Correio braziliense, n. 19427, 03/08/2016. Cidades, p. 21

Policiais civis radicalizam e param por 48 horas

Agentes e delegados decidiram parar a partir das 8h de hoje, dia da primeira partida da Seleção Brasileira em Brasília, a fim de pressionar o governo por 37% de aumento salarial. Policiais militares ameaçam com Operação Tartaruga

Por: Helena Mader

 

Os policiais civis decidiram cruzar os braços na data em que começam as Olimpíadas na capital federal. A categoria aprovou paralisação de 48 horas para pressionar o governo a conceder reajuste salarial de até 37%, o mesmo garantido à Polícia Federal. A greve começa a partir das 8h.  Em nota divulgada ontem, a Casa Civil, que vinha comandado as negociações, retirou a proposta apresentada na manhã de terça-feira — de 7%, a partir de outubro de 2017, 10%, em outubro de 2018, e 10%, em outubro de 2019 — diante da postura dos policiais. “A radicalização do movimento é precipitada, uma vez que o reajuste da PF ainda precisa ser aprovado pelo Congresso e, nesse caso, só vigoraria a partir de janeiro do ano que vem”, diz a nota do GDF. Em outra, na noite de ontem, a direção-geral da Polícia Civil disse que “respeita a deliberação e adotará as providências para garantir o funcionamento dos serviços essenciais”.

Na assembleia realizada ontem à tarde, o clima entre os agentes civis era de guerra contra o governo. Eles prometem pressionar duramente o Palácio do Buriti e, hoje à tarde, farão uma manifestação no Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, durante a partida Brasil x África do Sul.

Além disso, a situação da segurança pública de Brasília pode piorar: policiais militares se reunirão com representantes do GDF na próxima segunda-feira, e setores da corporação defendem a volta da Operação Tartaruga como forma de pressão pelo reajuste reivindicado.

As negociações entre GDF e policiais civis se arrastam há algumas semanas, mas o nervosismo atingiu o ápice ontem. O governador Rodrigo Rollemberg chegou a se reunir com representantes da corporação e divulgou carta em que expôs as dificuldades financeiras do Executivo. A Polícia Civil do DF tem isonomia salarial histórica com a Polícia Federal. Depois de extensa negociação, a PF conseguiu aumento de 37%, e os agentes brasilienses brigam por equiparação.

A paralisação anunciada pela Polícia Civil do DF deverá ter consequências nos eventos olímpicos marcados para a capital federal. Há, por exemplo, uma delegacia provisória montada dentro do Estádio Mané Garrincha e, com a greve, não há previsão de atendimento no local, mesmo nos dias de jogos. Pela decisão tomada durante a assembleia, a categoria só atenderá flagrantes e serviços essenciais durante a paralisação.

O presidente do Sindicato dos Policiais Civis do DF, Rodrigo Franco, lamenta que o Executivo local não tenha levado uma nova proposta à categoria. “Havia uma expectativa de que o GDF apresentaria algo antes do início da assembleia, mas não recebemos nada, o que pareceu uma provocação do governo. A categoria está muito indignada e disposta a enfrentar tudo pela isonomia com a PF”, comenta o presidente da entidade. “Os policiais aceitam trabalhar sem estrutura, com armas defeituosas e com coletes vencidos, mas ninguém aceita trabalhar sem o reajuste igual ao da Polícia Federal”, acrescenta.

Os delegados da Polícia Civil também realizaram assembleia ontem, e o posicionamento foi por greve de 48 horas. “O governo apresentou uma proposta verbalmente, que nem chegou a ser formalizada. Sempre dissemos que não aceitamos quebrar a paridade com a PF”, alega o vice-presidente do Sindicato dos Delegados da Polícia Civil do DF, Rafael Sampaio. A categoria alega que, na gestão do ex-governador Agnelo Queiroz, não houve reajustes com a argumentação de que era preciso esperar o aumento da PF. “Seria injusto agora romper esse vínculo institucional, que é histórico. Dessa forma, fica inviável manter diálogo com o governo. Não é nosso objetivo causar prejuízos à sociedade, mas, infelizmente, os índices de criminalidade tendem a subir nesse período”, conclui Rafael.

 

Economia

O chefe da Casa Civil do GDF, Sérgio Sampaio, assumiu o papel de negociador do governo nas conversas com a Polícia Civil. Ele afirma que o Executivo local reconhece a legitimidade das reivindicações da categoria, mas, neste momento, não tem condições de fornecer o aumento pleiteado. “Sem levar em conta qualquer reajuste para a segurança pública ou os aumentos que devem ser pagos a partir de outubro a 32 categorias, ainda faltam mais de R$ 1 bilhão para o governo conseguir fechar as contas”, afirma Sampaio.

Diante disso, a equipe econômica vetou qualquer proposta acima da ofertada esta semana aos policiais. “Fizemos um esforço enorme para fechar essa proposta e está difícil avançar. A equipe econômica mostrou que seria complicado”, disse o chefe da Casa Civil. Além do reajuste isonômico com a PF, os agentes cobram investimentos na corporação e contratação dos concursados. Em junho, o governador Rollemberg anunciou a admissão de 155 servidores, entre agentes e escrivães.

 

Militares

A PM e os bombeiros também reivindicam o mesmo reajuste concedido à PF, pois esse foi o percentual assegurado às Forças Armadas. O vice-presidente da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares (Aspra), Manoel Sansão, adianta que a corporação “vai negociar democraticamente com o governo”. “Se o GDF não apresentar propostas, tudo pode acontecer”, alertou. Os PMs não podem fazer greve, mas, nos bastidores, existe articulação para a realização da Operação Tartaruga. “Na próxima segunda, teremos reunião com pessoas do governo. A PM quer aumento de 37%, como ocorreu com as Forças Armadas”, reivindica.

Em nota, o GDF reiterou “ser inaceitável que qualquer movimento sindical interrompa serviços essenciais à população”.

 

Memória

Paralisação recorrente

A mobilização dos policiais civis pelo reajuste salarial e por melhores condições de trabalho para a categoria se arrasta desde o início da gestão Rollemberg. Em 2015, os servidores da Polícia Civil do DF fizeram uma operação padrão em junho, para cobrar a contratação de concursados e a reestruturação da carreira, além do reajuste. Em setembro (foto), os agentes fizeram uma greve de 22 dias para exigir a isonomia salarial com a Polícia Federal. A categoria também voltou a pedir a nomeação de aprovados em concurso. A greve foi considerada ilegal pela Justiça, mas os policiais mantiveram o movimento. Três meses depois, em dezembro, eles voltaram a fazer greve, e a paralisação durou oito dias. A categoria reivindicava a suspensão do acordo firmado entre a Polícia Civil e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que previa a transferência de agentes policiais de custódia para a Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe).