Correio braziliense, n. 19441, 17/08/2016. Política, p. 4

Dilma faz sua última aposta

Em carta aos senadores e ao povo brasileiro, presidente afastada propõe a realização de plebiscito para antecipar eleições

Por: Julia Chaib

 

Em mais uma ofensiva para tentar reverter votos pró-impeachment no Senado, a presidente afastada, Dilma Rousseff, propôs, em carta, um plebiscito para consultar a população sobre novas eleições antes de 2018 e uma reforma política caso ela retorne à presidência efetiva. O texto, lido ontem no Palácio da Alvorada, é direcionado aos senadores, senadoras e ao povo brasileiro. No texto de quatro páginas, a petista reafirma ser vítima de um processo “injusto”, diz que é inocente do crime de responsabilidade e assume uma série de compromissos.

Na carta, Dilma usa o termo golpe para se referir ao impeachment, mas no condicional. Ela buscou abrandar o termo, para não irritar ainda mais senadores. “Afirmamos que, se consumado o impeachment, teríamos um golpe de estado. Um colégio eleitoral de 110 milhões de eleitores seria substituído, sem sustentação constitucional, por um colégio eleitoral de 81 senadores. Seria um inequívoco golpe seguido de eleição direta”, disse. A carta foi criticada pelos atuais governistas e até mesmo por petistas. A avaliação dos apoiadores de Dilma, nos bastidores, é de que, embora tenha feito uma série de compromissos, Dilma errou no momento de divulgar o texto — demorou demais — e não trouxe novidades.

Na última votação, o relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) foi aprovado por 59 votos a 21. Para consumar o impeachment, no julgamento que começará em 25 de agosto, são necessários 54 votos dos 81 senadores. Na carta, a presidente defende o que chamou de Pacto pela Unidade Nacional, o Desenvolvimento e a Justiça Social, e diz que dará apoio “irrestrito” à convocação de um plebiscito para consultar a população sobre eleições antecipadas e reforma política eleitoral. A tese de novas eleições é defendida por senadores que se dizem indecisos, mas acabaram votando a favor do relatório e pela continuidade do processo. Apesar de ter sido vista como única saída, nem senadores petistas encamparam a proposta de fato na Casa.

Em seu recado, Dilma fala da importância de abrir o diálogo com o Congresso Nacional, com a sociedade civil, os movimentos sociais e empresários neste momento. Dilma também diz que deve haver o aumento de geração de empregos, fortalecimento da saúde e da educação e luta contra a corrupção. Antes de ser afastada, em maio, uma das principais críticas contra a petista era a ausência de diálogo.

Na carta, a presidente não chega a assumir erros, mas “acolhe críticas”. “Ouvi críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas que não foram adotadas. Acolho com humildade para construirmos um novo caminho”, afirma.

Dilma ainda disparou críticas indiretas ao governo interino e ao ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que aceitou o pedido de impeachment, no início. “Ao contrário dos que deram início a esse processo ilegal, não tenho contas no exterior, nunca desviei um centavo e não recebi propina de ninguém”, afirmou. Por fim, a presidente reforça que não cometeu crime de responsabilidade e diz que houve “esforço obsessivo para desgastar o governo”. “O que peço às senadoras e aos senadores é que não se faça a injustiça de me condenar por um crime que não cometi. Não existe justiça mais devastadora do que condenar um inocente”, diz.

Dilma é acusada de crime pelo atraso no pagamento de subsídios para agricultores atendidos pelo Plano Safra no Banco do Brasil em 2015, prática chamada de “pedaladas fiscais”, e por editar decretos orçamentários sem autorização do Congresso. A presidente leu a carta na Sala dos Estados, no Palácio da Alvorada, após o fim do jogo de futebol feminino do Brasil contra a Suécia. Senadores que a defendem no Senado não foram avisados da divulgação da carta e acabaram surpreendidos.

 

Veja os principais trechos da carta

» Meu retorno à Presidência, por decisão do Senado Federal, significará a afirmação do Estado Democrático de Direito e poderá contribuir decisivamente para o surgimento de uma nova e promissora realidade política.

» Minha responsabilidade é grande. Na jornada para me defender do impeachment me aproximei mais do povo, tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi também críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas críticas com humildade e determinação para que possamos construir um novo caminho.

» Precisamos fortalecer a democracia em nosso País e, para isso, será necessário que o Senado encerre o processo de impeachment em curso, reconhecendo, diante das provas irrefutáveis, que não houve crime de responsabilidade. Que eu sou inocente.

» No presidencialismo previsto em nossa Constituição, não basta a desconfiança política para afastar um presidente. Há que se configurar crime de responsabilidade. E está claro que não houve tal crime. Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo pelo “conjunto da obra”.

» Quem afasta o Presidente pelo “conjunto da obra” é o povo e, só o povo, nas eleições. Por isso, afirmamos que, se consumado o impeachment sem crime de responsabilidade, teríamos um golpe de estado.

» Devemos construir um amplo Pacto Nacional, baseado em eleições livres e diretas, que envolva todos os cidadãos e cidadãs brasileiros.

» Gerar mais e melhores empregos, fortalecer a saúde pública, ampliar o acesso e elevar a qualidade da educação, assegurar o direito à moradia e expandir a mobilidade urbana são investimentos prioritários para o Brasil.

» É fundamental a continuidade da luta contra a corrupção. Este é um compromisso inegociável. Não aceitaremos qualquer pacto em favor da impunidade daqueles que, comprovadamente, e após o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, tenham praticado ilícitos ou atos de improbidade.

» Os atos que pratiquei foram atos legais, atos necessários, atos de governo. Atos idênticos foram executados pelos presidentes que me antecederam. Não era crime na época deles, e também não é crime agora.

» Ao contrário dos que deram início a este processo injusto e ilegal, não tenho contas secretas no exterior, nunca desviei um único centavo do patrimônio público para meu enriquecimento pessoal ou de terceiros e não recebi propina de ninguém.

» O que peço às senadoras e aos senadores é que não se faça a injustiça de me condenar por um crime que não cometi. Não existe injustiça mais devastadora do que condenar um inocente.

» Resisti ao cárcere e à tortura. Gostaria de não ter que resistir à fraude e à mais infame injustiça.

 

Procura-se a faixa presidencial

A Secretaria de Controle Interno da Presidência, ligada à Secretaria de Governo, abriu ontem uma sindicância para apurar o sumiço de itens do Planalto, como a faixa presidencial e o broche que a prende, de ouro e pedras preciosas de 18 quilates.

As informações foram dadas pela Secretaria de Imprensa do Planalto.

A sindicância vai durar 30 dias, prorrogáveis por mais 30. A assessoria da presidente afastada, Dilma Rousseff, disse que, quando deixou o Planalto, a equipe de transição deixou as faixas para o staff de Temer. Oficialmente, ninguém confirma a informação ou diz sobre o paradeiro do broche. Além da sindicância da Secretaria de Controle Interno, o caso também é investigado pelo Tribunal de Contas da União (TCU).