PRECEDENTE - Relator do caso Cunha admite pena alternativa

Eduardo Bresciani

02/09/2016

 

 

Fatiamento da votação no julgamento de Dilma pode levar Câmara a não cassar mandato ou preservar direitos políticos, diz Marcos Rogério

 

O fatiamento da votação que manteve a ex-presidente Dilma Rousseff em condição de ocupar cargos públicos deve ser usado numa tentativa de beneficiar o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Aliados do peemedebista acreditam que o precedente permitirá aplicar-lhe uma pena alternativa, no lugar da cassação do mandato — ou, pelo menos, abrir caminho para que a Câmara mantenha os seus direitos políticos.

Essa possibilidade foi admitida ontem pelo pelo relator do processo de cassação de Cunha. Marcos Rogério (DEMRO) disse acreditar que será difícil para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), negar-se a fatiar a votação, diante do precedente aberto pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski:

— Mesmo eu discordando cabalmente, a prevalecer o que o Senado fez, serei obrigado a aceitar que existe o precedente. Fica difícil para o presidente da Câmara não aceitar um precedente que veio do Senado, por decisão do presidente do Supremo — disse Rogério.

O relator frisou que os casos de impeachment de presidente e de cassação dos mandatos de deputados são tratados por artigos diferentes da Constituição, com penas acessórias diferentes. Na questão do impeachment, há a inabilitação para se exercer qualquer função pública. Para deputados, há suspensão dos direitos políticos. Mesmo assim, diz Rogério, as situações são análogas.

O presidente da Câmara já reconheceu que pretende convocar os líderes partidários para discutir o tema, antes de colocar o caso de Cunha em votação, na sessão marcada para o próximo dia 12. A defesa de Cunha evita se posicionar publicamente, mas aliados já falam claramente que a brecha será usada. Eles ressaltam que, como Lewandowski aceitou a apresentação de destaques, pode ser possível até propor uma pena alternativa a Cunha.

Responsável pelo questionamento no Senado, que levou ao fatiamento no julgamento de Dilma, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), em nota, disse que o destaque foi apresentado pelo líder do PT, Humberto Costa (PE). Para Randolfe, a tentativa de fatiar a votação, no caso de Cunha, seria “forçar a barra”.

O líder do PT na Câmara, Afonso Florence (BA), disse que o partido defenderá a perda dos direitos políticos de Cunha. (Colaboraram Isabel Braga e Maria Lima)

 

Perguntas e respostas

– Como começou a polêmica da votação fatiada no julgamento de Dilma Rousseff?

– A bancada do PT entrou com um requerimento de destaque para votar em separado a questão da inabilitação de Dilma Rousseff para função pública. Com isso, os senadores votaram, em primeiro lugar, se Dilma deveria sofrer o impeachment. Só depois, analisaram se ela deveria deixar de exercer função pública.

 

– Qual foi o argumento do ministro Ricardo Lewandowski, que presidia o julgamento, para aceitar o fatiamento?

– Ele usou uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 1993 sobre o caso Collor para fundamentar sua decisão. Segundo ele, oito ministros do STF discordaram na ocasião: quatro entenderam que a votação deveria ser feita em dois momentos e quatro, que ela deveria ser feita em um único momento. Ministros do Superior Tribunal de Justiça foram chamados para desempatar. Lewandowski anunciou, então, que, por ser um caso controverso, usaria o regimento interno do Senado, que permite destaque com pedido de duas votações.

 

– O que diz a Constituição?

– O parágrafo único do artigo 52 da Constituição diz que a condenação no impeachment “somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.

 

– Com a votação no Senado, políticos cassados futuramente poderão ser beneficiados?

– Em tese, não há qualquer dispositivo legal que autorize a Câmara ou o Senado a manter os direitos políticos de qualquer parlamentar cassado. Além disso, a Lei da Ficha Limpa torna inelegível por oito anos todo parlamentar cassado ou que renuncie ao mandato.

 

– O STF pode mudar o resultado da votação que manteve os direitos políticos de Dilma?

– Sim. A maioria dos ministros pode concluir que o artigo 52 da Constituição foi violado e que Dilma está impedida de exercer qualquer função pública por oito anos. Não está claro ainda se o STF poderá determinar uma nova votação sobre o cometimento ou não dos crimes de responsabilidade de Dilma, caso esse entendimento seja formado. Os ministros também podem entender que não será possível mudar as decisões do Senado, evocando o princípio da independência entre os poderes.

 

 

O globo, n. 30342, 02/09/2016. País, p. 4.