialmente para eleger Dilma Rousseff. “Com a entrada do BNDES no financiamento, expandiu-se demais o papel do estado na gestão macroeconômica, o que foi desastroso”, afirmou Rui Tavares Maluf.

No primeiro mandato de Dilma, os elogios restringem-se a 2011, quando ela tentou segurar os gastos e impor uma faxina ética. A partir de 2012, contudo, foi criada a nova matriz econômica. “O trio Dilma, Guido Mantega e Arno Augustin fez estragos que culminaram nas pedaladas fiscais e na recessão”, declarou um investidor.

O professor da Unb criticou o PT pelo enfraquecimento das instituições. “Ao longo do primeiro mandato, tivemos o escândalo do mensalão. Não se tratava apenas de uma questão de corrupção, mas uma tentativa de submissão do Parlamento ao Executivo. Além disso, houve um processo de aparelhamento muito grande nos diversos níveis de poder”, completou Antônio Barbosa.

Petistas desiludidos lamentam que o partido não tenha conseguido aproveitar o apoio popular, sobretudo quando Lula foi eleito em 2002, para fazer as reformas estruturantes de que o país precisa. Preferiu navegar no boom das commodities e da liquidez internacional. “Em vez de enfrentar o sistema com a força que trazia das ruas, Lula resolveu aproveitar-se do que já havia. Nasceu o mensalão. Em 2006, ele resolveu dobrar a aposta e surgiu o Petrolão. Dilma foi eleita, tentou quebrar com tudo, mas não teve força política e acabou sendo engolida”, completou um militante.

 

Frase

“Foram governos que fizeram a inclusão econômica na base do consumismo e não, política e socialmente”

Frei Betto, teólogo

 

O fim de uma era

2003

Lula toma posse como presidente da República, eleito com 52,7 milhões de votos. O PT lança o Fome Zero, embrião do Bolsa Família.

 

2005

Estoura o escândalo do mensalão.

 

2007

Lula é reeleito com 58,2 milhões de votos. O presidente lança o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para tentar destravar os investimentos em infraestrutura.

 

2008

O mundo mergulha na maior crise econômica desde o crash de 1929. O governo petista inicia uma série de desonerações, como medidas anticíclicas que, a longo prazo, fragilizaram a economia.

 

2010

Dilma é eleita com 55,57 milhões de votos. Presidente demite sete ministros na faxina ética. Depois, é obrigada a recuar em alguns casos.

 

2012

Dilma troca a diretoria da Petrobras. Governo dá início à nova matriz econômica.

 

2014

Sem admitir, durante a campanha, que o país já estava em recessão, Dilma é reeleita com 54,5 milhões de votos.

 

2016

Dilma é afastada da presidência graças à abertura do processo de impeachment.