Correio braziliense, n. 19425, 01/08/2016. Economia, p. 7

Bolsa vive otimismo cauteloso

Ações acumulam alta de 32,2% no ano, graças às mudanças no quadro político. Mas incerteza no ajuste fiscal ainda é fator de risco

Por: Rosana Hessel

 

Desde o afastamento da presidente Dilma Rousseff, os operadores do mercado de capitais estão animados. Mas a farra pode estar com os dias contados. Depois de três anos no vermelho, a Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) voltou a subir e acumula alta de 32,2% no ano. O Ibovespa, principal índice da bolsa, fechou a 57.308 pontos na última sexta-feira. Analistas acreditam que o principal indicador da bolsa paulista poderá facilmente romper a barreira de 60 mil pontos em um único dia, basta que ocorra algo bastante positivo para fazer com que a bolsa avance 5%. Mas se o novo governo começar a titubear no ajuste fiscal, esses ganhos podem estar comprometidos.

Especialistas pedem cautela aos investidores que estão fora e querem aproveitar essa onda de otimismo entrando agora na bolsa, pois não há um consenso se o momento atual é o melhor para estrear nesse mercado de alta volatilidade. Nos próximos dias, é possível que, com a confirmação do afastamento de Dilma, ocorra uma realização de ganhos de quem está há mais tempo, o que resultará em queda nos valores dos papéis.

Os mais otimistas acreditam em uma nova onda alta após o impeachment e apostam em um rali se a presidente for definitivamente afastada, fazendo com que a bolsa possa chegar a 70 mil pontos até o fim do ano. Para eles, valeria a pena entrar porque a bolsa poderá subir 22% em relação ao patamar atual. “Não é difícil para a bolsa subir 15 mil pontos até o fim do ano. Isso dependeria da confirmação do impeachment de Dilma e de uma sinalização do novo governo de novas medidas econômicas para estimular a economia a ajustar as contas públicas e do apoio do Congresso Nacional para executá-las. Mas, se o Legislativo se virar contra, ficará difícil contar com essas perspectivas positivas”, explica o analista da Empiricus Bruce Barbosa.

 

Confiança

Para Barbosa, a troca de Dilma pelo presidente interino, Michel Temer, foi crucial para esse aumento da confiança do mercado. “O governo anterior não deixava o mercado funcionar da forma como deve ser, privilegiando as boas empresas, que se valorizam, e punindo as ruins, que quebram. Dilma tentava controlar isso. O novo governo tem uma cabeça mais pró-mercado mesmo, e elegeu o melhor time econômico da história para tocar a economia”, destaca Barbosa.

André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, faz um contraponto e sugere muita cautela neste momento. Ele acredita que há um excesso de otimismo e, após a confirmação do impeachment de Dilma, a frustração virá junto porque o presidente em exercício, Michel Temer, não conseguirá pôr em prática o ajuste fiscal que o mercado espera. “Acho que a bolsa já subiu bastante e não vejo muito espaço para ela continuar subindo por conta dos patamares atuais”, pontua.

A bolsa costuma sempre antecipar o movimento de alta ou de queda da economia real. O Ibovespa subiu 32,2% em real, mas, em dólar, a valorização é quase o dobro, de 56%. No entender de Perfeito, essa forte alta de agora não condiz com as previsões de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para o ano que vem. “Na melhor das hipóteses, o país vai crescer 1% e ainda vai demorar para as contas públicas se equilibrarem porque o estrago foi grande”, destaca.

A participação de investidores estrangeiros na Bovespa começou a recuar, passando de 53,9%, em junho, para 50,7%, em julho. Outro fator citado por Perfeito é que ainda não se tem uma real definição do impacto da saída do Reino Unido da União Europeia, a Brexit, e também tem as eleições presidenciais dos Estados Unidos e as consequências para a economia global de uma possível vitória do republicano Donald Trump. “No momento, não aconselho o investidor a entrar na bolsa”, avisa Perfeito.

O economista João Luiz Mascolo, professor do MBA Executivo do Insper, também vê com desconfiança essa possibilidade de um novo rali do impeachment, tanto que ele próprio já saiu da bolsa como investidor. “O mercado deu um bom cheque em branco para o governo Temer. Neste exato momento, as chances de a bolsa voltar a cair em outubro são de 44%”, alerta.

 

Gastos públicos

O professor do Insper lembra ainda que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita o crescimento do gasto público pela inflação do ano anterior e que foi enviada pelo governo Temer ao Congresso Nacional em junho não terá qualquer efeito no próximo ano. “O governo não vai conseguir segurar o aumento das despesas, continuará sem uma meta crível de superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) e o país continuará registrando deficits . Com isso, a dívida pública caminhará para chegar a 90% do PIB”, diz.

Thiago Biscuola, economista da RC Consultores, é outro que acredita haver um excesso de confiança do mercado com o novo governo. Ele destaca que a PEC do teto do gasto é apenas o começo para o ajuste fiscal. “Mesmo com a regra do teto, o governo só conseguirá registrar um saldo positivo nas contas públicas em 2021, pelos nossos cálculos. Se não houver uma definição clara de corte efetivo dos gastos e novas medidas buscando o equilíbrio fiscal, a bolsa voltará a cair”, destaca.

Para o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do Banco Central e chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC), o rompimento da barreira dos 60 mil pontos do Ibovespa vai depender da trégua que o mercado está dando a Temer e a sua equipe. “Se o governo não conseguir passar nenhuma medida de ajuste no Congresso, certamente a bolsa voltará a cair”, destaca. Ele lembra que um sinal de que a desconfiança persiste é a participação dos papéis com vencimentos mais curtos. Em junho, a fatia dos títulos com vencimento em 12 meses continua acima do teto de 19% previsto no Plano Anual de Financiamento (PAF) do governo. Ficou em 20,44% da dívida total no mês passado, acima dos 20,40% de maio, totalizando R$ 604 bilhões.

Julio Hegedus, economista-chefe da Lopes Filho & Associados, acredita que o rali da bolsa só ocorrerá quando houver uma definição melhor em relação à política e às perspectivas econômicas. “Há ainda muita desconfiança. Ninguém vai botar dinheiro no país com o cenário instável como está. O ajuste fiscal será lento e a expectativa mais favorável só ocorrerá quando houver sinais mais claros de cortes efetivos de gastos públicos”, avisa.

 

Sem ofertas públicas

Apesar do otimismo na bolsa, analistas não veem chances de que a abertura de capital de estatais permita ao governo levantar receitas extraordinárias neste ano. A oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) sumiu do mapa, praticamente, nos últimos anos. O IPO da Caixa Seguridade, por exemplo, que foi anunciado por Dilma em 2015, foi adiado várias vezes devido à crise econômica e à falta de interessados. De acordo com dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ainda não há previsão de IPOs neste ano e será difícil voltar aos volumes recordes de 2007.