Correio braziliense, n. 19440, 16/08/2016. Cidades, p. 15

Negociações travadas entre GDF e policiais

Impasse em torno do reajuste salarial da Polícia Civil pode provocar crise na área. Como pressão, 100 delegados e 1 mil agentes prometem deixar as suas funções, além de parar investigações. Haverá assembleia da categoria hoje

Por: Isa Stacciarini

 

Delegados e policiais civis estão dispostos a radicalizar o movimento por reajuste salarial a partir de hoje. Insatisfeitos com as negociações com o Executivo local, que não apresentou nova proposta de paridade com a Polícia Federal em reunião realizada na manhã de ontem, 100 delegados e cerca de 1 mil agentes com posição de chefia ameaçam entregar os cargos. Para tensionar o movimento, convencem servidores a recusarem ocupar cargo em comissão. Além disso, não descartam nova greve.

A categoria pleiteia a manutenção da paridade com a Polícia Federal e quer os mesmos 37% de reajuste em três anos, conforme concedeu o presidente em exercício, Michel Temer (PMDB), à corporação nacional — o aumento ainda depende de aprovação do Congresso Nacional. Policiais civis alegam que a corporação brasiliense e a Polícia Federal têm o mesmo regime jurídico, a Lei Federal nº 4.878, de 1965. A Polícia Militar é regida pela Lei Federal nº 10.486/2002, que trata da remuneração dos militares.

As decisões serão tomadas em assembleia prevista para as 14h, em frente à sede da Polícia Civil. Na manhã de ontem, o chefe da Casa Civil, Sérgio Sampaio; a secretária de Planejamento e Orçamento (Seplag), Leany Lemos; e o secretário de Fazenda, João Fleury, se reuniram com representantes do Sindicato dos Policiais Civis do DF (Sinpol) e do Sindicato dos Delegados de Polícia (Sindepo) no Palácio do Buriti. O encontro terminou sem o GDF apresentar proposta de reajuste. Hoje, o GDF trabalha com a expectativa de terminar o ano com um deficit de R$ 1,4 bilhão no orçamento, além da dívida herdada com fornecedores, na casa de R$ 1,3 bilhão. Por isso, segundo o Executivo local, não há margem para mais endividamentos. “A situação não nos permite aumento de despesa sem novas receitas. Ainda precisamos arrumar recursos na ordem de R$ 1 bilhão para fechar o ano”, explicou Sampaio.

Segundo ele, por esse motivo, o governador se reuniu na última sexta-feira com Michel Temer para abrir novas frentes de obtenção de recursos. “Nós encontramos uma situação muito drástica, em que consumimos 81% de tudo que entra nos cofres com pessoal. Aumentar isso pura e simplesmente é uma irresponsabilidade, porque a população não poderá ser atendida naquilo que é mais básico”, ressaltou o chefe da Casa Civil. “Esperamos que a Polícia Civil tenha maturidade e responsabilidade de entender esse momento”, concluiu.

A apresentação do contexto econômico, no entanto, não foi suficiente para os policiais. Segundo eles, a despesa única que garante o reajuste salarial com Polícia Federal é o Fundo Constitucional, que terá ampliação de R$ 800 milhões a partir de 2017. Na tarde de ontem, o diretor-geral da Polícia Civil, Eric Seba, se reuniu com a cúpula da corporação. A regra era para que nenhuma decisão fosse tomada de forma unilateral. À noite, o governador do DF, Rodrigo Rollemberg, chamou Seba para um encontro a portas fechadas. O Correio apurou que a Polícia Civil está dividida em dois grupos: um com intenção de ver o caos na corporação; e outro que busca a paridade com a PF e entende que precisa dar uma reposta a Rollemberg sem abandonar a corporação.

 

Meio-termo

Para o presidente do Sinpol, Rodrigo Franco, não houve nenhum avanço no diálogo; por isso, haverá entrega dos cargos de chefia. “A partir de amanhã (hoje), a Polícia Civil ficará acéfala, sem comando. Não há motivação nenhuma para os policiais civis desenvolverem as suas atividades. Nós esperávamos um mínimo de avanço. Pelo contrário, houve recuo nas negociações”, alegou.

O diretor do Sindepo, Rafael Sampaio, se mostrou surpreso pela falta de propostas do governo. “Achávamos que teríamos algo. Não o que a gente queria, mas um meio-termo. O mínimo seria a manutenção da paridade até 2019. E o governo dizer que não tem nenhum centavo para garantir o reajuste para a Polícia Civil no ano que vem, entendemos como uma absoluta falta de sensibilidade”, reforçou. “Nunca vivemos uma situação como essa. Nunca tínhamos tido paralisação de delegados e vivido entrega de cargos. A instituição viverá um caos. As investigações serão todas limitadas por falta de pessoal e de recursos materiais. Nós não vamos trabalhar extra se o governo não quiser recompor perdas inflacionarias”, acrescentou.

