Correio braziliense, n. 19443, 19/08/2016. Cidades, p. 15

Conchavos e propina na Câmara Legislativa

Além da suspeita de pagamento de comissões a distritais,as conversas entre Celina Leão e Rliane Roriz revelam rede de intricas.Em 2h08 de gravação,as rivais falam sobre cargos e funcionários fantasmas e criticam colegas e Rollemberg

Por: Isa Stacciarini, Helena Mader, Flávia Maia

 

Traições, projetos para 2018, reeleição na Câmara Legislativa do Distrito Federal, indicações para cargos no governo. O cardápio de conversas entre as deputadas Celina Leão (PPS) e Liliane Roriz (PTB) é extenso e mostra meandros dos bastidores da política brasiliense. O Correio teve acesso a áudios inéditos de gravações realizadas por Liliane e entregues ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Durante um almoço realizado em dezembro de 2015, na casa da filha caçula de Roriz, as rivais tentaram uma conciliação e, entre garfadas de salada, fizeram revelações sobre como funcionam os poderes na capital federal. No bate-papo informal, criticaram duramente a gestão do governador Rodrigo Rollemberg (PSB), falaram mal de colegas parlamentares e assessores, e discutiram abertamente sobre loteamento de cargos.

Celina: E ele (Rollemberg) fica com essa historinha de reforma política desde o ano passado.
Liliane: Ele é muito é esperto.Celina: Ele é muito é mala. Ele fala que tá na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), mas, para ele trocar quem ele quer, não tá não. LRF é só pra nós.



Além das conversas a respeito de um suposto esquema de cobrança de propina com indícios de ser comandado pela Mesa Diretora, Celina e Liliane falam sobre o sonho de reeleição da atual presidente da Casa. As duas parlamentares conversam sobre a resistência de Liliane em votar a favor da emenda da reeleição — que era o principal projeto político de Celina. “Não tinha motivação nenhuma para você não votar em mim no primeiro turno”, afirma a presidente da Câmara. “Me dá dez razões para votar em você”, argumenta Liliane. “Se a gente for falar de projeto político e de afinidade, não teria mesmo. Eu nunca faria uma sacanagem com você na presidência da Casa. Sempre cumpri minha palavra. Eu não faço sacanagem”, assegura Celina. A chefe do Legislativo diz que não pediu o voto de Liliane porque não quis constranger a colega. “Todo mundo que conversou contigo falou que era fora de cogitação. O Agaciel (Maia) está na expectativa de poder, mas o jogo dele é do governador”, garante Celina.

Celina: Não tinha motivação nenhuma para você não votar em mim no primeiro turno.
Liliane: Me dá 10 razões para votar em você.
Celina: Se a gente for falar de projeto político e de afinidade, não teria mesmo. Eu nunca faria uma sacanagem com você na Presidência da Casa. Sempre cumpri minha palavra. O Agaciel (Maia) está na expectativa de poder, mas o jogo dele é do governador.


No bate-papo, o principal alvo da dupla é o governador Rodrigo Rollemberg. Em um dos trechos, Celina aproveita para elogiar Joaquim Roriz. Foi o ex-governador que a levou para a vida política. “As pessoas queriam estar ao lado do seu pai. Ter um projeto do lado do seu pai. Seu pai era um governador forte. Quem quer estar do lado de um governador que toda hora volta atrás (Rollemberg)? Que não tem palavra? Não cumpre nada”, critica Celina.

A presidente da Câmara revela a Liliane uma conversa que teve com o governador. “Ele falou: ‘eu quero ter um projeto com você’. Aí eu disse: ‘governador, eu fui a pessoa que mais te ajudou na campanha. O senhor não tinha nem equipe’”, conta Celina. Ela diz, ainda, que andar na feira ao lado de Rollemberg “era vergonhoso”. “Quem andava com ele era o meu pessoal. Nesses lugares mais populares, em que ele não tem penetração nenhuma, era o meu povo andando com ele. Para ele não chegar sozinho, entregando panfleto. É até feio, né?”, acrescenta Celina. “O senhor sempre vai privilegiar aquele cara que briga com você, nunca vai privilegiar o leal”.

Celina: A coisa não está fácil pra ninguém, não. Na Câmara, temos três ex-deputados que trabalham lá. O salário do Zé Edmar é de R$ 6 mil, Liliane. Não tá fácil assim não.

