Correio braziliense, n. 19439, 15/08/2016. Política, p. 2

Cenário sombrio para a esquerda

Partidos de oposição ao governo interino de Michel Temer lideram as pesquisas de intenção de voto em apenas quatro capitais. O PT, por exemplo, reduziu em 35% a quantidade de candidatos em relação à disputa municipal de quatro anos atrás

Por: Paulo de Tarso Lyra

 

Acuadas no plano nacional, acusadas de corrupção pela Lava-Jato e responsabilizadas pela má gestão que afundou o país em uma crise econômica sem precedentes na história recente brasileira, as legendas do chamado campo de esquerda lideram, até o momento, em apenas quatro das 20 capitais que já divulgaram pesquisas de intenção de voto. Mesmo em algumas cidades em que já governam, como São Paulo (PT de Fernando Haddad) e Curitiba (PDT de Gustavo Fruet), os partidos não estão no topo da tabela de intenção de votos. Nas outras 16, o grupo político que lidera as expectativas de voto é ligado ao partido que está ou àqueles que dão sustentação ao atual governo federal, personificado na figura do presidente em exercício, Michel Temer.

Os heróis da resistência esquerdista, até o momento, são: Luciana Genro (PSol) em Porto Alegre; Roberto Cláudio (PDT) em Fortaleza; Carlos Eduardo (PDT) em Natal; e Marcus Viana (PT) em Rio Branco. Os pedetistas de Natal e Fortaleza concorrem à reeleição, assim como Viana. A exceção nesse grupo é Luciana Genro, que traz o recall da eleição presidencial de 2014 e um dos sobrenomes mais tradicionais da política gaúcha.

Nas principais capitais, o quadro é cristalino: no Rio e em São Paulo, a disputa é liderada pelo PRB, como Marcelo Crivella e Celso Russomano, respectivamente. Em Salvador, onde o PT sequer lançou candidato próprio — apesar de governar a Bahia —, ACM Neto (DEM) caminha tranquilamente para a reeleição. E em Manaus, onde Lula já desembarcou em 2012 para tentar animar seus aliados, o tucano Arthur Virgílio (PSDB) também tende a voar em céu de brigadeiro.

“Esse resultado é reflexo da decadência administrativa e econômica que afundou o país na última década”, afirmou o cientista político da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ) Carlos Pereira. Ele acha que ainda é cedo para cravar que haverá uma derrota incisiva dos chamados campos de esquerda nas eleições de outubro. “Mas o prognóstico a médio prazo não é bom, sobretudo se o governo interino de Michel Temer conseguir tomar algumas medidas assertivas no campo econômico”, completou.

O coordenador do laboratório de políticas de governo da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), Milton Lahuerta, lembra que, no fundo, o momento representa a vitória do capitalismo neoliberal sobre o discurso social. Ele afirma que, curiosamente, o próprio PT, sobretudo nos anos de governo Lula, ajudou a consolidar esse discurso. “O PT promoveu a inclusão social pela lógica do consumo, não da cidadania. A crise econômica fez com que a esquerda perdesse o encanto. E, pior, ela ainda passou a ser questionada moralmente pela Lava-Jato e pelos escândalos de corrupção que levaram ao impeachment da presidente Dilma Rousseff”, afirmou Lahuerta.

Na opinião do coordenador de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, depois de tanto bombardeio nos últimos meses, é surpreendente que, em algumas capitais, candidatos do campo de esquerda estejam à frente nas pesquisas de intenção de voto. “Há todo um discurso montado de que os partidos de esquerda são corruptos e incompetentes administrativamente”, lembrou ele. Por isso, na opinião de Queiroz, é natural que as legendas mais conservadoras consigam ocupar o vácuo deixado pelo outro grupo político. “Isso porque estamos no começo da campanha eleitoral. Não há qualquer garantia de que os atuais líderes socialistas consigam se eleger em outubro”, completou o especialista.

A vice-presidente da Ideia Inteligência, Cila Schulman, afirma que o encolhimento da esquerda está diretamente atrelado ao acanhamento do PT. “Os petistas é que puxavam a maior parte das cabeças de chapa e, neste ano, o partido teve uma diminuição de 35% no número de candidatos a prefeitos em todo o país”, destacou. Cila, que tem experiência em campanhas eleitorais, lembra que esse processo não está apenas circunscrito ao Brasil. “O mundo está passando por um processo de direitização. No caso do Brasil, contudo, não dá para dissociar as coisas. O impeachment ainda não acabou nem os efeitos da Lava-Jato”, ponderou.

Cila acrescenta que, se esse quadro se repetir na eleição presidencial e nas disputas estaduais de 2018, a situação começa a ficar mais arriscada. “Sempre é bom termos candidatos fortes e competitivos em todos os campos ideológicos e políticos. Embora, no Brasil, esses contornos não necessariamente se enquadram nos partidos, como acontece nos Estados Unidos, com democratas e republicanos”, completou.

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Discurso desafinado

 

Muito mais do que uma questão moral ou econômica, o dilema da esquerda brasileira é a ausência de discurso para enfrentar o atual momento. “Eles vão ter de se reinventar. Ao longo desses meses em que esteve afastada do Planalto, a única polarização que Dilma conseguiu provocar foi se ela teria ou não direito a usar o avião presidencial. Nenhuma outra argumentação política, econômica ou social suscitou debates”, afirmou Carlos Melo, professor de ciência política do Insper.

Melo afirma que, apesar de estarem exercendo o seu papel, a atuação dos senadores aliados à presidente afastada, na comissão do impeachment, é quixotesca. Mas acha que os dissabores dos candidatos alinhados ao governo afastado não podem ser apenas debitados à saída de Dilma do Planalto. “Se o Haddad, por exemplo, tivesse sido um pouco mais competente na sua gestão, estaria mais bem colocado nas pesquisas de intenção de voto”, comentou o professor do Insper.

O coordenador do laboratório de políticas de governo da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), Milton Lahuerta, afirmou que o discurso de que a presidente afastada foi vítima de um golpe acabou sendo direcionado a grupos específicos. “Atingiu setores mais jovens, que sempre têm questionamentos quanto ao establishment, e aos setores mais à esquerda. Mas não galvanizou o conjunto da sociedade”, declarou Lahuerta. (PTL)