Correio braziliense, n. 19442, 18/08/2016. Opinião, p. 13

Custos do atraso no ajuste fiscal

Por: Carlos Thadeu de Freitas Gomes

 

A longa crise política brasileira parece encontrar seu desfecho no processo de impeachment da presidente Dilma. Mesmo que o cenário político continue incerto, espera-se que as discussões em relação a alguns dos problemas econômicos mais urgentes que o país enfrenta sejam retomadas na atual gestão, já que o enfrentamento dessas questões será fundamental para a própria governabilidade.

O mais importante deles é a crise fiscal. A trajetória atual da dívida pública é insustentável, ou seja, a cada dia que passa, o endividamento do setor público alcança patamares mais difíceis de serem financiados. A recessão da atividade econômica e as altas taxas de juros elevaram o deficit das contas públicas para acima de 10% do PIB no ano passado, e a dívida bruta tende a alcançar 80% do PIB no próximo biênio. À medida que a dívida cresce em relação ao PIB, maior é o esforço fiscal necessário para reverter sua trajetória, pois a conta de juros aumenta e é agravada pelo aumento dos prêmios de riscos relacionado à possibilidade futura de sua reestruturação.

Como não se enxergam no horizonte fatores que possam proporcionar uma recuperação do crescimento econômico, um ajuste fiscal que reverta totalmente o avanço da dívida no curto prazo é inviável. Com as receitas de impostos e tributos recuando em termos reais, o esforço necessário agravaria a recessão. Mesmo que sejam aprovadas reformas da Previdência, fiscais, tributárias e orçamentárias, a implantação e os impactos de tais mudanças estruturais não seriam imediatos, e deveremos conviver com pressões fiscais por mais algum tempo.

No entanto, medidas que sinalizem uma melhora nas contas públicas no médio e no longo prazo e reduzam a velocidade de crescimento do endividamento já seriam efetivas para melhorar o cenário econômico. A melhora no quadro fiscal proporcionaria uma redução dos prêmios de risco e uma melhora da confiança dos agentes econômicos, sem a qual não será possível a recuperação da atividade econômica. O envio da PEC do limite do gasto público é um passo firme na direção de colocar o país de novo nos trilhos do crescimento.

Contudo, a dinâmica insustentável das contas das dívidas públicas recai também sobre as assimetrias das práticas de fixação das taxas de juros altas pelo Banco Central e o timing arrastado da política fiscal. Quanto mais governo e Congresso perdem tempo para implementar a política fiscal ideal para reduzir a trajetória dos gastos primários, maior é o peso das taxas de juros elevadas que recai sobre a dívida, contribuindo para sua dinâmica perversa.

A despesa não financeira do governo central crescerá em 2016, principalmente para pagar contas atrasadas, subsídios de políticas de estímulos do governo anterior e o efeito da inflação de dois dígitos nas despesas obrigatórias (previdência e assistência social). A receita administrada ainda sofre os efeitos da queda do PIB na arrecadação, e o crescimento do desemprego afeta fortemente a massa salarial e, logo, a receita da Previdência.

Assim, o deficit primário de 2016 será de aproximadamente 2,8% do PIB, e o de 2017 somente um pouco inferior a esse percentual. Se somarmos o deficit primário da Previdência com o financeiro do governo, a cifra alcançará valores que podem não ser passíveis de financiamentos, através da arrecadação tributária ou colocação de títulos.

Logo, o ritmo de aumento da conta de juros pode eliminar qualquer sacrifício adicional que seja imposto pela PEC e a reforma da Previdência, dada a sua elevada incidência sobre a dívida pública. O saldo primário necessário para estabilizar o crescimento da dívida pública será cada vez mais crescente, dada a contribuição irreversível de juros reais elevados com a lentidão da implementação nos cortes dos gastos públicos.

O excesso de liquidez internacional, que atualmente suaviza a assimetria dos resultados fiscais e monetários, não pode ser considerado fonte permanente de financiamento, dadas as incertezas externas e internas. É consenso que há um problema estrutural nos gastos públicos, que tende a continuar crescendo ante o PIB nos próximos anos, principalmente devido à expansão das despesas com benefícios previdenciários. Há um problema também estrutural do lado da arrecadação tributária, que tende a recuar como proporção do PIB nos próximos anos.
A receita tributária federal tende a permanecer fraca, porque a queda da composição do crescimento não será favorável à arrecadação. A maneira mais provável de o Brasil sair da recessão atual é por meio do crescimento das exportações líquidas - se beneficiando da mudança de preços relativos. Esta nova fase do crescimento não será favorável à arrecadação federal, ao contrário do histórico dos últimos anos, em que o crescimento foi puxado pela demanda doméstica.
O quadro é preocupante, uma vez que dado que o ponto de partida, ou o resultado primário nos últimos 12 meses (-2,51% do PIB), já é bem inferior às estimativas do resultado primário necessário para estabilizar a dívida em longo prazo.

 

 

CARLOS THADEU DE FREITAS GOMES
Chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo e ex-diretor do Banco Central do Brasil