Correio braziliense, n. 19412, 19/07/2016. Cidades, p. 19

Saúde centraliza nova crise no governo

Enquanto Rollemberg reclama da postura de integrantes do governo ante denúncias de corrupção, oposição se reúne para turbinar a CPI da Saúde. Vice-governador será chamado para prestar esclarecimentos. Contratação de organizações sociais alimenta embate político

Por: Helena Mader e Otávio Augusto

 

As gravações da presidente do Sindicato dos Servidores da Saúde (SindSaúde), Marli Rodrigues, bombardearam a relação entre governador e vice. Nos bastidores, o clima já era de desconforto. Rodrigo Rollemberg (PSB), em entrevistas, ontem, não escondeu o descontentamento com Renato Santana (PSD). O chefe do Buriti afirmou que está decepcionado com a “deslealdade” com a gestão. A crise deixou o governo vulnerável a ataques na CPI da Saúde, liderada pela oposição. Em reação às denúncias, a Câmara Legislativa fez uma convocação extraordinária para investigar o caso durante o recesso, o que colaborou para deteriorar o clima político. Santana será convidado a prestar esclarecimentos na Casa. Marli Rodrigues já foi convocada e deve comparecer na próxima quinta-feira. A repercussão pode atrapalhar os planos do governo em contratar organizações sociais (OSs) para gerir unidades da Secretaria de Saúde.

A polêmica começou na semana passada, com a divulgação de conversas gravadas pela presidente do SindSaúde com interlocutores do governo. Em um dos áudios, Santana admite saber da existência de um repasse de propina no valor de 10% dos contratos de serviços da Secretaria de Fazenda. Na gravação, a sindicalista diz ainda ter conhecimento de um esquema similar na Secretaria de Saúde, que chegaria a 30%. O governador Rodrigo Rollemberg (PSB) determinou que a Controladoria-Geral do DF apure o caso e garantiu que a Polícia Civil abriu investigação. O chefe do Executivo também entrou com uma queixa-crime contra Marli Rodrigues.

O PSB-DF, partido do governador, divulgou nota para defendê-lo das especulações. Para o comando da legenda, as denúncias têm relação com a decisão de Rollemberg de enfrentar “interesses poderosos e escusos”. “Recentemente, o governo propôs, entre outras ações, a implantação de organizações sociais no atendimento primário à saúde. Esse modelo de gestão tem causado reações desproporcionais por parte de alguns sindicalistas que, a todo momento, tentam confundir a população e os servidores da saúde com informações equivocadas”, argumenta o PSB.

A decisão da Câmara Legislativa de fazer uma convocação extraordinária desagradou ao governo. A determinação agora é dar explicações convincentes para tentar esvaziar a mobilização dos deputados. A presidente da Casa, Celina Leão (PPS), determinou a convocação no recesso. Adversária de Rollemberg, ela aproveita a crise na saúde para desferir golpes contra o governo na CPI e projetar seus planos políticos. “A crise é extremamente grave e exige da Câmara uma resposta. Temos uma CPI da Saúde e ela precisa trabalhar nesse caso com urgência”, explicou Celina.

O secretário adjunto de Relações Institucionais do GDF, José Flávio de Oliveira, ficou surpreso com a convocação extraordinária para funcionamento exclusivo da CPI da Saúde. “Nunca vi isso. Normalmente, esse tipo de convocação é para que haja funcionamento pleno da Casa, inclusive do plenário. Mas se a Câmara decidiu assim, vamos nos curvar à vontade dos distritais e apresentar todas as explicações necessárias. É interesse do governo esclarecer esse caso”, disse José Flávio. “O vice-governador deve ser convidado. Ele não é obrigado a comparecer, mas está disposto a ir até a Câmara”, esclareceu o responsável pela articulação do GDF com a Câmara.

O líder do governo na Casa, deputado Júlio César (PRB), acredita que será preciso, em primeiro lugar, ouvir Marli Rodrigues e o vice-governador antes de definir os próximos passos da CPI da Saúde. “É papel dos deputados investigar a atuação do governo, independentemente de integrar a base ou a oposição. Estamos em uma situação confortável porque o governador está muito tranquilo com relação a isso”, comenta o parlamentar. A convocação extraordinária da Câmara valerá até 31 de julho e não haverá pagamento de salários extras por conta do trabalho durante o recesso. Em nota, Marli Rodrigues, do SindSaúde, informou que só vai se pronunciar sobre o episódio depois que os áudios gravados por ela “forem entregues a órgãos totalmente isentos e com competência para investigar os supostos crimes”.

 

Críticas

O Executivo local anunciou, no segundo semestre do ano passado, que a gestão de parte da saúde pública passaria a ser feita por organizações sociais (OSs). A fim de frear o avanço da medida, cerca de 20 sindicatos da área da saúde organizaram um movimento contra o projeto. Em 2 de agosto, o grupo realizará uma assembleia geral, em frente à unidade de pronto atendimento (UPA) de Ceilândia.

Além disso, as entidades protocolaram na Câmara o pedido de formação de uma frente parlamentar contra a implantação das organizações sociais e pressionam os deputados a aprovarem uma emenda à Lei Orgânica que proíbe o modelo de gestão. O Ministério Público (MPDFT), o Tribunal de Contas (TCDF), o Ministério Público de Contas (MPCDF) e o Ministério Público do Trabalho (MPTDF) já manifestaram contrariedade ao modelo de gestão. No próximo mês, o Conselho de Saúde do DF deve apresentar um projeto ao Executivo local que prevê a reformulação da atenção primária, mas sem a gestão das OSs.