Título: Doença é ligada a cigarro
Autor: Campbell, Ullisses
Fonte: Correio Braziliense, 30/10/2011, Política, p. 2

Câncer diagnosticado em Lula é característico de fumantes. Quimioterapia é o tratamento recomendado para não provocar danos na vozNotíciaGráfico

Mal haviam se passado 48 horas desde a comemoração dos 66 anos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando exames realizados no Hospital Sírio-Libanês revelaram um dos diagnósticos mais temidos pelos pacientes: câncer. Os amigos íntimos, como o empresário Paulo Okamoto, já tinham ouvido reclamações sobre a rouquidão. Embora essa seja uma das marcas registradas de Lula, ele estava incomodado com a alteração excessiva na fala, sintoma que surgiu há pelo menos 40 dias. No próprio dia do aniversário, teria sido alertado sobre a possibilidade de ter um tumor.

No dia seguinte aos festejos, o ex-presidente se consultou no hospital de São Paulo para fazer ressonância magnética, tomografia do pescoço e biópsia. O resultado de câncer de laringe, que, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), afeta 9.320 novos brasileiros por ano, foi recebido na manhã de ontem com serenidade, de acordo com a equipe médica que acompanha o caso.

Ex-fumante, o sindicalista que virou presidente do Brasil abandonou o vício, mas manteve o hábito de degustar cigarrilhas até o ano passado, quando uma crise de hipertensão fez com que os médicos ordenassem que ficasse afastado do fumo. Lula era conhecido por acender um cigarrinho mesmo dentro do avião presidencial — pelas leis brasileiras, é proibido fumar no espaço aéreo do país. Em 2008, deu declarações polêmicas quando o então governador José Serra (PSDB) propôs a proibição do cigarro em qualquer espaço público. "Eu defendo, na verdade, o uso do fumo em qualquer lugar. Só fuma quem é viciado", afirmou o ex-presidente.

Associado ao tabagismo, o álcool é um forte fator de risco para o surgimento do câncer de laringe. Lula não esconde de ninguém que gosta muito de cerveja e de destilados. Já brincou em público, dizendo que gostaria de dar "lambidinhas" em um carro movido a etanol. Não à toa, caixas de champanhe, vinho e uísque foram alguns dos presentes recebidos no aniversário. "Ele gosta de cigarrilha e de álcool, e essas são as principais causas do câncer de laringe", diz o oncologista Igor Morbeck, da clínica Oncovida.

De acordo com o médico, o fato de Lula sempre ter sido rouco não quer dizer que tivesse a doença anteriormente. "Ele fala desse jeito desde que o conhecemos", diz. O médico também afirma que discursar às multidões, um hábito do ex-presidente desde os tempos de sindicalismo, provavelmente não provocou a doença: "Se fosse assim, todos os professores teriam câncer".

No boletim emitido pelo Sírio-Libanês, mesmo hospital que tratou do ex-vice-presidente José Alencar, os médicos Antonio Carlos Onofre de Lira e Paulo Cesar Ayroza Galvão, diretores da instituição, dizem que Lula está bem. Apenas depois da primeira fase do tratamento, porém, será possível definir o estado definitivo do ex-presidente, pois isso depende da resposta à quimioterapia. O tratamento começa na segunda-feira e será realizado em três ciclos, com intervalos de 21 dias, cada um. Os médicos consideram a possibilidade de Lula também passar por radioterapia, posteriormente.

Cordas vocais Em entrevista ao Correio, Artur Katz, um dos coordenadores da equipe médica que cuida do ex-presidente, não quis dizer exatamente o tamanho do tumor. Porém, afirmou que não é maior do que 3cm. Estima-se que o câncer tenha entre 2cm e 3cm. A localização, confirmada pelos oncologistas, é debaixo da glote (veja arte). Uma intervenção nesse local poderia afetar as cordas vocais de forma irreversível. "É uma cirurgia mutiladora", define o oncologista Murilo Buso, do Centro de Câncer de Brasília. "A pessoa passa a falar com uma voz robótica, por meio de um aparelho colocado na traqueia. Imagina o Lula sem poder falar", especula Igor Morbeck.

Apesar do otimismo dos médicos do Sírio-Libanês, especialistas ouvidos pelo Correio acreditam que o caso não é tão simples quanto aparenta. O presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia, Anderson Silvestrini, diz que o tumor não deve ser inicial pelo tipo de tratamento escolhido — Lula começará apenas com quimioterapia e, dependendo da resposta, passará pela radioterapia. Lembrando que não examinou o presidente e que não pode comentar esse caso específico, Murilo Buso, do Cettro, afirma que a quimio, isolada, é uma terapia paliativa; ou seja, os remédios são usados para controlar a doença. "Mas, aí, não se fala em cura", alerta.

Incidência De acordo com a Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer, os países com maior incidência de câncer de laringe são França, Itália, Espanha e Portugal. Quando consideradas regiões específicas, a cidade de São Paulo fica em quinto lugar, atrás de Ahmedabad (Índia), Vas County (Hungria), Cuba (localidade não especificada pela OMS) e Isère (França), no recorte da população masculina, na qual o câncer de laringe é mais prevalente.