Resultado da cassação alivia o Planalto

Raymundo Costa

14/09/2016

 

 

O resultado da votação do processo de cassação na Câmara do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) saiu melhor que a encomenda do Palácio do Planalto - os 450 votos favoráveis à perda do mandato do polêmico político carioca não deixam margem para que o presidente Michel Temer seja acusado de mover uma palha a seu favor. Na realidade, Cunha acusou o núcleo mais próximo de amigos de Temer de haver tramado a sua queda em conluio com o PT.

Os 450 votos a 10, na realidade, deixaram claro que Eduardo Cunha não era "recuperável", ou seja, não havia o que Temer nem ninguém pudessem fazer por ele. Votou contra Cunha quem apoiou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e quem considerou um golpe sua destituição. O plenário da Câmara dos Deputados refletiu os cartazes exibidos nas grandes manifestações com os dizeres "Fora Dilma" e "Fora Cunha". Às vésperas da eleição municipal, o ex-deputado era um agente tóxico.

Temer respirou aliviado sobretudo com a definição de uma situação que ameaça deixar refém o governo. Mas Eduardo Cunha soltou por Brasília e ou no Rio de Janeiro, sem mandato para protegê-lo das incursões de procuradores e juízes da primeira instância causa apreensão no Congresso e no governo. De um lado e do outro da Praça dos Três Poderes aposta-se que o ex-deputado tentará um acordo de delação premiada a fim de preservar a família e evitar uma longa temporada na cadeia. Há dúvida se tem muito a acrescentar às investigações da Força Tarefa sediada em Curitiba ao que já foi dito por Fernando Baiano, o operador do PMDB no esquema do petrolão.

O presidente Temer tem repetido um discurso monocórdico: não teme uma eventual delação premiada de Cunha. Na noite de anteontem, o agora ex-deputado voltou a negar que pense em fazer delação, mas contou uma novidade: iria escrever um livro contando os bastidores do impeachment. Segundo assessores, quando tomou conhecimento da notícia o presidente da República ironizou dizendo que comprará um exemplar, no lançamento do livro.

Em seu discurso de defesa no plenário da Câmara, Cunha exagerou a própria importância ao dizer que, sem ele, não haveria impeachment. Na realidade, horas antes de acatar o requerimento assinado por Hélio Bicudo, Miguel Reale Junior e Janaina Paschoal, o então presidente da Câmara procurou Temer para dizer que arquivaria o pedido, em troca de um acordo com o PT para evitar que a Conselho de Ética aprovasse o parecer pela cassação de seu mandato. A notícia vazou, provavelmente pelos próprios auxiliares de Temer, e à noite, o presidente do PT, Rui Falcão, condenou o entendimento por meio de uma nota no Twitter. Era o que queriam os deputados do partido na comissão, que se sentiam constrangidos a votar em favor de Cunha.

É fato que Michel Temer e o atual secretário das privatizações, Moreira Franco, apoiaram o deputado quando ele se lançou candidato a lider do PMDB. Mas Cunha se firmou sozinho, especialmente na eleição de 2014, quando ajudou cerca de 200 candidatos a deputado federal a conseguir financiamento eleitoral, em geral juntando as duas pontas, doadores e candidatos. Não foi por acaso que massacrou o PT na eleição para a presidência da Câmara, em fevereiro de 2015, sem precisar disputar segundo turno. Poderoso, quis capturar o governo Temer, que tinha dificuldades para fugir de sua área de influência.

A situação começou a se inverter em maio, quando o deputado foi afastado da presidência da Câmara por uma decisão inédita do Supremo Tribunal Federal (STF). Àquela altura Cunha já perdera como aliado o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), preterido por ele para a função de líder no governo na Câmara - impôs para o lugar o deputado Andre Moura (PSC-SE). Na eleição para o preenchimento do cargo vago com a decisão do STF, o Palácio do Planalto, por meio do ministro Geddel Vieira Lima, ensaiou um apoio ao deputado Rogério Rosso (PSD-DF), candidato do Centrão, controlado por Cunha, mas a tropa governista, por orientação de Temer, permaneceu na retaguarda.

Quando o PT avalizou a indicação de um candidato do PMDB, o ex-ministro Marcelo Castro, as tropas do Planalto desembarcaram em peso na candidatura de Rodrigo Maia. Cunha acusa Moreira Franco de ser o mentor intelectual da manobra. No segundo turno, PT e governo ficaram juntos com Rodrigo contra o Centrão de Cunha. O ex-deputado acha que foi rifado nessa composição. Ataca Moreira para atingir Temer. À época parecia uma aliança natural - todos contra Cunha, numa espécie de ensaio do que aconteceria na noite de 12 de setembro, uma segunda-feira, dia nada propício para tanto deputado em Brasília. Temer, tudo indica, neutralizou o Centrão.