Lei antiterror em xeque

 
18/07/2016
Naira Trindade

 

Ameaça inédita no país, a chance de atentado terrorista durante as Olimpíadas no Rio de Janeiro coloca em xeque a eficácia da legislação brasileira para combater ou prevenir ataques no Brasil. Publicada em 16 de março último, a Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/16) não dá ênfase à preparação ou à prevenção de atentados. Especialistas ouvidos pelo Correio consideram a legislatura aprovada pelo Congresso Nacional “fraca” e avaliam que a falta de tipificação para certos crimes pode deixar o país ainda mais vulnerável.

É considerado ataque terrorista, conforme a legislação em vigor, usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa ou ainda atentar contra a vida ou a integridade física de alguém. “A nossa lei não alcança o terrorismo político, que é aquele que está vinculado a ações de partidos e de movimentos sociais. Se alguém vinculado a movimentos sociais explode um carro-bomba, por exemplo, não é considerado terrorismo”, pontuou o especialista em segurança pública Joanisval Brito Gonçalves, que também é consultor legislativo do Senado para a área de Relações Exteriores e Defesa Nacional.

Pelo inciso segundo da lei, não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei. “As motivações (de um ato terrorista) precisam ser religiosas, étnicas, xenófobas. Não se fala em motivação política”, afirmou Brito.

Na avaliação de outro consultor, quanto mais se aumenta a segurança, mais se perde em liberdade. “O problema do terrorismo é que a imprevisibilidade cria extrema dificuldade. Se for criar uma estratégia, você acaba gerando ações de dificuldade do dia a dia da sociedade. Quanto mais segurança, menos liberdade se tem. E estamos começando a entrar na rota de cautela, exigindo mais proteção nos aeroportos, o que força a população a sair da casa mais cedo”, explicou ex-secretário Nacional de Segurança, José Vicente da Silva.

Para tentar garantir maior proteção à população e aos 500 mil turistas que devem comparecer aos jogos, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Sérgio Etchegoyen, já afirmou a disposição de diminuir o conforto em prol de mais segurança. “O quadro atual nos sugere incremento de medidas relativas aos jogos. São medidas práticas, como mais postos de controle, mais barreiras e algumas restrições de trânsito. É importante que a população entenda que vamos trocar um pouquinho de conforto por muita segurança”, disse, na sexta-feira.

Além da preocupação com atentados terroristas, o coronel José Vicente chama a atenção para crimes que deveriam estar atenuados, entretanto tiveram índices elevados. “A preocupação começou a ganhar holofotes pelo fato de estarmos próximos das Olimpíadas. Mas é preciso se preocupar com as condições de segurança que vêm caindo. Os roubos e homicídios aumentaram. Esperava-se chegar às Olimpíadas em um momento de pacificação, e há risco de o banditismo estragar a festa”, disse, alertando para a possibilidade de mortes por bala perdida.

Para o especialista em segurança pública George Felipe Dantas, a situação de “aparente descontrole do crime e da violência na cidade não parece animadora às vésperas do grande evento internacional”.

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Terrorismo, ameaça global

 

18/07/2016

 

A questão do terrorismo está sendo aventada mais intensamente no Brasil nos dias que antecedem as Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016. A relação entre terrorismo e eventos internacionais remete à “memória global” aos Jogos Olímpicos de 1972, na Alemanha. A tragédia de Munique começou pela tomada de nove reféns israelenses na vila olímpica em 5 de setembro. O triste evento terminou com a morte de todos os nove atletas dentro de um helicóptero, com outros dois israelenses sendo mortos ainda na vila olímpica. O massacre foi perpetrado pelo grupo extremista palestino Setembro Negro, buscando trocar os reféns por 234 palestinos presos. Desde então, episódios terroristas seguiram ocorrendo, tanto nas Américas quanto na Europa, Ásia, África e Oriente Médio. O mais letal (cerca de três mil mortos) ocorreu nos EUA em 11 de setembro de 2001, sendo atribuído a Osama Bin Laden da organização Al Qaeda. Somente na França, outros três atentados ocorreram desde janeiro do ano passado, sendo o último na quinta-feira, em Nice.

Essa amostra do terrorismo global, em sua característica tão contemporânea e letal, faz com que a realização das Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016 demande sérios esforços de preparação para prevenção do terrorismo, bem como de uma eventual resposta na pior hipótese. A situação de aparente descontrole do crime e da violência na cidade sede dos jogos olímpicos — a “Cidade Maravilhosa”, não parece animadora às vésperas desse grande evento internacional que não tarda ocorrer. Países como França e EUA empreendem enormes esforços na busca para conter o terrorismo, fenômeno contra o qual não parece existir método algum que seja plenamente efetivo.

O terrorismo, por sua vez, ao envolver a inteligência e a ardilosidade humana, faz com que seus prepostos estejam constantemente em processo de adaptação e ajuste a novos métodos de prevenção e resposta. Mas se é verdade que “A batalha contra o terrorismo não é apenas um combate militar, mas basicamente uma batalha da informação” (citando o controvertido político iraquiano Ahmed Chalabi), é de supor que o governo brasileiro tenha feito um longo e profundo esforço preparatório de inteligência e informação, no sentido de poder antecipar e consequentemente neutralizar ações terroristas visando objetivos no Brasil. Oxalá — que vem da expressão em árabe “in sha allah” ou “queira Deus”....

 

Frase

“George Felipe de Lima Dantas, doutor em segurança pública pela The George Washington”

 

Correio braziliense, n. 19411, 19/07/2016. Política, p. 4