Correio braziliense, n. 19413, 20/07/2016. Política, p. 2

Recursos olímpicos liberados aos poucos

Levantamento aponta que 10% dos recursos federais destinados para a segurança dos jogos foram pagos, a menos de três semanas da cerimônia de abertura. Em nota, Abin informa que todas as ameaças são "minuciosamente apuradas"

Por: Naira Trindade

 

Uma das principais preocupações nos preparativos das Olimpíadas — após o atentado terrorista que matou 84 pessoas em Nice, na França —, a segurança pública segue com execução orçamentária acanhada às vésperas do megaevento. Levantamento da ONG Contas Abertas revelou que a poucos dias das disputas esportivas, apenas 10% dos recursos do governo federal foram pagos. Os dados mostram que apesar das iniciativas de mandar investimentos para garantir proteção a turistas, o dinheiro — considerado pouco por especialistas — ainda não está sendo usado.

O levantamento aponta que as rubricas estão alocadas nos ministérios da Justiça e da Defesa. Para tentar garantir tranquilidade nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, o governo federal destinou R$ 775,7 milhões para segurança. Maior parcela do orçamento está nas mãos da Justiça: R$ 512,2 milhões, que até o momento só pagou R$ 10 milhões, ou seja, 2%. Já a Defesa detém R$ 263,6 milhões, sendo que R$ 69 milhões já foram desembolsados. Além desses recursos, o presidente em exercício, Michel Temer, autorizou repasse emergencial de R$ 2,9 bilhões para o Rio de Janeiro.

Na avaliação de especialistas, a burocracia e a falta de políticas públicas também justificam a lentidão nos repasses do governo federal. “A segurança pública depende do bom ou mau humor do gestor da hora. Os investimentos dependem de decisão política e, normalmente, o que temos é muito discurso de promessa orçamentária. Porém, o orçamento que está aí é para enganar trouxa, pois ele não representa nada. Você ainda precisa ir atrás da disponibilidade financeira”, analisou o ex-secretário nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça Ricardo Balestreri.

Para o especialista, a carência de políticas públicas também prejudica o empenho de recursos na área de segurança do país. “A coisa de usar ou não os recursos também está relacionada a falta de políticas públicas. Temos 60 mil homicídios no país e não temos, por exemplo, um plano nacional de redução de homicídios. Não há como usar o dinheiro, se não há projetos”, criticou o ex-secretário. Balestreri observa ainda que os valores destinados para segurança estão aquém do que deveria ser. “O orçamento na área de segurança sempre foi baixíssimo.”

O ex-secretário avalia ter havido um retrocesso nos últimos anos no investimento em segurança pública. “Precisa ter vontade política para investir em segurança e, hoje, saltamos 20 anos para atrás, retroagimos orçamentariamente. Mas é preciso ser justo para dizer que as crises orçamentária e de liderança afetaram a segurança pública, que não é barata. É preciso dinheiro para fazer segurança e os tecnocratas não conseguem perceber que a falta de investimento na área segurança custa caro com mortes e danos”, analisou o ex-secretário do Ministério da Justiça.

À frente do Ministério da Defesa, Raul Jungmann já garantiu em outras ocasiões que não faltarão dispositivos para garantir a paz nos jogos, que começam no próximo dia 5. Ontem, em resposta ao Correio, o Ministério da Defesa alegou ter havido uma atualização na execução — o levantamento é de 7 de julho com base no primeiro semestre deste ano — e alegou que o órgão atingiu 94% da execução orçamentária. “Ressalta-se que parte dos recursos remanescentes destinam-se às atividades de reversão das tropas empregadas durante a operação”, diz a nota. Já o Ministério da Justiça não respondeu.

 

Terrorismo

Outra preocupação para as Olimpíadas é a prevenção a atos terroristas, que tem previsão de R$ 16 milhões, sendo R$ 6 milhões executados. Publicamente, o governo garante que os riscos de atentados são “mínimos”. Na segunda-feira, Temer almoçou com o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o general Sérgio Etchegoeyn; o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes; o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, almirante Ademir Sobrinho; e o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, para tratar do assunto. Hoje, outra reunião está prevista para tratar do tema no Palácio do Planalto.

A Secretaria de Imprensa da Presidência (SIP) informou ontem que o governo francês negou que haja um brasileiro, supostamente vinculado ao Estado Islâmico, planejando um atentado contra a delegação francesa durante os jogos. “A informação é falsa, razão pela qual o diretor de Inteligência Militar da França não a transmitiu para o Ministério da Defesa brasileiro naquela ocasião.”

Já a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) divulgou nota alegando que todas as ameaças relacionadas aos jogos “estão sendo minuciosamente apuradas, em particular as relacionadas ao terrorismo”. “Muitas são descartadas e as que merecem atenção são exaustivamente investigadas. Devido à sensibilidade do tema, as ameaças são tratadas, de forma integrada, pelas unidades especializadas de enfrentamento ao terrorismo dos três eixos responsáveis pela segurança dos jogos”.

Entre as denúncias, o grupo extremista brasileiro que declarou lealdade ao Estado Islâmico divulgou uma lista com 17 maneiras de cometer um atentado terrorista durante a Olimpíada. Segundo o portal Veja, as sugestões foram publicadas no canal Ansar al-Khilafah Brazil, criado pelo grupo no aplicativo de mensagens Telegram, segundo a especialista americana em monitoramento de atividades terroristas na web Rita Katz, do site Intelligence Group.

 

Verba repassada

Confira quanto o governo federal gastou até agora com a segurança nas Olimpíadas

 

Área    Dotação autorizada    Total pago

Segurança para os jogos    R$ 775,7 milhões    R$ 79 milhões

Ministério da Defesa    R$ 263,6 milhões    R$ 69 milhões

Ministério da Justiça    R$ 512,2 milhões    R$ 10 milhões

 

Valores detalhados    Dotação autorizada    Total pago

Policiamento ostensivo    R$ 6 milhões    R$ 2,3 milhões

Prevenção de incidentes e ao terrorismo    R$ 16 milhões    R$ 6 milhões

Segurança, vigilância e controle de acesso    R$ 13,2 milhões    R$ 1,4 milhão

 

Fonte: Levantamento realizado pela ONG Contas Abertas em 7 de julho com base nos dados do primeiro semestre.