Lula se torna réu pela primeira vez

 

30/07/2016
Eduardo Militão

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva virou réu, pela primeira vez, na Operação Lava-Jato. Político que alcançou os maiores índices de popularidade no Palácio do Planalto, o petista vai responder à ação penal por determinação do juiz da 10ª Vara Federal de Brasília Ricardo Soares Leite. Às 14h21 de ontem, o magistrado recebeu denúncia que acusa Lula e seis réus, como o ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS), o banqueiro André Esteves e o pecuarista José Carlos Bumlai, de tentarem comprar o silêncio do ex-diretor de Internacional da Petrobras Nestor Cerveró. Os outros denunciados na ação penal são o ex-advogado do ex-dirigente da petroleira Edson Ribeiro, o ex-assessor parlamentar Diogo Ferreira e Maurício Bumlai, filho do pecuarista e amigo de Lula.
Os advogados do petista, Roberto Teixeira e Cristiano Zanin, insistiram que ele “jamais interferiu ou tentou interferir em depoimentos relativos à Lava-Jato” e que, no fim do processo, “sua inocência será certamente reconhecida”. Em São Paulo, Lula não comentou o caso especificamente e voltou a dizer que não é dono do sítio em Atibaia (SP) e do tríplex no Guarujá (SP). O advogado de Bumlai, Conrado Gidrão Prado, disse ao Correio que o pecuarista jamais pagou qualquer valor a Cerveró. A defesa de Edson Ribeiro também negou participação no esquema. Os demais réus não foram localizados.

De acordo com o juiz Ricardo Leite, a acusação feita originalmente pela Procuradoria-Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal tem “justa causa” para se tornar uma ação criminal, “evidenciada pelas referências na própria peça acusatória aos elementos probatórios acostados a este feito”. “A princípio, demonstram lastro probatório mínimo apto a deflagrar a pretensão punitiva proposta em juízo”, avaliou o magistrado. Ele deve receber a defesa prévia dos réus nos próximos dias e, depois, marcar os interrogatórios das testemunhas da acusação e da defesa na ação penal, aberta ontem à tarde.
Segundo a denúncia, Lula, Bumlai e Maurício pagaram R$ 250 mil, por meio de Delcídio, Ferreira e Ribeiro para a família de Cerveró em 2015 a fim de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras. O ex-presidente seria o mentor da tentativa de calar o ex-dirigente da petroleira e evitar sua delação premiada. Mas a tentativa não deu certo e Cerveró se tornou um dos mais de 60 colaboradores da Operação Lava-Jato. O ex-presidente foi denunciado por embaraço à investigação com o agravante de quem “promove, ou organiza a cooperação no crime, ou dirige a atividade dos demais agentes”.
Depois de ser preso, Delcídio afirmou em colaboração premiada que se reuniu com o ex-presidente, em maio de 2015, no Instituto Lula. O petista “manifestou grande preocupação” com eventual delação de Cerveró, que estava em negociação, segundo o ex-senador — que teve o mandato cassado após seus depoimentos acusando políticos se tornarem públicos. “Lula expressou que José Carlos Bumlai poderia ser preso em razão das colaborações premiadas que estavam vindo à tona, particularmente de Fernando Baiano e de Nestor Cerveró e que, por conta disso, José Carlos Bumlai precisava ser ajudado”, narrou Delcídio aos investigadores. Áudios de conversas entre o assessor do ex-senador e Maurício Bumlai, comprovantes de saques em agências bancárias e depoimentos embasam a acusação contra o petista e os demais réus.

“Garantias”

Os advogados de Lula disseram ontem, em nota, que o petista “já esclareceu ao procurador-geral da República, em depoimento, que jamais interferiu ou tentou interferir em depoimentos relativos à Lava-Jato”. Teixeira e Zanin consideram que as provas são baseadas “exclusivamente em delação premiada de réu confesso e sem credibilidade — que fez acordo com o Ministério Público Federal para ser transferido para prisão domiciliar”. “Lula não se opõe a qualquer investigação, desde que realizada com a observância do devido processo legal e das garantias fundamentais.”
A defesa de Bumlai afirma que ele “jamais” pagou qualquer valor à família de Cerveró, ainda que por pessoas ligadas a ele. Conrado Prado avaliou que o recebimento da denúncia é apenas “uma decisão protocolar”. “Cerveró já disse que nunca tratou com Bumlai de qualquer irregularidade”, afirmou ele.
O advogado Marcos Crissiuma, que defende Edson Ribeiro, comentou que seu cliente sequer poderia interferir para impedir a delação de Cerveró quando era defensor do ex-diretor da Petrobras. “Edson jamais contrariou os interesses de seu cliente e nunca participou das tratativas ou depoimentos de Cerveró no âmbito da delação”, justificou.

Quem é quem

Processo criminal vai apurar acusação de obstrução à Justiça. Os réus negam  as acusações, à exceção dos que fecharam delação premiada

Lula
Apontado como mentor da tentativa de calar Nestor Cerveró e evitar a delação premiada dele. Foi denunciado por embaraço à investigação criminal com o agravante de quem “promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes”


José Carlos Bumlai e Maurício Bumlai
Pai e filho são considerados participantes no esquema de compra de silêncio por meio do pagamento do ex-advogado de Cerveró



Delcídio Amaral e Diogo Ferreira

O ex-senador disse que atendeu a pedido de Lula para silenciar Cerveró após reunião com ele, em 2015, no Instituto Lula. Ele disse ter intermediado, com ajuda de seu assessor Diogo Ferreira, os pagamentos para o advogado do ex-diretor com apoio dos Bumlai. O ex-parlamentar e seu assessor fecharam acordo de colaboração premiada.


Edson Ribeiro
Ex-advogado de Cerveró, é apontado como receptor do dinheiro para garantir que o ex-dirigente da Petrobras não denunciaria novos esquema de corrupção na estatal


André Esteves
O dono do BTG Pactual “recebeu favores estatais” nos contratos com a Petrobras e, em troca, ajudou nos pagamentos ao advogado de Cerveró, diz a denúncia. O objetivo era também proteger Esteves de acusações de Cerveró em uma eventual delação.

 

Correio braziliense, n. 19423, 30/07/2016. Política, p. 2