Correio braziliense, n. 19402, 09/07/2016. Economia, p. 8
Povo aceitará medidas impopulares, diz Temer
Em reunião com empresários,o presidente interino volta a sinalizar que,em algum momento,o governo aumentará impostos para sanear as contas públicas.Ele admitiu que a situação do país é dramática,mas disse confiar na superação da crise
Um dia depois de o governo anunciar um rombo de R$ 139 bilhões como meta fiscal para 2017, o presidente interino, Michel Temer, voltou a sinalizar que deve aumentar impostos para atingir o objetivo, e considerou que a população aceitará mais esse sacrifício. Em pronunciamento feito na Confederação Nacional da Indústria (CNI), ele reiterou que, “em um dado momento”, deverá adotar medidas impopulares para sanear as contas públicas. Segundo o presidente, elas terminarão por serem bem-aceitas pela sociedade, ao resultar em melhora da economia. “Subsequentemente, elas vão agradar toda a comunidade brasileira”, garantiu.
Ao anunciar a nova meta, na quinta-feira, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que será feito um esforço fiscal de R$ 55 bilhões no próximo ano. Boa parte desse valor deverá ser obtido com a venda de ativos, privatizações e concessões na área de infraestrutura, mas Meirelles deixou claro que a elevação de tributos não está descartada. Segundo ele, porém, essa decisão só será tomada em agosto, quando o governo encaminhará ao Congresso o projeto de Orçamento para 2017. Significativamente, o prazo coincide com a esperada confirmação do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff.
Na CNI, Temer enfatizou também a necessidade de aprimorar a gestão pública no país e mencionou a ampla revisão que o governo pretende fazer nos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, uma decisão capaz de “gerar uma economia de R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões”. Essa é uma das medidas por meio das quais o Executivo pretende reduzir o gigantesco deficit nas contas da Previdência Social, que é estimado em R$ 146 bilhões neste ano e deve saltar para R$ 183 bilhões em 2017. Há mais de 3 milhões de auxílios mantidos pelo INSS, dos quais 840 mil há mais de dois anos, gerando a suspeita de que boa parte esteja sendo paga indevidamente.
Situação dramática
O presidente interino admitiu que a economia passa por uma situação “dramática”, mas disse esperar por uma superação da crise “em um prazo razoável”. “Vocês sabem que temos dificuldades extraordinárias no país. Encontramos o governo com R$ 170,5 bilhões de deficit e agora, apesar de termos apenas 48 dias de governo, a área econômica conseguiu estabelecer uma meta para o próximo ano que diminui sensivelmente o saldo negativo para R$ 139 bilhões”, comentou, ao discursar na reunião do Comitê de Líderes da Mobilização Empresarial pela Inovação da CNI. Ele lembrou que o programa de redução do deficit pressupõe a aprovação, pelo Congresso, da proposta de emenda à Constituição que estabelece limites para o crescimento das despesas públicas.
Temer pediu aos empresários que tenham confiança no Brasil e ressaltou que o otimismo é importante do ponto de vista psicológico. “Em vez de falar em crise, vamos trabalhar, levar as empresas adiante. É claro que existem fenômenos materiais, mas a crise também é psicológica. Se você fica dizendo que a situação está ruim, você se enturma na ideia do malefício. Mas, se diz que as coisas vão melhorar, isso cria um clima psicológico que pode auxiliar nosso país”, afirmou. “Eu tenho repetido uma ladainha de que o primeiro direito social é o emprego, e para isso é preciso haver um prestígio à iniciativa privada.”
O presidente também prometeu acelerar a liberação de patentes, que hoje pode levar anos. “O governo tem um número expressivo de servidores, mas que ainda é limitado para atender a todos os pleitos”, reconheceu. Segundo ele, em alguns casos, a liberação pode levar mais de 10 anos, e o ideal seria reduzir o prazo de análise para menos de dois.
Reformas
Se dependesse dos industriais, a elevação de tributos estaria descartada. Após a reunião com Temer, o presidente da CNI, Robson Andrade, elogiou a decisão do governo de reduzir o rombo fiscal, mas disse que “o Brasil tem muito espaço para reduzir custos e ganhar eficiência” e que um aumento da carga tributária seria ineficaz. Segundo ele, o setor espera ansiosamente por medidas “duras e modernas”, referindo-se, porém, às reformas da Previdência e da legislação trabalhista para diminuir os custos de contratação das empresas.
Andrade criticou a pressão de centrais sindicais pela redução da jornada de trabalho no Brasil de 44 para 40 horas semanais. Ele disse que a flexibilização das leis trabalhistas é uma tendência mundial, citando como exemplo a França, que, depois de ter adotado um período máximo de 35 horas semanais, perdeu competitividade e começou a rever a decisão. De maneira equivocada, Andrade chegou a dizer que o país europeu elevou o tempo máximo para 80 horas. Na verdade, a jornada básica é de 35 horas, podendo ser ampliada para até 60 horas em situações excepcionais, por meio de acordos entre patrões e empregados homologados pela justiça do trabalho. Mais tarde, a CNI distribui nota para negar que Andrade tenha defendido o aumento da jornada de trabalho no Brasil.
_______________________________________________________________________________________________________
Analistas ligados às agências de classificação de risco, como Moody’s e Standard & Poor’s, avaliam que a estratégia adotada pelo governo Michel Temer para sanear o orçamento levará a um ajuste fiscal muito lento, mesmo que o Executivo consiga implementar todas as medidas propostas nas últimas semanas. Segundo cálculos da própria equipe econômica, o setor público só voltará ao azul em 2019, quando é esperado um superavit de R$ 16,9 bilhões.
Mesmo retomando o terreno positivo, o resultado seria insuficiente para estabilizar o crescimento da dívida pública. De acordo com as projeções do governo, o saldo corresponderia a 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para 2019. A maioria dos cálculos econômicos, contudo, considera que é necessário um superavit ao redor de 2% do PIB para estancar o endividamento.
De acordo com as projeções oficiais, depois de alcançar até R$ 170,5 bilhões neste ano, e recuar para R$ 143 bilhões em 2017, o rombo nas contas públicas cairá para R$ 66 bilhões em 2018. No ano seguinte, porém, as contas voltarão ao azul, com saldo positivo de R$ 16,9 bilhões. Os números se referem ao setor público consolidado, que abrange União, estados e municípios.
Na última quinta-feira, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, anunciou também a meta referente apenas ao governo central (Tesouro, Banco Central e Previdência) para 2017: deficit de R$ 139 bilhões.
Os cálculos do governo estão baseados em diversos parâmetros econômicos elaborados pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda. A SPE projeta que o PIB sofrerá queda de 3,1% neste ano, mas voltará ao terreno positivo em 2017, com alta de 1,2%. Para a inflação, os técnicos preveem alta de 7,2% em 2016 e de 4,8% no ano que vem. A taxa básica de juros (Selic) deve cair para 13,9% ao ano no fim de 2016 e para 11,8% em 2017. A taxa de câmbio sairá de R$ 3,66 neste ano para R$ 3,73 no próximo.