Governo vai manter Bolsa Família a recém-contratados

Edna Simão, Raphael Di Cunto e Fabio Graner

12/09/2016

 

 

O governo Temer pretende manter temporariamente o pagamento do Bolsa Família aos beneficiários que conseguirem emprego com carteira assinada para reduzir a informalidade e premiará prefeituras que mais reduzirem o número atendidos pelo programa, afirmou ao Valor o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra.

Para coibir fraudes e desperdícios, será publicado nos próximos dias decreto para ampliar a base de cruzamento de informações sobre os assistidos pelo programa. Serão incluídos em uma base de dados única os registros sobre emprego (Caged, Rais, FGTS), renda (a relação de isentos do Imposto de Renda), benefícios previdenciários (folha de pagamento do INSS), registro de óbito e a relação de funcionários públicos, políticos eleitos e doadores de campanhas eleitorais que contribuam com valores acima de suas capacidades.

Ao permitir que os contratos com carteira assinada possam manter o benefício por um ou dois anos, diz o ministro, o governo tenta "criar gosto" nos beneficiários pelo emprego formal, que normalmente tem renda maior, possibilidade de uma aposentadoria mais vantajosa e direitos trabalhistas. O período exato de extensão do benefício está em estudo.

A ideia é que, após esse período, o cartão do Bolsa Família não seja cancelado por causa da renda maior, como ocorre hoje. Ele seria apenas desativado e, caso o cidadão perca o emprego, automaticamente reativado. "Hoje em dia o beneficiário tem medo de assinar a carteira porque pode perder o emprego e aí demora três, quatro meses para reativar o Bolsa Família. Fica sem o salário e sem o auxílio", diz Terra. "Com essa mudança ele terá uma rede de segurança que não tinha antes e a garantia de que não ficará desassistido", acrescentou.

No decreto para ampliar a base de dados, que se insere no "pente-fino" que o governo começou a fazer nos programas sociais, também estará previsto que os beneficiários terão que apresentar um número de CPF. Para quem não tem o documento, o governo vai fazer a emissão gratuita pela Caixa Econômica Federal (CEF), no momento da solicitação do Bolsa Família ou recadastramento no programa.

O objetivo final é consolidar a base de dados do programa, facilitando a descoberta de fraudes e o acúmulo indevido de benefícios. Há situações em que, somados, eles ultrapassam a renda máxima de acesso ao próprio Bolsa Família e ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) - concedido a idosos que não contribuíram com o INSS e pessoas de baixa renda com deficiência. As famílias deverão optar por um deles. "Quanto mais controle melhor. Essa história de dizer que controle está tirando o benefício não é verdade", diz Terra.

Os cruzamentos iniciais de informações, sem a guarida do decreto e em uma base bem menor, já possibilitaram, neste mês, o cancelamento de 600 mil famílias que estavam em desacordo com as regras e que foram substituídas por outras que estavam na fila de espera. Há ainda 300 mil na lista.

Os cortes levaram a críticas da oposição. O ministro rebateu discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dois dias antes da entrevista, conclamando a militância a "lutar contra o fim dos programas sociais". Segundo ele, o verdadeiro desmanche foi feito pelo PT, ao deixar o Bolsa Família sem reajuste por dois anos.

Ele lembra que o governo Temer aumentou em 12,5% o valor dos benefícios este ano, com impacto de R$ 2,8 bilhões. E defende que, mesmo com a previsão de novos rombos nas contas, ocorram reajustes em julho de 2017 e em 2018. "O valor precisa ser suficiente para a pessoa prover sua recomposição calórica mínima ou o programa não tem sentido", argumenta.

O orçamento do Bolsa Família para este ano é de R$ 28 bilhões e para o próximo, R$ 30 bilhões. O acréscimo de R$ 2 bilhões será utilizado para o reajuste e as ações para "porta de saída" do programa. "O problema do Lula e do PT é que eles estimulam uma cultura de dependência eterna quando a transferência de renda deveria ser um meio temporário para as pessoas saírem da dificuldade", afirmou.

O ministro prepara um conjunto de ações para estimular os beneficiários do Bolsa Família a conquistarem autonomia financeira e deixarem o programa. A avaliação é de que cerca de 20% a 30% dos 14 milhões de famílias atendidas poderiam se beneficiar.

Além da continuidade do pagamento dos benefícios aos assistido que conseguirem emprego formal, outra aposta é criar um fundo para viabilizar operações de microcrédito que permitam a eles comprar material de trabalho. Estudos iniciais indicam que R$ 100 milhões seriam suficientes para a demanda.

O ministro pretende também rever o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) voltado aos beneficiários do Bolsa Família. O governo negociará com as universidades, institutos e o Sistema S (Sesi, Senai, Senac e outros) mudanças nos cursos para atender as necessidades de cada região. "Era um oba-oba. Prevaleceu o interesse das universidades e institutos de dar o curso que elas queriam. Tem 400 cursos para cabeleireiro", ironiza.

Para o ministro, essa falta de direcionamento levou ao insucesso. Dos beneficiários do Bolsa Família atendidos pelo Pronatec, informa, 50% não terminam o curso e, dos que concluíram, 90% não encontraram emprego. "Não adianta o mercado de trabalho precisar de torneiro mecânico e só ter curso para cabeleireiro", afirma. Terra ameaça vetar repasses caso as entidades resistam. A avaliação sobre as necessidades locais será analisada por um agente contratado pelas prefeituras com recursos do governo federal e auxílio do Sebrae.

Segundo ele, os prefeitos das cidades que proporcionalmente tiveram mais famílias deixando o programa por ter melhorado de vida receberão um prêmio em dinheiro, a ser entregue pelo presidente Michel Temer. "O que vai ser decisivo é o prefeito sentir que tem ganho político ao promover essas pessoas. Hoje ele não tem, é melhor para ele deixar no Bolsa Família", diz. "A assistente social não está capacitada para fazer esse tipo de articulação, o sucesso dessas ações está nas mãos do prefeito", pontua. As cidades serão premiadas com um "bônus" que vai variar de R$ 100 mil a R$ 3 milhões.

Terra diz que há R$ 300 milhões no orçamento de 2017 para realizar todos esses projetos, que terão implantação gradativa. Ele espera ampliar esse montante. Um dos trunfos do ministro, a primeira-dama Marcela Temer, contudo, não funcionou. Ela vai gerir o primeiro programa social do governo pemedebista, o Criança Feliz, cuja estimativa inicial era gastar R$ 1 bilhão com o acompanhamento de crianças de 0 a 3 anos assistidas pelo Bolsa Família em 2017. A disponibilidade orçamentária, entretanto, ficou em R$ 300 milhões.

Segue uma incógnita se a pasta acumulará as questões fundiárias, agora que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff está decidido. Embora leve o nome de Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, a segunda parte das atribuições foi deslocada para uma secretaria vinculada à Casa Civil. Há três alternativas em estudo no governo: recriar o Ministério do Desenvolvimento Agrário, proposta, segundo ele, mais improvável, dividir as atribuições entre o Desenvolvimento Social e a Agricultura ou manter como está, vinculada à Casa Civil. "Até o fim do mês teremos uma decisão", diz.