Correio braziliense, n. 19434, 10/08/2016. Política, p. 2

Senado decide levar Dilma a julgamento

Por 59 a 21, senadores aprovam o parecer de Antonio Anastasia e presidente afastada vira ré no processo de impeachment. Votação definitiva deve ocorrer no fim de agosto, depois das Olimpíadas do Rio de Janeiro

Por: Eduardo Militão, Julia Chaib, Paulo de Tarso Lyra, João Valadares e Naira Trindade

 

Após mais de 17 horas de sessão, o Senado decidiu levar a julgamento definitivo a presidente afastada, Dilma Rousseff. Na madrugada de hoje, à 1h25, a maioria dos senadores aprovou a chamada “pronúncia” da petista, fora do cargo desde 12 de maio, pela presença de indícios de crimes de responsabilidade. Foram 59 votos favoráveis e 21 contrários — Renan Calheiros, presidente do Senado, optou por não votar. Dilma agora é ré no processo de impeachment.

O resultado revela um enfraquecimento ainda maior de Dilma no Senado. Em maio, foram 55 votos a favor da admissibilidade do processo de afastamento e 22 contra — agora, o senador João Alberto Souza (PMDB-PA) mudou de posição e ficou contra a petista. Para apressar a votação, vários senadores abriram mão dos discursos. Ao todo, 47 foram à tribuna defender a posição. Ainda não é o julgamento final de Dilma, mas, politicamente, significa qual será o desfecho do caso. O número de votos é superior aos dois terços necessários para o impeachment da presidente. A petista é acusada de crime de responsabilidade por editar decretos orçamentários sem autorização do Congresso e atrasar pagamento de subsídios para agricultores atendidos pelo Plano Safra no Banco do Brasil, as chamadas “pedaladas fiscais”.

Hoje, o autor da denúncia, Miguel Reale Jr., deve apresentar a acusação, antes do prazo final de 48 horas concedido para a exposição dos argumentos. Assim que o documento, chamado de libelo, for protocolado, a defesa terá outras 48 horas para apresentar a peça. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, terá, então, 10 dias no mínimo para, então, marcar a data da sessão do julgamento.

Por isso, os próximos passos do processo devem ocorrer depois das Olimpíadas, que se encerram em 21 de agosto. O julgamento final deve durar cinco dias, embora o calendário ainda não seja um consenso entre o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o Palácio do Planalto, interessados em apressar o processo, e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que comanda as sessões.

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF), que ainda não tinha externado o voto publicamente, afirmou, durante discurso na tribuna do Senado, que votaria pela pronúncia de Dilma. “A presidente tinha um mandato. Seu governo e seus partidos estavam desmoralizados pela corrupção. Eu queria ajudar uma presidente que havia ganhado o mandato nas urnas. Fracassei”, afirmou.

O senador brasiliense contou que, nos últimos dois meses, esteve quatro vezes com a presidente Dilma. “Foram conversas agradáveis, refinadas culturalmente, mas inócuas, sem a confiança de que a volta de Dilma seja positiva”, salientou.

Cristovam falou que, desde o início do processo, avisou que votaria pelo que fosse melhor para o Brasil. “E não no que me fosse mais simpático, mesmo que isso significasse suicídio político e sentimental. Resisti às pressões, mas não manifestei meu voto. Voto sim pelo fim do aparelhamento, pela quebra da Petrobras e pela falta de vigor para transformar”, concluiu.

Cassado em 1992, o senador Fernando Collor (PTC-AL) não revelou como votaria ao discursar. “O resultado do governo afastado foi um autêntico portfólio de desastres”, afirmou. “O governo Dilma tornou-se apartado da população, descolado da sociedade. Se participação da chefe do Executivo foi comissiva ou omissiva, haverá um juízo. Na omissão, permitiu-se de forma tácita a infração de lei federal.”

O senador Magno Malta (PR-ES) tripudiou com o PT. Ele silenciou por 30 segundos em seu discurso na tribuna em respeito ao “sepultamento deste partido”. Pedro Chaves (PSC-MS) — que era suplente do ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS), cassado após confessar crimes e denunciar seus colegas do Congresso — anunciou que votaria a favor da pronúncia de Dilma. Chaves disse que sua posição não se devia a pressão. “Sigo a orientação dos fatos e da minha consciência, mas também não sou surdo à opinião pública”, afirmou. Para ele, o país precisa andar “na direção da construção de um Brasil mais desenvolvido, democrático e justo”.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) terminou o discurso criticando a postura dos que consideram que Dilma cometeu algum crime de responsabilidade. “Hipócritas, hipócritas”, repetiu. O senador Humberto Costa (PT-PE) disse que a presidente afastada foi vítima da “maior sabotagem política e econômica do Brasil” com o único objetivo de “tirar a presidente e interromper o projeto que ela representava”.

 

Estratégia

Ao passo que senadores favoráveis ao impeachment retiravam seus nomes da lista de discurso para acelerar a votação, Cardozo definiu como estratégia de defesa a apresentação em destaques à votação de três preliminares para serem analisadas antes do relatório principal do senador Anastasia: uma de que não seria possível julgar Dilma pelas contas de 2015, já que essas ainda não foram votadas pelo plenário do Congresso; segundo, a ausência na Constituição de um artigo, que constava na Carta Magna anterior, que embasaria o crime das pedaladas fiscais; por fim, um pedido de afastamento do senador Anastasia, por ele ser do mesmo partido dos autores do requerimento do impeachment. As preliminares acabaram rejeitadas por 59 a 21. Além disso, o advogado apresentou outros quatro destaques, que também acabaram rejeitados.

Cardozo também pretende questionar em outro momento, inclusive à Corte Interamericana de Direitos Humanos, a antecipação de votos por alguns senadores. O advogado alegará também que Anastasia extrapolou o escopo da denúncia no relatório. “Não foi para essa acusação que eu me preparei”, disse. Ontem, os deputados petistas Paulo Teixeira (SP), Paulo Pimenta (RS) e Wadih Damous (RJ) anunciaram que protocolaram denúncia na Organização dos Estados Americanos (OEA). Eles alegam que os senadores anteciparam seus votos antes do julgamento de Dilma, ou seja, não estariam dispostos a ouvir e a considerar os argumentos da defesa da presidente afastada.

 

Os próximos passos

Depois das Olimpíadas, o processo contra Dilma vai avançar no Congresso

 

» 25 ou 26 de agosto

São as duas datas ainda indefinidas que podem dar início do processo de votação final em plenário sobre o afastamento definitivo de Dilma Rousseff.

 

» Entre 29 e 30 de agosto

O término do processo no plenário do Senado deve ocorrer até dia 30, segundo o Palácio e o Senado, embora no STF se aposte num prazo até mais longo.

 

» 2 de setembro

É quando o presidente em exercício, Michel Temer, embarca para a China para representar o país no G-20, que ocorre entre 4 e 5 de setembro. Ele deseja ir ao evento confirmado no cargo.