Corte de gasto fica para depois

 

21/07/2016
Rosana Hessel

 

A guerra entre as áreas política e econômia do governo está cada dia mais evidente. Um dia depois de a equipe do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ter conseguido adiar por 15 dias o anúncio de um pacote de estímulos ao crescimento, defendido pelo grupo político, decidiu repensar a necessidade de contingenciamento extra de R$ 20 bilhões, que seria anunciado amanhã, durante o relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas.

Ontem, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou que não haveria corte adicional. A decisão de não mexer no Orçamento, segundo a Fazenda, foi de Meirelles, que preferiu esperar a evolução das receitas. Para ele, as condições macroeconômicas, os indicadores de confiança e os prêmios de risco para os títulos públicos brasileiros mostraram melhora e, seria muito ruim para o governo que, na revisão de setembro, houvesse necessidade de descontingenciar recursos.

Para a equipe econômica, é mais prudente esperar até 31 de agosto, quando deverão ser anunciadas as medidas de aumento de receita extraordinárias de R$ 55 bilhões previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2017, para ter uma ideia melhor se haverá necessidade de corte. Pelos cálculos da equipe econômica, existe uma margem de R$ 18 bilhões no Orçamento para absorção de riscos fiscais, ou seja, para cobrir despesas adicionais, como os recursos direcionados para o estado do Rio de Janeiro.

Em maio, ao conseguir a aprovação da alteração da meta fiscal da LDO deste ano para um rombo de até R$ 170,5 bilhões, o governo do presidente interino, Michel Temer, suspendeu o corte adicional de R$ 21,2 bilhões, que estava previsto pela equipe da presidente afastada, Dilma Rousseff. Em março, foi anunciado um contingenciamento de R$ 24,3 bilhões.

 

Contradição

Na avaliação do economista Bruno Lavieri, sócio da 4E Consultoria, se autorizasse um contingenciamento agora, Temer daria sinais ainda mais contraditórios em relação ao compromisso com o ajuste fiscal. “Um corte no momento atual poderia indicar que já admite que essa meta de deficit de R$ 170,5 bilhões não seria cumprida”, comentou.

Para ele, o governo precisará de mais medidas além da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria um limite para os gastos púbicos pela inflação do ano anterior, para melhorar o resultado primário das contas públicas. “Na prática, o governo ainda não fez um esforço muito grande para compensar a queda da arrecadação e mostrar que está realmente comprometido com o ajuste fiscal e, para isso, será inevitável que aumente impostos”, criticou.

Lavieri afirma que, para viabilizar a securitização da dívida e a privatização propostas pelo governo, será preciso reduzir os juros de longo prazo que estão em torno de 7% em termos reais. E isso passa pelo ajuste fiscal.

O fato é que a divisão entre as equipes econômica e a política de Temer está latente. Enquanto a liderada por Meirelles quer dar um sinal efetivo de curto prazo de que está batalhando por um ajuste fiscal consistente, o grupo capitaneado por Padilha e Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) argumenta que o aperto está forte demais e pode minar os ganhos políticos de Temer, e, consequentemente, o seu partido, o PMDB (que tem uma enorme base de prefeituras). Isso, sem contar que o impeachment ainda não decidido pelo Senado Federal.

 

Correio braziliense, n. 19414, 21/07/2016. Economia, p. 9