Correio braziliense, n. 19428, 04/08/2016. Economia, p. 9

Sob ataque, Meirelles tenta manter a credibilidade

Acossado por críticas de que o governo tem cedido demais nas negociações com o Congresso, o ministro da Fazenda garante que o ajuste fiscal não está ameaçado

Por: Rosana Hessel

 

Nos últimos dias, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, adotou uma estratégia para se defender das críticas de que o ajuste fiscal, por enquanto, é só uma promessa. Diante dos primeiros sinais de desconfiança do mercado e das avaliações de que o governo cedeu demais nas negociações com o Congresso em torno do projeto que reestrutura da dívida dos estados — que teve a votação na Câmara dos Deputados adiada para a semana que vem — o ministro passou a dar seguidas entrevistas para afirmar que tudo está andando conforme o previsto.

“Não há recuo. Os termos propostos pelo governo para a reestruturação da dívida foram mantidos. E a contrapartida do teto de gastos para os governos estaduais está preservada”, disse Meirelles ontem, após antecipar a volta do Rio de Janeiro, onde participou de um evento, para Brasília. Para dar o recado, o ministro concedeu entrevista  na portaria da Fazenda, algo que não costuma fazer.

Na véspera, o relator do projeto, deputado Espiridião Amin (PP-SC), avisou que pode retirar da proposta uma série de exigências feitas aos estados. Poucos minutos depois, Meirelles chamou a imprensa a seu gabinete para dizer que o governo não havia cedido em pontos essenciais. Ontem, ele reforçou que o que está em discussão são assuntos relacionados a definições do gasto de pessoal na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), incluídos no projeto a pedido dos governadores. Fontes do governo informaram que Temer decidiu liderar as conversas com Amin.

Com as declarações, Meirelles conseguiu reverter a alta das taxas dos contratos de juros futuros, que refletia a piora na confiança no governo. Um dos mais negociados, com vencimento em 2021, abriu com taxa de 12,05% ao ano e atingiu 12,20% no fim da manhã, mas encerrou a sessão em 12,08%. A Bolsa de Valores de São Paulo abriu em baixa, mas se recuperou e fechou com ganho de 1,63%. O dólar ensaiou subir, mas terminou o dia em queda de 0,42%. Alguns analistas, contudo, atribuíram a melhora mais ao ambiente externo favorável que a atitude do ministro.

“Meirelles está tentando moldar as expectativas do mercado. Mas desconfiança sempre haverá porque a situação fiscal é muito ruim. Ela demanda medidas ambiciosas e Temer não tem capital político para fazer tudo de uma vez, por isso há consenso que o ajuste não será grande.”, avaliou o diretor para a América Latina do Eurasia Group, João Augusto de Castro Neves.

Na avaliação da economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, Meirelles se preocupa em não perder a credibilidade perante o mercado. “A impressão de que que o governo está tendo que ceder para aprovar o projeto da renegociação da dívida gerou descontentamento. Mas nem dá para dizer que o clima azedou, porque o Brasil acabou se beneficiando da melhora lá fora ontem”, destacou.

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Alta de impostos na agenda

 

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou ontem que o aumento de tributos será a saída para equilibrar as contas públicas caso a arrecadação do governo não se recupere, mas que essa não é a solução ideal. Ele disse que uma decisão da equipe econômica sobre uma eventual elevação de impostos para 2017 será tomada dentro do prazo legal, ou seja, até o envio do Orçamento da União para o próximo ano ao Congresso, que deve ser feito até o fim deste mês. Além disso, garantiu, a alta seria por tempo definido.

“Se for necessário algum aumento de imposto, vamos procurar fazê-lo da forma mais pontual possível — e que seja temporário”, disse o ministro, ontem, em evento no Rio de Janeiro. Segundo ele, a retomada da confiança pode ajudar a recuperar o crescimento da economia e a arrecadação tributária. “O que não vamos ceder é em cumprir a meta fiscal”, declarou.

O país, segundo Meirelles, vive a maior recessão desde 1901, mas já há sinais de recuperação da atividade, como a alta de 1,1% da produção industrial em junho. Ele destacou que analistas já preveem elevação de até 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano e reafirmou que a decisão do governo de estabelecer uma meta de deficit de R$ 170,5 bilhões este ano não significou relaxamento fiscal. “É como um problema de saúde. A primeira coisa é fazer o diagnóstico correto, reconhecer a realidade. A boa notícia é que já começamos a funcionar”, comparou.

O ministro voltou a negar que o governo tenha recuado na renegociação da dívida dos estados com a União. Segundo ele, o ponto fundamental do acordo é a limitação do crescimento das despesas dos entes da Federação, da mesma forma que será feito no caso da União, caso seja aprovada a proposta com esse objetivo, que está em discussão no Congresso.

 

Confiança

Meirelles disse confiar na aprovação da proposta de emenda à Constituição que determina um teto de gastos para o governo. A PEC, já encaminhada ao Congresso, seria a primeira medida importante no sentido de por em marcha o ajuste fiscal. O projeto determina que as despesas públicas tenham como limite de crescimento apenas a inflação registrada no ano anterior. Ele afirmou ainda que a reforma da Previdência, em discussão no governo, é necessária para garantir a sustentabilidade do sistema.

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Trabuco pede urgência

 

O presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, cobrou ontem “senso de urgência” para o Brasil sair da crise. Segundo o executivo, governo e setor privado devem “pensar e ser mais rápidos”, o que significa “colocar o senso de urgência em tudo”, para o país sair da recessão.

“Na recessão todos perdem, principalmente aqueles que perdem seus empregos”, declarou, na abertura do evento “Pensamentos Olímpicos sobre a Economia Brasileira”, na capital fluminense. A manifestação do presidente da segunda instituição financeira privada do país faz coro com os analistas que, nas últimas semanas, vêm manifestando preocupação com a demora na aprovação de medidas efetivas para por fim ao desequilíbrio nas contas públicas.

O mercado financeiro deu um crédito de confiança à equipe de governo nomeada pelo presidente interino, Michel Temer, mas começa a mostrar inquietação com as concessões que o governo tem feito a setores da sociedade em troca de apoio político. São os casos dos aumentos salariais concedidos a servidores públicos federais e da renegociação da dívida dos estados.

A participação de Trabuco em evento sobre a Olimpíada aconteceu menos de uma semana após o executivo virar réu em ação penal por suposta prática de corrupção para obter vantagens no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão que avalia recursos de contribuintes contra débitos com o Fisco. As investigações ocorrem no âmbito da Operação Zelotes, da Polícia Federal.