Título: Brasil fala grosso, mas não altera jogo
Autor: Ribas, Silvio; Hessel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 30/10/2011, Economia, p. 19

Dilma vai defender maior poder a emergentes, porém a guerra de interesses será obstáculo.

Nas primeiras viagens oficiais que fez ao exterior, a presidente Dilma Rousseff deixou claro o desejo do Brasil de cobrar do G-20 — grupo dos 20 maiores mercados do planeta e do qual o país é um dos maiores defensores — mais poder para os emergentes. Ela avisou que a Europa pode até contar com a ajuda financeira brasileira para superar sua crise, mas deseja vincular tal oferta a um maior peso nacional nas decisões sobre os rumos da economia global. Em recentes eventos mundo afora, a presidente aproveitou para apresentar, como modelo a ser seguido, a solução do Brasil para superar turbulências econômicas por meio da inclusão social. "O equilíbrio macroeconômico e fiscal não é incompatível com a geração de emprego e oportunidades", tem repetido Dilma.

Ela voltará a defender nas reuniões de líderes em Cannes, nesta semana, mais regulação para o sistema financeiro internacional e a reforma do comando dos organismos multilaterais. Mas também baterá na tecla de que os países já em dificuldades correm sério risco de recessão prolongada, com reflexos no resto do mundo, caso adotem programas austeridade exagerados. "Na verdade, o alerta da presidente reflete o medo dos emergentes de sofrer as consequências da desaceleração global", avalia Sandra Polónia Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes).

A economista acredita que o Brasil pode até "falar grosso" sobre mudanças do sistema financeiro, mas dificilmente conseguirá influir sobre os rumos da macroeconomia internacional. As razões disso começam com as diferenças de interesses entre os próprios emergentes, sobretudo China e Brasil, e das contradições da própria política econômica. "A presidente condena o protecionismo na ONU, mas adota medidas claramente protecionistas para a indústria automotiva instalada no país", exemplifica. Contudo, do lado financeiro, por manter câmbio flutuante e pagar caro por isso, com a valorização do real, o país ainda tem "cacife moral" para cobrar ajustes de China e Estados Unidos nessa área.

Marta Castello Branco, também do Cindes, acha que grandes emergentes, como o Brasil, já ampliaram o peso político na cena global em razão de suas notórias taxas de crescimento e dos seus atraentes mercados consumidores. Mas ela lembra que a influência mundial ainda depende de como vão lidar com os desafios domésticos, muitos relacionados à própria expansão. A inflação (que hoje chega à casa de 6% na China, 7% no Brasil e 9% na Índia) é, sem dúvida, o maior deles.

Paralisia Maurício Pedrosa, sócio da gestora de ativos Queluz, tem uma visão mais otimista. Ele diz que os indicadores econômicos do Brasil e de outros emergentes falarão mais alto. Assim que as tensões das bolsas de valores se distanciarem, ele acha que os investidores buscarão novas oportunidades de investimento. "É óbvio que o maior perigo para os países em desenvolvimento está numa paralisia das economias industrializadas. Mas também é verdade que o mercado brasileiro é bem mais expressivo hoje, com 30 milhões de novos consumidores", disse. A seu ver, o maior desafio para a presidente Dilma é tornar o ambiente econômico brasileiro ainda mais atraente diante da "guerra mundial por empregos" que se avizinha.

Na avaliação do secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Gurría, o Brasil e o G-20 não terão como fugir da crise da Europa, que provavelmente será o principal tema das discussões. Ainda assim, ele vê no encontro uma chance de os emergentes se destacarem, até por não compartilharem dos mesmos problemas fiscais. A maior preocupação de países como o Brasil está mesmo é na desaceleração da economia global, quando os três maiores polos — Estados Unidos, União Europeia e Japão — mostram dificuldades. "Tudo está integrado. Uma expansão menor de China e Índia terá impacto no comércio mundial", sentencia Gurría.

Para Gurría, o Brasil terá até chance de avançar em outros temas, como o de biocombustíveis e estímulos ao desenvolvimento de países mais pobres. Tudo vai depender, contudo, dos desdobramentos da crise europeia e da reação dos mercados nos próximos dias.

Agenda fechada Dois dias antes da chegada dos líderes do G-20 a Cannes, diplomatas e economistas dos países do grupo terão a tarefa de definir os temas efetivos dos debates. No primeiro dia, o embaixador Valdemar Carneiro Leão, subsecretário-geral de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério das Relações Exteriores, defenderá o que a presidente Dilma Rousseff vai negociar na França. Na sequência, ele e Carlos Cozendey, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, fecharão a agenda.

PAPEL DO FMI NO CENTRO DO DEBATE A reunião de cúpula dos chefes de Estado e de governo do G-20 foi precedida de outros encontros preparatórios de autoridades ao longo do ano. O mais importante ocorreu há 15 dias, quando ministros de Finanças e presidentes dos bancos centrais avaliaram a crise europeia antes do posicionamento dos líderes de seus países. Representado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pelo presidente do BC, Alexandre Tombini, o Brasil foi um dos primeiros, e o mais enfático dos países, a defender o Fundo Monetário Internacional (FMI) como instrumento para permitir participação dos emergentes na capitalização de economias europeias. Todavia, a França, presidente rotativa do G-20, aproveitou para dar mais ênfase à sua bandeira de controle da especulação com commodities.