Correio braziliense, n. 19440, 16/08/2016. Política, p. 2
A largada de uma disputa maluca
Começa hoje a campanha de uma corrida municipal com características únicas: redução no tempo de propaganda, proibição das doações empresariais e limitação nos gastos. População vai às urnas em 2 de outubro para eleger prefeitos e vereadores de 5,5 mil cidades
Por: João Valadares e Ivan Iunes
A largada oficial para as eleições municipais mais curtas, conturbadas e com menos recursos da história da democracia brasileira, em razão da crise política que assola o país e das novas regras eleitorais, será dada hoje. Diante de um quadro de total descrédito da classe política, atingida por investigações da Polícia Federal e Ministério Público Federal, os candidatos iniciam a campanha eleitoral em mais de 5,5 mil prefeituras.
Pela primeira vez, a disputa ocorre sem o financiamento privado. O tempo de campanha foi reduzido de 90 para 45 dias e os postulantes só podem utilizar 70% do valor declarado pelo candidato que mais gastou no pleito anterior, se tiver havido só um turno, e até 50% do gasto da eleição anterior em caso de dois turnos.
O prazo para inscrição das candidaturas se encerrou às 19h de ontem. Levantamento feito pelo Correio com base nos dados públicos disponibilizados até o momento pelos 56 candidatos das 10 maiores cidades do Brasil, excluindo Brasília (não tem eleição para prefeito), Recife e Salvador (dados não consolidados), mostra que a média do patrimônio declarado dos concorrentes ficou em aproximadamente R$ 5 milhões.
O candidato do PSDB em São Paulo, o empresário João Dória Júnior, declarou ter aproximadamente R$ 180 milhões, o que significa mais da metade de todos os outros somados. Na declaração de bens, constam imóveis em bairros nobres da capital paulista, um deles avaliado em R$ 12 milhões; participação em empresas, uma delas no valor de R$ 990 mil; carros importados, entre os quais dois Porsche Cayenne; um imóvel em Campos do Jordão(R$ 1,9 milhão); além de aplicações financeiras, ações em empresas e obras de arte.
A segunda com maior patrimônio é Marta Suplicy (PMDB). A ex-petista declarou ter R$ 13,3 milhões em bens. Ela mencionou cotas em empresas, imóveis e também disse ter R$ 120 mil em espécie. O candidato do PRB à Prefeitura de São Paulo, o deputado federal Celso Russomanno, que lidera as pesquisas, apresentou à Justiça Eleitoral declaração de bens com valor total de R$ 1,8 milhão.
No Rio de Janeiro, Carmen Migueles (Novo) listou posses no valor de R$ 2,1 milhões, seguida de Alessandro Molon (Rede), com R$ 1,7 milhão; Osório (PSDB), que tem R$ 846 mil; Crivella (PRB), cuja lista chega aos R$ 701 mil; e Jandira Feghali (PCdoB), com patrimônio de R$ 550 mil. O candidato do PSol à Prefeitura do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo, declarou ter apenas R$ 5 mil em uma conta bancária.
Uso da máquina
Nestas eleições, no primeiro turno, haverá dois blocos de 10 minutos de propaganda na televisão para candidatos a prefeito. Mais 80 minutos de inserções por dia, sendo 60% para prefeitos e 40% para vereadores, com duração de 30 segundos a um minuto. Para municípios com até 10 mil habitantes, o teto de gasto é de R$ 100 mil.
Nas propagandas eleitorais, não poderão ser usados efeitos especiais, montagens, computação gráfica, edições e desenhos animados. O cientista político e professor do Insper Carlos Melo afirma que as eleições municipais sempre influenciam no quadro para presidente e governador daqui a dois anos.
“É uma forma de organizar as bases territorialmente. Normalmente, um partido que tenha mais capilaridade regional tende a fazer bancadas maiores. Prefeitos e vereadores sempre atuam como cabos eleitorais. Então, ter um maior ou menor número de prefeituras e de vereadores significa uma máquina maior ou menor”, explicou.
Ele avaliou que a disputa municipal de 2016 tem um elemento diferente. “É uma eleição particular. Precisamos verificar como o eleitor vai reagir a toda essa questão da corrupção e do processo de impeachment. A questão ética vai ou não vai ser um grande tema eleitoral? A regra nova do financiamento de campanha será efetiva? É uma lei para pegar ou um faz de conta?”, questiona.
