Título: Só reformulação garante o Enem
Autor: Filizola, Paula
Fonte: Correio Braziliense, 30/10/2011, Brasil, p. 14

Falhas pelo terceiro ano consecutivo ampliam o debate sobre a credibilidade do Exame Nacional do Ensino Médio. Especialistas defendem a descentralização da prova e a criação de um banco com pelo menos 10 mil questões por disciplinaNotíciaGráfico

As recentes denúncias envolvendo fraudes no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), aplicado no último fim de semana para cerca de 4 milhões de estudantes, levantam mais uma vez a discussão em torno da segurança e da credibilidade da avaliação — considerada a principal marca do ministro da Educação, Fernando Haddad, à frente da pasta. A edição deste ano era tida como decisiva, após o furto dos cadernos da prova em 2009 e os erros de impressão em 2010 (veja quadro). Segundo avaliação de especialistas, o Enem precisa passar por uma reformulação para garantir o seu futuro.

De acordo com a presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Amábile Pacios, o Enem é uma prova desacreditada por alunos e educadores. "As reincidências de falhas no Enem mostram que o caminho não é esse. É lamentável como, mais uma vez, eles deixaram uma janela aberta que causará enorme prejuízo", pondera. "Uma prova como o Enem tem que levar em conta as desigualdades educacionais do país, além das questões regionais", avalia.

Assim como Amábile, outros especialistas defendem a descentralização do exame, com a aplicação de provas duas ou três vezes por ano. Eles argumentam que isso tornaria o processo mais ágil e fácil de gerenciar. Segundo especialistas, a dimensão do Enem — este ano, a prova teve mais de 5,3 milhões de inscritos — torna o sistema muito vulnerável.

Considerado uma das maiores avaliações da América Latina, o Enem vem ganhando adesões ao longo dos últimos anos. Em 2009, sofreu mudanças, em uma tentativa de Haddad de transformá-lo na principal porta de entrada das universidades federais. Para isso, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC responsável pela prova, precisou aumentar o número de questões de 63 para 180 e realizar a prova em dois dias. Sendo assim, o Inep deveria contar com um banco de itens, de onde saem as questões para compor o Enem, mais completo. Hoje, a entidade tem menos de 20 mil questões.

Pressa Na opinião do professor da Universidade Federal de Juiz de Fora Tufi Machado Soares, um dos maiores especialistas em avaliação do país, a pressa explica os problemas recorrentes na prova. "Acredito que o Inep poderia ter levado mais tempo construindo um banco de itens maior. Se a mudança do Enem tivesse levado três ou quatro anos, e começasse com um banco já com umas 10 mil questões por disciplina, os riscos seriam menores", diz o pesquisador. Ele acredita que a constante troca de presidentes do Inep prejudicou a organização da entidade e a formulação de um banco de questões mais rigoroso.

A partir das mudanças em 2009, o sigilo e a segurança no Enem passaram a ser mais cobrados, especialmente pelas novas universidades que adotaram o exame. O episódio de vazamento das questões deste ano, por enquanto em uma escola de Fortaleza e outra de Belo Horizonte, deixa claro que ainda há brechas no processo do Enem. Segundo afirma o MEC, "o sigilo rigoroso adotado na etapa dos pré-testes é o mesmo da prova do Enem".

Haddad defendeu recentemente o fim do vestibular e a universalização do Enem como medidor de qualidade para o ensino médio. O Plano Nacional de Educação (PNE), que tramita no Congresso Nacional, prevê que o exame se torne um componente do currículo e, portanto, obrigatório para os alunos. "O Brasil está dando um passo importante para aprimorar seu sistema de avaliação de ensino", disse Haddad, cinco dias antes da aplicação da edição 2011 do Enem.