Título: Embriagados, mas sem prova
Autor: Bernardes, Adriana; Paranhos, Thaís
Fonte: Correio Braziliense, 30/10/2011, Cidades, p. 31

Dados inéditos do Batalhão de Trânsito da PM revelam que quase 80% dos motoristas parados em blitzes se recusam a fazer exames para atestar o grau de alcoolemia. Entre os que se submetem ao teste, quase metade apresenta nível de álcool considerado crime.

A proibição de dirigir alcoolizado é reiteradamente desrespeitada no Distrito Federal. E quem ignora a lei também faz de tudo para escapar da punição. Dos 5.109 condutores abordados pelo Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran) no ano, 3.976 (77,8%) se recusaram a assoprar o bafômetro ou a fazer o exame de sangue para atestar o grau de alcoolemia. Não escaparam por completo da punição, pois os policiais emitiram um auto de constatação por notórios sinais de embriaguez.

Os dados revelam uma situação ainda mais grave. Quase metade dos motoristas submetidos ao bafômetro apresentaram concentração superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar expelido dos pulmões, ou seja, cometeram o crime de assumir o volante sob o efeito de bebida. As estatísticas incluem só as abordagens realizadas pelo BPTrans, pois o Departamento de Trânsito (Detran) e o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) não fazem esse tipo de detalhamento.

Na noite da última quinta-feira, o Correio acompanhou uma blitz do BPTran na Quadra 100 do Sudoeste. Percebeu que muitos motoristas fogem ou se recusam a fazer o teste. Um condutor, por exemplo, tentou escapar do cerco policial. Mas os militares o perseguiram e constataram a embriaguez. Ele se recusou a fazer o exame e acabou autuado do mesmo jeito.

A estudante Juliana Carvalho da Silveira, 35 anos, moradora do Cruzeiro, rejeitou a avaliação, mas garantiu que não bebeu. "Eu faço o uso de glicose. Com certeza, vai dar alguma alteração, mas, como estou sem o remédio ou a receita aqui, não tenho como provar que não bebi", argumentou. Como se recusou a fazer o teste, ela foi notificada. Receberá uma multa de R$ 957. "Estava levando a minha amiga em casa, não bebi, mas optei por não fazer o teste por causa do meu problema de saúde."

O pedido para que se submetesse ao bafômetro irritou um homem que não quis se identificar. "Eu não bebi e entreguei toda a documentação. Acho uma perda de tempo e desperdício de material fazer o teste para comprovar isso, enquanto outros estão por aí dirigindo alcoolizados", justificou. Por fim, ele aceitou fazer o teste e comprovou que não havia ingerido bebida alcóolica.

Recorde Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que a sensação de impunidade pode ser o motivo dos recordes de autuação. No DF, ela tem sido alimentada de duas formas. Primeiro, com menos agentes e policiais militares do BPTran nas ruas. Depois, com a demora em suspender a habilitação de quem ignora a legislação. "Quando a lei entrou em vigor, eram cerca de 40 homens por noite. Agora, atuamos com 18. Assim como para o Detran, a falta de efetivo é um problema para nós", afirmou o major Roberto Roballo, subcomandante do BPTran.

Mas nem mesmo o arrefecimento da fiscalização faz o número de autuações despencar. Em 2010, foram 10.002, um aumento de 46% em relação a 2009, quando houve 6.838 registros no auge do rigor do combate à alcoolemia ao volante. Até o último dia 24, os órgãos envolvidos nesse tipo de trabalho realizaram 8.082 flagrantes.

Entre janeiro e setembro, 3.355 condutores tiveram a habilitação suspensa por desobedecer à legislação. O diretor-geral do Detran, José Alves Bezerra, informou que os servidores da área zeraram os processos antigos e, agora, priorizam os casos de quem acumulou mais de 20 pontos. "Hoje, quem é pego alcoolizado ao volante é chamado na mesma semana para assinar o processo. Já os casos de pontuação na carteira a prioridade são os de 2008 para cá para não prescrever o prazo de punição."

Duas decisões, uma do Supremo Tribunal Federal (STF) e outra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), beneficiaram os infratores (leia Para saber mais). Titular da 1ª Vara de Delitos de Trânsito, o juiz Gilberto Pereira de Oliveira diz que no primeiro ano da lei seca chegavam, em média, 100 processos criminais por semana de condutores flagrados. Agora, não passa de 20 por semana. "No começo, a pessoa ainda fazia o teste. Ao descobrir que não era obrigada, ela passou a se recusar. É uma coisa ensinada de boteco em boteco", afirmou.