 

Linha do tempo

28 de julho

O presidente em exercício, Michel Temer (PMDB), concedeu reajuste de 37% para a PF, dividido em três parcelas. O texto está em tramitação no Congresso Nacional. Desde então, servidores da Polícia Civil começaram a pressionar o GDF para uma negociação — historicamente, policiais civis e federais têm isonomia salarial.

 

2 de agosto

O Executivo local ofereceu 7% de aumento salarial em outubro de 2017; 10% no mesmo mês, em 2018; e outros 10% em 2019, mas delegados e policiais civis do DF rejeitaram a oferta.

 

3 de agosto

Na véspera da estreia da Seleção Brasileira nas Olimpíadas, no Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, a categoria aprovou uma paralisação geral de 48 horas. Com a radicalização, o GDF retirou a proposta.

 

4 de agosto

A paralisação começou no dia em que o Brasil enfrentou a África do Sul no Mané Garrincha, mesmo com a decisão judicial que previa multa de R$ 500 mil por dia de braços cruzados nas datas de jogos e R$ 200 mil nas sem partidas. Às 8h, policiais que faziam a segurança de delegações estrangeiras deixaram os hotéis em que estavam hospedados os atletas e PMs os substituíram. À tarde, na hora em que torcedores entravam na arena, um grupo de policiais se manifestou em frente ao local, dentro do perímetro de segurança. Com faixas, inclusive em inglês, eles chamaram a atenção para o pleito da categoria. Após o ato, servidores controlaram a entrada de algumas unidades, como na 5ª DP (Área Central).

 

6 de agosto

Policiais civis voltaram ao trabalho.

8 de agosto

Diante do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, a categoria decidiu que daria 72 horas para o GDF apresentar nova proposta.

 

11 de agosto

Em assembleia na Praça do Buriti, os policiais aumentaram a pressão: decidiram suspender o recolhimento de vítimas de morte natural por tempo indeterminado (a atribuição, segundo os policiais, é da Secretaria de Saúde). Além disso, votaram pela entrega de cargos de chefia, caso o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) não garantisse o aumento salarial e deliberaram por parar investigações criminais. Caminharam, ainda, até a Secretaria de Segurança Pública e da Paz Social e, em frente ao prédio, pediram a saída da chefe da pasta, Márcia de Alencar, com gritos de ordem e faixas.

 

12 de agosto

Rodrigo Rollemberg se reuniu com o presidente em exercício, Michel Temer, para buscar ajuda. A categoria, no entanto, prometeu mais atos e não descarta nova greve.

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Diferença percentual

 

Com a movimentação de delegados e agentes da Polícia Civil para garantir o reajuste salarial, PMs e bombeiros também se articulam para conquistar aumento. Amanhã, os militares farão uma assembleia, às 9h, no Clube dos Oficiais para reivindicar a mesma concessão que for dada aos servidores da Polícia Civil.

O clima causa desconforto entre as forças de segurança pública. Dados do Executivo local obtidos pelo Correio mostram que o aumento acumulado entre 2003 e 2015 concedido para a PM é de 241,4%; e para o Corpo de Bombeiros, 240,2%. Nesses 12 anos, delegados tiveram reajuste de 152,7% e agentes, de 148%. A diferença nos percentuais se justifica, principalmente, em razão do acréscimo no auxílio-moradia concedido pelo governo anterior em 2013. A última parcela será paga em outubro.

Levantamento com despesa de pessoal projeta que os recursos do Fundo Constitucional para pagamento de servidores na área de segurança pública atinjam o valor de R$ 6,84 bilhões este ano, o que representa 25,56% dos gastos totais de pessoal.

O presidente da Associação dos Oficiais da Reserva Remunerada e Reformados da PM e do Corpo de Bombeiros (Assor), coronel Wellington Corfino do Nascimento, explicou que Operação Tartaruga está descartada. “Isso, por enquanto, não é nem cogitado. Temos outros mecanismos de pressionar o governo. Queremos manter a paridade salarial com a Polícia Civil, que já existe implicitamente a partir da complementaridade institucional da PM, da Polícia Civil e do Corpo de Bombeiros dita pela Carta Magna. Não existe uma hierarquização institucional nem da PM sobre a Civil nem da Civil sobre a PM”, alegou.