Correio braziliense, n. 19410, 17/07/2016. Política, p. 2

A sina de agosto na política brasileira

O oitavo mês se caracterizou como o principal período de mudanças no país desde a proclamação da República, em 1889. Neste ano, os 31 dias prometem definir temas importantes, como a cassação do mandato de Eduardo Cunha e o impeachment de Dilma Rousseff

Por: Paulo de Tarso Lyra

 

Na mitologia política, agosto não costuma trazer boas notícias. Foi neste mês que Getúlio Vargas se suicidou em 1954; Jânio Quadros renunciou em 1961; Juscelino Kubitschek morreu em um acidente de carro em 1976; e Eduardo Campos, em um acidente de avião em 2014. O agosto de 2016 chega com uma dança das cadeiras que envolve o processo de cassação de Eduardo Cunha; a votação definitiva do impeachment de Dilma Rousseff; e o início efetivo de Rodrigo Maia (DEM-RJ) como presidente da Câmara. Pouco depois, no início de setembro, Cármen Lúcia assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), e Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Isso tudo em meio aos Jogos Olímpicos Rio 2016, que tiveram na última sexta-feira a segurança reforçada pelo governo federal em exercício, assustado com os atentados em Nice, na França, que deixou 84 mortos na quinta-feira. Esse caldeirão só torna mais delicada uma Olimpíada feita sob a sombra do zika vírus e dos sucessivos casos de violência no Rio de Janeiro. “Será um mês naturalmente tenso. Até porque algumas coisas que parecem consolidadas do ponto de vista político geram brechas e dúvidas do ponto de vista jurídico”, ressaltou a professora de ciência política da Fundação Getúlio Vargas Sônia Fleury.

A especialista cita, especificamente, a questão do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, e os pareceres dados pela consultoria do Senado isentando a petista do crime das pedaladas, o que embasa o pedido. “Embora seja praticamente irreversível o processo, isso poderá gerar questionamentos nas ruas e os movimentos sociais poderão voltar a protestar, de maneira organizada. Ou não organizada, o que será muito pior”, afirmou ela.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva retomou a agenda de viagens por Pernambuco e já avisou que intensificará o roteiro pelo Norte e Nordeste, regiões nas quais o presidente em exercício, Michel Temer, não tem uma popularidade consolidada. E integrantes dos movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e Sem Teto (MTST), devem voltar a protestar contra o que consideram um “golpe”. “No imaginário político da esquerda, a concretização do impeachment é antidemocrática e pode significar o enterro da Constituição Federal de 1988”, alertou o professor de direito constitucional da Universidade de Brasília Cristiano Otávio Araújo.

 

“Céu de brigadeiro”

Agosto também poderá sepultar de vez a carreira política de Eduardo Cunha, com a votação, no plenário da Câmara, do processo de cassação do mandato do peemedebista. Ele já perdeu em todas as instâncias políticas da Casa, foi afastado por unanimidade do mandato pelo Supremo Tribunal Federal (STF), não conseguiu eleger Hugo Mota (PB) para a liderança do PMDB e o seu grupo de apoio político naufragou na disputa pela Presidência da Câmara justamente para Rodrigo Maia. “Curiosamente, para destoar do senso comum, agosto poderá ser um céu de brigadeiro para Michel Temer”, afirmou o diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz.

Para Toninho do Diap, de uma só vez, Temer terá, à frente da Câmara, um deputado completamente afinado com a pauta liberal e de reformas econômicas que o Planalto deseja. “Além disso, tudo caminha para a consolidação efetiva do mandato de Temer como presidente do Brasil e, de quebra, Cármen Lúcia assume o STF no lugar de Lewandowski, tido por muitos como um magistrado próximo ao PT”, enumerou Toninho.

Esse “céu de brigadeiro” previsto por Toninho ainda dependerá, obviamente, se Temer conseguirá ou não aproveitar o momento. O grande empecilho é que a análise da realidade depende do ponto de vista de quem é questionado — se investidores e empresários ou pessoas comuns, ainda sujeitas à crise econômica. E isso vai impactar na avaliação — positiva ou negativa — do governo. “Para os empresários, o pior momento, com cortes de empregos e investimentos, já passou e o país entrou em compasso de espera”, afirmou o diretor-geral e fundador da Ideia Inteligência, Maurício Moura. “Para boa parte da população, que tem pelo menos um membro da família desempregado e que convive com um nível de endividamento gigante, o presente ainda é incerto”, completou.

 

O mês do desgosto?

Fatos históricos de agosto na história da política brasileira

 

1954

24 de agosto

Derrubado do poder em 1945, após 15 anos no Palácio do Catete, Getúlio Vargas volta ao governo federal em 1950, eleito democraticamente. Mas o agravamento da crise política faz com que ele cometa suicídio com um tiro no peito

 

1961

25 de agosto

Eleito como sucessor de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros renuncia ao cargo de presidente com apenas oito meses de mandato, alegando não haver condições de governar sob a égide da Constituição de 1946. Não conseguiu voltar ao poder

 

1976

22 de agosto

Um dos mais populares presidentes da República, fundador de Brasília, Juscelino Kubitschek morreu em um acidente no km 165 da Via Dutra, quando o Opala que o levava de São Paulo para o Rio bateu de frente em um caminhão

 

2014

13 de agosto

Candidato do PSB à Presidência da República, o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos morreu em um acidente aéreo em Santos, durante o primeiro turno das eleições. Nove anos antes, no mesmo dia, morria Miguel Arraes, avô de Eduardo