Correio braziliense, n. 19435, 11/08/2016. Economia, p. 8

Dólar recua a R$ 3,13 e BC reforça intervenção

Aprovação do relatório do impeachment, a derrota da equipe do governo na Câmara dos Deputados, que provocou alta nos juros futuros, e dados de inflação resiliente derrubaram a moeda americana e acenderam o alerta no Banco Central

Por: Simone Kafruni

 

O Banco Central decidiu intervir mais forte no mercado de câmbio hoje, depois que o dólar caiu mais 0,28% no pregão de ontem, cotado em R$ 3,132. A moeda norte-americana atingiu o seu menor nível desde 13 de julho de 2015, quando bateu em R$ 3,132. A velocidade da trajetória de queda da divisa, que acumula perdas frente ao real de 20,66% em 2016 e recuo de 4,25% em sete pregões seguidos de baixa, reforça a projeção dos especialistas de que o dólar pode chegar abaixo de R$ 3 no fim do ano.

Ontem, na mínima do dia, a moeda americana encostou em  R$ 3,113. Por conta disso, a autoridade monetária decidiu aumentar o leilão diário de 10 mil contratos de swap reverso (operação equivalente à compra futura de dólares), para 15 mil contratos hoje, no valor de US$ 750 milhões. Ontem, o BC negociou a totalidade dos 10 mil, numa operação equivalente a US$ 500 milhões.

Na opinião do gerente de Câmbio da corretora Treviso, Reginaldo Galhardo, o BC está fazendo a lição de casa. “Quando Ilan Goldfajn assumiu a presidência, disse que prefere regimes de taxas flutuantes, sem intervenção no mercado. Então, não pode mudar o discurso”, lembrou. “Por isso, o BC está só aproveitando a janela para zerar o estoque dos swaps. Ele vendeu para todo mundo a R$ 4, R$ 3,80 antes, e hoje está comprando a R$ 3,30, R$ 3,15. Essa variação vai ser positiva para ele”, alertou.

O estoque de swaps chegou a US$ 110 bilhões vendidos quando o objetivo era conter a disparada da moeda provocada pela instabilidade política da gestão da presidente afastada, Dilma Rousseff. Com a troca de governo e a recuperação parcial da confiança, o BC tomou o caminho contrário, depois das operações reversas diárias de 10 mil contratos equivalentes a US$ 500 milhões, o estoque caiu a US$ 48 bilhões. “Daqui a três meses, o BC vai zerar a exposição cambial e precisará dar outra desculpa para intervir porque, hoje, as apostas do mercado estão mais para R$ 3 no fim do ano do que os R$ 3,60 estimados antes”, comentou Galhardo.

 

Ciclo

Para os especialistas, a valorização do real ante o dólar vem ocorrendo por vários motivos, entre eles, o cenário externo de muita liquidez e juros baixos ou negativos, o que torna as altas taxas praticadas no Brasil mais atraentes. Pontualmente, também houve peso da votação do impeachment, da derrota do governo na Câmara dos Deputados, que retirou a proibição dos aumentos de salários de servidores da renegociação da dívida dos estados, o que teria provocado a alta dos juros futuros, e da divulgação de dados que apontam a resiliência da inflação no Brasil, retardando a queda da Selic.

Conforme Flavio Serrano, economista-sênior do Banco Haitong, a votação do impeachment na madrugada de ontem reforçou a probabilidade do afastamento definitivo de Dilma. “Isso faz parte do contexto, mas também há elementos externos. A percepção de ciclo de aperto monetário nos Estados Unidos caiu. Mesmo o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) dizendo que pode subir os juros em setembro, ainda assim, antes se falava que seriam várias altas. Agora, se de fato os EUA subirem as taxas, será um movimento único este ano”, explicou.

 

Riscos

A decisão do Fed influencia porque o dólar depende do diferencial entre os juros internos do país e os pagos pelo Tesouro dos EUA. Se a diferença é pequena, não compensa os riscos de uma aplicação no Brasil. Como a diferença está grande, porque os juros brasileiros estão altos e os dos EUA, baixos, estimula a entrada de dólares no país e derruba a cotação. “Se o impeachment for confirmado, vai entrar mais dólares. O pessoal está começando a voltar a confiar no Brasil”, justificou Galhardo.

Serrano, do Haitong, ressaltou que a percepção é de que o dólar deve continuar a se desvalorizar. “Ainda tem margem para cair no curto prazo. Olhando mais para frente, mesmo com o governo de Michel Temer sendo confirmado, há questões estruturais, reformas importantes que precisam ser implementadas. Se houver dificuldade de aprovação e a desconfiança voltar, essa desvalorização pode parar”, projetou. O economista disse que o Banco Haitong estima que, no fim do ano, o dólar deve voltar a se valorizar, para fazer, ao longo de 2017, um ajuste em relação às perdas deste ano.

O economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa, assinalou que o dólar afundou em termos globais. As perdas ante o euro foram de 0,60% e sobre a libra de 0,10%. “Isso fez as moedas emergentes, como o real, se valorizarem bem”, afirmou. Rosa também credita a queda do dólar à alta dos juros futuros do Brasil — o DI para janeiro de 2021 foi negociado a 11,89% ante 11,85% na véspera — por conta da derrota do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na Câmara dos Deputados. “Além disso, tivemos os dados do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), mostrando que a inflação está resiliente e que não há espaço para redução de juros por enquanto”, completou.

 

Embalo

O cenário político tem peso no comportamento do dólar, na opinião de José Francisco de Lima, economista-chefe do Banco Fator, porque a decisão da Câmara de retirar a suspensão do aumento salarial nos estados, num claro retrocesso às propostas de ajuste fiscal do governo, ajudou a elevar os juros do Brasil. “O quadro externo contribuiu, consolidando a percepção de que o Fed não vai mexer na política monetária. Por isso, eu acho que o dólar vai cair mais, sobretudo, se houver avanço nas negociações do governo com o Congresso. Mas vai para os R$ 3 e volta. É um movimento de embalo”, opinou.