O professor analisa que ainda não é possível afirmar que as alianças locais já representam uma prévia do que veremos em 2018. “Cada eleição obedece a uma dinâmica própria. Nos grandes colégios eleitorais, por exemplo, a eleição sempre tende a ser influenciada pela questão nacional. São Paulo responde mais a uma dinâmica nacional do que local”, salienta. Melo diz que não é possível afirmar que o PMDB, por estar na Presidência da República — o que pode ser confirmado no fim deste mês após votação do impeachment no Senado — terá vantagem nos pleitos locais. “Não vejo isso necessariamente. A máquina federal hoje, pela situação fiscal, pode não ser uma vantagem.”
Estofo financeiro
Confira o patrimônio dos candidatos em algumas das principais capitais*
São Paulo
João Dória (PSDB) R$ 179,7 milhões
Marta Suplicy (PMDB) R$ 13,3 milhões
Ricardo Young (Rede) R$ 7,4 milhões
João Bico (PSDC) R$ 4,4 milhões
Celso Russomanno (PRB) R$ 1,8 milhão
Levy Fidelix (PRTB) R$ 771 mil
Luiza Erundina (PSol) R$ 605 mil
Major Olímpio (SDD) R$ 550 mil
Fernando Haddad (PT) R$ 451 mil
Altino (PSTU) —
Rio de Janeiro
Carmen Migueles (Novo) R$ 2,1 milhões
Alessandro Molon (Rede) R$ 1,7 milhão
Osório (PSDB) R$ 846 mil
Crivella (PRB) R$ 701 mil
Jandira Feghali (PCdoB) R$ 550 mil
Pedro Paulo (PMDB) R$ 483 mil
Cyro Garcia (PSTU) R$ 216 mil
Flavio Bolsonaro (PSC) R$ 180 mil
Marcelo Freixo (PSol) R$ 5 mil
Belo Horizonte
Rodrigo Pacheco (PMDB) R$ 23,3 milhões
Délio Malheiros (PSD) R$ 3 milhões
Alexandre Kalil (PHS) R$ 2,7 milhões
João Leite (PSDB) R$ 1,6 milhão
Luis Tibe (PTdoB) R$ 1,5 milhão
Eros Biondini (Pros) R$ 1,2 milhão
Sargento Rodrigues (PDT) R$ 1,1 milhão
Reginaldo Lopes (PT) R$ 607 mil
Marcelo Antonio (PR) R$ 478 mil
Maria da Consolação (PSol) R$ 99 mil
Manaus
Silas Câmara (PRB) R$ 2,7 milhões
Hissa Abrahao (PDT) R$ 1,7 milhão
Luiz Castro (Rede) R$ 857 mil
Henrique Oliveira (SDD) R$ 735 mil
Serafim Corrêa (PSB) R$ 728 mil
José Ricardo (PT) R$ 692 mil
Marcelo Ramos (PR) R$ 399 mil
Arthur Virgílio (PSDB) R$ 160 mil
Queiroz (PSol) —
Fortaleza
Heitor Ferrer (PSB) R$ 1,5 milhão
Roberto Claudio (PDT) R$ 601 mil
Capitão Wagner (PR) R$ 526 mil
Curitiba
Ademar Pereira (Pros) R$ 4,1 milhões
Gustavo Fruet (PDT) R$ 2,9 milhões
Requião Filho (PMDB) R$ 1,9 milhão
Afonso Rangel (PRP) R$ 1,2 milhão
Maria Victoria (PP) R$ 897 mil
Rafael Greca (PMN) R$ 573 mil
Tadeu Veneri (PT) R$ 342 mil
Xênia Mello (PSol) —
Porto Alegre
Raul Pont (PT) R$ 2,2 milhões
Sebastião Melo (PMDB) R$ 548 mil
Mauricio (PTB) R$ 525 mil
Luciana Genro (PSol) R$ 201 mil
Julio Flores (PSTU) R$ 60 mil
Fabio Ostermann (PSL) R$ 1,3 mil
* Os dados de todas as cidades ainda não foram consolidados pela Justiça Eleitoral
Frase
“É uma eleição particular. Precisamos verificar como o eleitor vai reagir a toda essa questão da corrupção e do processo de impeachment”
Carlos Melo, cientista político