Olhos especializados nas ruas e estádios

 

23/07/2016
Eduardo Militão

 

Anfitrião de eventos internacionais como a Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos deste ano, o Brasil aumentou a chance de ser alvo de ataques terroristas, apesar de, na avaliação de especialistas, ainda apresentar um risco bem menor do que outras nações. Por causa da exposição, o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) aumentará o número de agentes infiltrados nos eventos olímpicos, em especial nos de grande aglomeração de pessoas, como na cerimônia de abertura, em shows e partidas de futebol.

No Rio de Janeiro, funcionários de hotéis e concessionárias de serviços públicos foram orientados a relatar à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) movimentações estranhas de pessoas em horários considerados suspeitos e com roupas não condizentes com a clima da cidade durante os Jogos. Vários integrantes do Sisbin vão participar como “observadores de inteligência”. Eles estarão nos eventos à paisana, comprando ingressos, mas com o objetivo de recolher dados e repassar aos órgãos de segurança conforme vejam ameaças concretas nos locais de competição e nas ruas da cidade. “São pessoas treinadas para atuar como agentes de segurança nos eventos. Ingressarão nos locais de competição como parte do público espectador”, explica a assessoria da Abin.

Além disso, o Brasil monitora “dezenas de pessoas” suspeitas de terrorismo, que representam 1%, aproximadamente, dos combatentes terroristas no mundo, segundo apurou o Correio com autoridades que tratam do tema no Brasil e com dados da Polícia Internacional (Interpol). A entidade estima que existam mais de 7.500 “combatentes terroristas” no mundo, segundo informações recebidas de 60 países, relação aberta às agências de inteligência e investigação a fim de combaterem os criminosos. Além disso, há “milhares de registros adicionais” sob análise da Interpol para facilitar a apuração de casos de terrorismo pelas polícias locais, segundo comunicado da agência publicado na última sexta-feira.São cerca de 100 alvos monitorados com uso de um sistema integrado de informações. José Maria Panoeiro, coordenador dos grupos de trabalho de Terrorismo do Ministério Público Federal em todo o Brasil e da Procuradoria da República do Rio de Janeiro, responsável por acionar a Justiça em caso de ocorrência de atentados nos Jogos Olímpicos, contou ao Correio que a proximidade do evento e a publicação da Lei Antiterrorismo brasileira — que pune a preparação de atos radicais — aumentou o monitoramento de alvos no Brasil. “Tem uma série de monitoramentos”, contou.

Na avaliação de alguns analistas o número de monitorados é baixo. Só há “dezenas de pessoas” nessa situação, afirmou José Maria Panoeiro. As classificações de risco são mantidas em sigilo pelos integrantes do Sisbin. O procurador relatou uma conversa que teve há poucos dias, antes dos atentados em Nice, na França, com um agente francês que comentava a situação brasileira em relação a outros países. O investigador disse que os brasileiros não estão imunes a lobos solitários, porque isso entra na conta do imprevisível, mas não havia monitoramento da França de ninguém de terrorismo estrangeiro. “Vocês não têm realidade de guerra, não têm base da Otan, como a Turquia, que está em posição estratégica”, avaliou o francês.

No Brasil, o monitoramento de alvos do Sisbin é feito pela Abin, que coordena o sistema e a ações contraterrorismo das Olimpíadas, pela Polícia Federal, as forças armadas e mais de 30 órgãos, inclusive o Ibama. As ações incluem monitoramento de redes sociais, inclusive com aplicativos de computadores que “fiscalizam” uso de determinadas palavras-chave, “fontes vivas” ou informantes e os chamados “abajures”, agentes que observam um alvo de perto e ficam parados como mobílias, enquanto filmam e fotogravam para depois escreverem relatórios.

Na Operação Hashtag, que prendeu 11 pessoas acusadas de preparar atos terroristas nas Olimpíadas, houve até técnica de infiltração. Um agente ingressou em rede social para capturar as mensagens trocadas. Algumas delas mostravam vídeos em que os brasileiros agora presos gravaram “batismos” com juramentos de lealdade ao Estado Islâmico do Iraque e do Levante (Isil ou Da’esh).

 

Três inquéritos

A ação da polícia e do Ministério Público aparece mais quando a exaltação aos terroristas pula de nível, como compra de armamento e negociação de explosivos. “No momento em que a pessoa passa a adotar práticas mais concretas, passa da situação de alvo de inteligência para ser um alvo de investigação criminal”, explica Panoeiro. Ele disse que não há nenhuma apuração formal para atos terroristas nos Jogos. Porém, uma fonte que atua no setor disse que havia três inquéritos abertos na Divisão Antiterrorismo (DAT), da Polícia Federal, que funciona em Brasília. Haverá também um posto avançado no Rio de Janeiro durante a Olimpíada. A assessoria da PF disse que não pode responder sobre monitoramento de alvos nos Jogos.

A Abin mantém um centro de controle em Brasília. Durante os Jogos, o Centro de Inteligência de Serviços Estrangeiros (Cise) funcionará no Rio de Janeiro com mais de 100 pessoas. De acordo com a assessoria da agência, as informações sobre ameaças serão repassadas rapidamente por meio dessa central internacional. Além disso, um comitê de enfrentamento ao terrorismo estará de prontidão com integrantes da agência e dos ministérios da Justiça e da Defesa.

 

60

Quantidade de países que trocam informações com a Interpol no combate aos criminosos

 

 

Três perguntas para

Alexandre Camanho, integrante do GT contra Terrorismo do MPF

 

Ministros disseram que os presos da Operação Hastag eram “amadores”. Estão certos?

O tipo penal dos atos preparatórios prevê “propósito inequívoco” de terrorismo. É um conceito cuja análise técnica deve ficar confinada ao Ministério Público, no oferecimento da denúncia, e ao juiz, no recebimento e na sentença.

 

 

A batalha contra o terrorismo teve um passo importante com a operação?

É importante que isso não ocasione um triunfalismo que nos leve a crer que as ameaças cessaram e que crie um ambiente psicológico de relaxamento, quando o fenômeno é complexo. Ele será eficaz quando as atividades de inteligência forem infatigáveis e você tiver uma segurança ostensiva preparava para prevenir e reprimir qualquer evento. Se cria clima de “já ganhou”, “passou”, “conseguimos prender”, cria ambiente equivocado. É preciso continuar vigiando.

 

As causas do terror são combatidas, ou só seus efeitos?

Não há possibilidade de diálogo ou inclusão política com o Estado Islâmico. Mas a superação da radicalização é empreender esforços políticos e diplomáticos com o Oriente Médio e com o mundo de forma que se enfrentem as exclusões, injustiças e desigualdades. Essas — e não a fé — são as verdadeiras fontes do radicalismo.

 

Correio braziliense, n. 19418, 23/07/2016. Política, p. 2