Correio braziliense, n. 19434, 10/08/2016. Brasil, p. 6

Merenda indigesta

CPI que apura desvios nos recursos da alimentação escolar em São Paulo tem bate-boca e pressão sobre delegados que investigam o caso. TV da Assembleia não transmitiu sessão

 

Deputados da base do governo Geraldo Alckmin (PSDB) na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) pressionaram, durante a sessão da CPI da Merenda, ontem, os três delegados de Bebedouro, no interior paulista, que iniciaram as investigações sobre a máfia acusada de superfaturamento e pagamento de propinas em contratos da Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf) com o governo estadual e prefeituras paulistas.

Parlamentares do PSDB, PMDB e PTB questionaram os delegados chamados pela CPI para explicar as denúncias surgidas no âmbito da Operação Alba Branca porque eles deram sequência à investigação ainda em 2015, mesmo tendo sido avisados pelos delatores, que os recursos supostamente desviados da Coaf são do governo federal — o que seria competência da Polícia Federal investigar — e, após denúncias de políticos com foro privilegiado, como o presidente da Alesp, Fernando Capez (PSDB)

Roque Barbieri (PTB) e Carlos Pignatari (PSDB) indagaram ainda os delegados sobre denúncias de abuso de autoridade e ameaças a depoentes presos pela Alba Branca, com o objetivo de “forçar” uma delação e direcionar o rumo das investigações.

Segundo os deputados, as suspeitas são investigadas pela Corregedoria da Polícia Civil e pelo Conselho do Ministério Público Estadual (MPE), já que promotores também participaram ativamente da operação.

“Há um entendimento de que a verba pode ser federal, mas a atribuição fica na Justiça comum quando ela ingressa nos cofres do município. Só ao final das investigações tomamos conhecimento de que os recursos saíam de um fundo federal mesmo e por isso o processo foi remetido para a Procuradoria e para a Polícia Federal”, explicou o delegado Mario José Gonçalves, do 1.º Distrito Policial de Bebedouro, onde funciona a Coaf.

Ainda segundo ele, “nenhum deputado ou agente com foro privilegiado foi investigado” pela operação. “As informações simplesmente chegaram e nós demos o devido encaminhamento. Se a gente seguisse com a investigação, poderia anular tudo que já havíamos feito. Por isso, a gente fez o correto”, completou Gonçalves.

Além de Capez, os deputados estaduais Luiz Carlos Gondim (SD), Fernando Cury (PPS) e federais Baleia Rossi (PMDB), Duarte Nogueira (PSDB) e Nelson Marquezelli (PTB) foram citados como beneficiários da propina paga pela Coaf. Todos negam as acusações.

 

O delegado seccional de Bebedouro, José Eduardo Vasconcelos, disse ainda que todos os depoimentos da Alba Branca foram gravados em vídeo e áudio, cujas cópias foram enviadas para o Ministério Público Federal (MPF) e Tribunal de Justiça de São Paulo. “Pelo que eu tenho conhecimento, não ocorreu (abuso de autoridade). Na minha presença, não ocorreu. Todos os depoimentos estão em áudio e vídeo, material bruto. Basta analisar para constatar se houve”, disse.

 

Polêmica

As explicações, contudo, não convenceram parlamentares governistas. Mais exaltado, o deputado Barros Munhoz (PSDB) cobrou os delegados pelo fato de as investigações envolvendo prefeituras não terem avançado como a que envolveu a Secretaria Estadual da Educação, do governo Alckmin. “Os senhores estão prevaricando até hoje com desculpas pueris, ofendendo a dignidade dos deputados de São Paulo”, gritou Munhoz. “Eles sabem do que estão dizendo que não sabem”, criticou.

“Se for para continuar ouvindo esse tipo de impropério, a gente vai sair”, respondeu o delegado Vasconcelos. “Quem não vai ficar aqui sou eu, porque senão vou vomitar”, rebateu Munhoz, antes de se retirar da sala.

Pouco tempo depois, por volta das 13h50, a sessão da CPI acabou por falta de quórum. Após o término, o presidente da CPI, Marcos Zerbini (PSDB) pediu desculpas aos três delegados de Bebedouro.

Deputados da oposição criticaram o presidente da comissão pelo fato de a sessão não ter sido transmitida pela TV Alesp. “É mais uma tentativa de restrição e blindagem dessa CPI”, criticou Alencar Santana (PT). “Neste momento o mais importante que está acontecendo nesta Casa é essa comissão”, completou. Zerbini disse que é praxe na Casa não transmitir CPIs pela TV, a não ser que seja solicitado por algum parlamentar.