Celina Leão menciona episódios em que outros distritais teriam enfrentado problemas de relacionamento com o chefe do Executivo. “Olha o que ele fez com o Raimundo (Ribeiro). Ele aproveitou a crise e tirou as pessoas dele sem falar com ele. Como ele dá uma supersecretaria para o Raimundo e umas administrações para nós? Fala sério”, critica a parlamentar do PPS. “Aquela fala do Juarezão, por mais que ela fosse grosseira no formato, era a mais verdadeira de todas”. Nesse trecho, a deputada faz menção a uma polêmica declaração do deputado Juarezão, em que ele defende a necessidade de o governador “dividir o bolo” de cargos.



As duas parlamentares tratam ainda de um polêmico projeto de lei aprovado pela Câmara Legislativa, que assegura autonomia financeira à Defensoria Pública. O governador vetou a proposta. “Eu prefiro seu pai (Joaquim Roriz), perde 15 minutos de conversa e resolve. Ele (Rollemberg) fica aquele tempão e no outro dia faz uma cagada. Aquele veto da Leany (Lemos) é teimosia dele. Desde o começo do ano, a gente tinha feito um acordo”, comenta, sobre o projeto da Defensoria Pública. Celina lembra que o defensor público-geral, Ricardo Batista, estava em campanha de reeleição. “Ele ficou totalmente desmoralizado, ficou parecendo que ele estava mentindo”, comenta.

Celina: Você conversou com ele (Rodrigo Rollemberg) este ano?
Liliane: Não.
Celina: Eu conversei e reafirmei tudo o que estou dizendo para você, que eu queria deixá-lo bem à vontade. Aí ele falou: 
“Eu quero ter um projeto com você”. Aí eu disse: “Governador, eu fui a pessoa que mais de te ajudou na campanha. O senhor não tinha nem equipe. Andar na feira era vergonhoso.


A disputa de 2018, é claro, não ficou de fora da conversa. Celina conta que conversou com o ex-vice-governador Tadeu Filippelli, presidente regional do PMDB e um dos potenciais pré-candidatos para a próxima corrida eleitoral. “Eu falei: ‘Filippelli, o senhor tentou me derrotar, eu ganhei. No dia seguinte, os meninos que estavam com o senhor começaram a construir uma relação comigo. O senhor não tem relação comigo’. Sabe o que ele falou pra mim? Posso até deixar os meninos votarem com você, mas a gente já está fechado em um projeto político para 2018’”. No áudio, Celina revela a Liliane que seu projeto político é ser candidata a deputada federal. “Eu disse a ele: ‘o senhor está pensando no senhor, a gente está pensando na nossa sobrevivência na Câmara’”. “O constrangimento que ele fez os meninos passarem, por isso que eles saíram do PMDB. Ele não quis construir, é um cara que acha que vai construir um grupo político na tora”. Nesse trecho, Celina faz referência a Robério Negreiros, que deixou o PMDB depois de atritos com Filippelli.

Celina: Olha o que ele (Rollemberg) fez com o Raimundo (Ribeiro). Ele aproveitou a crise e tirou as pessoas dele sem falar com ele. Como ele dá uma supersecretaria pro Raimundo e umas administrações para nós? Fala sério. O voto dele vale o mesmo que o meu, que o seu.
Liliane: Ele deve ter medo de enfrentar os problemas.
Celina: Ele tinha que ter enfrentado isso lá atrás. Ele não consegue hoje tirar, por exemplo, o espaço do Israel igual ele fez com o Raimundo. Ele já jogou o Raimundo na oposição. O Israel também. Ele não aceita. Você tem uma secretaria e ele te tira da secretaria. Pra que eu vou ficar, se eu não tenho espaço?
Liliane: Tem horas que eu 
acho que ele não se 
preocupa com isso.


A presidente da Câmara comenta o fato de ser apontada como potencial candidata ao GDF em 2018. “O povo fica falando que eu sou candidata ao governo. Não sou candidata a governadora. Só que o governador começa a me tratar como inimiga, entendeu? Ele tem medo, então o medo que ele tem me afasta ainda mais dele”, alega. Celina revela, ainda, que no fim do ano alertou o chefe do Executivo sobre a necessidade de reduzir o interstício para policiais militares. Ela destaca, ainda, que Rollemberg poderia enfrentar uma crise na corporação, caso não concedesse a diminuição. “Aí ele foi consultar aqueles coronéis puxa saco dele lá. Disseram que era informação errada, que não ia ter crise, e que eu estava louca e queria ser governadora. Depois ele (Rollemberg) me mandou uma mensagem de WhatsApp e quando foi vaiado eu disse que quem estava enganado era o bando de puxa-saco que fica do lado dele e só quer falar o que ele quer ouvir”, disse.

Colaborou Camila Costa