Correio braziliense, n. 19428, 04/08/2016. Saúde, p. 14

Droga inibe o crescimento do câncer de pulmão

A substância poderá ser usada contra um dos tipos mais comuns da doença e ainda sem tratamento eficaz

Por: Isabela de Oliveira

 

O câncer de pulmão é responsável por cerca de um terço de todas as mortes provocadas por tumores malignos. Os adenocarcinomas — tipo de câncer pulmonar nas células não pequenas  — responde por até 40% dos diagnósticos da doença, mas poucos tratamentos estão disponíveis para tratá-los. Na revista Science Translational Medicine, um consórcio internacional de pesquisadores detalha um novo tratamento capaz de inibir a progressão do carcinoma utilizando um medicamento já testado em humanos nos Estados Unidos.

Com cientistas da Universidade de Cingapura e da Universidade de São Paulo (USP), Elena Levantini, pesquisadora sênior do estudo e professora na Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, identificou marcadores tumorais que permitem a identificação de quais pacientes com adenocarcinomas serão favorecidos pela nova droga. Um desses marcadores é a baixa expressão de C/EBPa, fator de transcrição que regula a expressão genética e a proliferação de células nos tecidos pulmonares.

A representante brasileira participou ativamente dessa etapa da pesquisa. Professora da USP, Daniela Basseres conta que se envolveu no projeto em 2002, durante o pós-doutorado no laboratório de Daniel Tenen, coautor do estudo e também pesquisador de Harvard. Inicialmente, ela descobriu que o C/EBPa está envolvido no desenvolvimento e na diferenciação dos pulmões. No entanto, ao investigar a função dessa proteína no câncer, Basseres constatou que ela também atua como um supressor da doença.

 


“Isso permitiu a geração de modelos animais geneticamente modificados e, neles, induzimos a perda de C/EBPa Por esse modelo, confirmamos que o C/EBPa atua de fato como um supressor tumoral, uma vez que a perda de expressão dessa proteína desencadeou o aparecimento de tumores pulmonares em 33% dos camundongos”, conta Basseres. O C/EBPa age restringindo a expressão de outra proteína, a BMI1. Conhecida por desencadear e manter o crescimento de cancros, essa molécula também está associada ao câncer de cólon, de mama, gástrico e à leucemia.

Para determinar a relação entre a duas proteínas, os investigadores alteraram células de adenocarcinoma humano a fim de que superexpressassem uma delas, o fator de transcrição C/EBPa. Quando isso ocorreu, os cientistas notaram a redução dos níveis de BMI1. Ao analisarem tecidos de 261 pacientes com cancro pulmonar nas células não pequenas, perceberam uma correlação inversa entre as duas moléculas: mais de 80% dos tecidos de doentes com níveis baixos de C/EBPa apresentaram expressão elevada de BMI1. No entanto, tecidos com pouca ou nenhuma expressão de C/EBPa, mas com níveis igualmente baixos de BMI1 pertenciam a pacientes com melhor prognóstico e maior chance de sobrevivência.

Efeitos confirmados

Os resultados foram validados em animais. Ao manipular a expressão da BMI1 em cobaias, os investigadores descobriram que a diminuição da expressão dessa proteína foi suficiente para inibir totalmente a formação de tumores e significativamente o crescimento tumoral. “Como a BMI1 é altamente expressa em muitos tumores além dos de pulmão, a terapia voltada para essa proteína pode deter boas promessas para muitos pacientes”, acredita a principal autora.

A droga PTC-209 é a aposta dos cientistas. Daniela Basseres explica que a pequena molécula derivativa do aminotiazol inibe a expressão da BMI1. “O mecanismo de ação desse inibidor, ou seja, como ele causa inibição da expressão de BMI1, ainda precisa ser determinado”, pondera. Levantini completa que outra substância parecida, produzida pela mesma companhia farmacêutica, está em testes de fase I nos Estados Unidos em humanos. “É importante dizer que ainda não podemos curar o câncer de pulmão, mas essa droga visa um gene altamente expresso em tumores e, por isso, não é uma quimioterapia generalizada, mas molecularmente sintonizada para combater um oncogene, contribuindo para frear o crescimento do tumor”, completa a líder da pesquisa.