'Petrobras precisa reduzir sua dívida rapidamente'

Rodrigo Polito, Fernando Torres e Cristiano Romero

26/09/2016

 

 

Parente: para que parcerias em refino sejam feitas pelo valor que têm, uma premissa relevante é preço competitivo.

A necessidade de reduzir os juros cobrados para refinanciar a dívida da empresa, que dobraram para mais de 8% ao ano nos últimos anos, colocou a diminuição da alavancagem pela metade até 2018 como a meta mais importante do novo plano de negócio da Petrobras. "Precisamos reduzir o endividamento rapidamente", disse Pedro Parente, presidente da estatal, em entrevista exclusiva, antecipada na sexta-feira no serviço de notícias em tempo real Valor PRO.

Para alcançar o objetivo, o plano prevê corte de 25% nos investimentos, para US$ 74 bilhões, redução de 18% nos gastos operacionais, para US$ 126 bilhões entre 2017 e 2021, e venda de ativos de mais US$ 19,5 bilhões até 2018.

Parente disse que os cortes de despesas ainda não foram detalhados, mas garante que fará trabalho diário para executar o prometido e ressalta que a adesão de quase 19 mil colaboradores aos planos de demissão voluntária já é importante passo nessa direção.

Apesar do ceticismo de parte do mercado sobre as projeções de crescimento da produção de óleo para 2,77 milhões de barris por dia em 2021, a despeito dos cortes de investimentos, o executivo assegura que sabe exatamente quais campos e plataformas vão levar a empresa a alcançar o objetivo. E diz que os ganhos de produtividade na exploração do pré-sal são fundamentais para viabilizar a meta.

Parente também antecipou ao Valor que busca mudança na remuneração das térmicas a gás, que vai divulgar uma política de preços de combustíveis e que as parcerias em refino incluirão unidades maduras. Sobre eventual redução de preços, respondeu que "market share" é importante e que não subestima os concorrentes.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O que faz vocês acreditarem que vão conseguir reduzir a razão entre dívida e Ebitda de quase 5 vezes para 2,5 vezes até 2018?

Pedro Parente: O que a gente apresenta é o retrato. Mas há uma sequência de trabalhos que está por trás desses números. O que interfere na parte de cima da equação, sem contar o principal da dívida, são os investimentos, as despesas de juros e as parcerias e desinvestimentos. No denominador, o Ebitda é, grosso modo, receita operacional menos despesa operacional. A partir dessa equação, a gente desdobra isso em metas. Os investimentos vamos reduzir em 25%. Nos encargos, se a gente conseguir reduzir o [endividamento] - e no mercado secundário as taxas já estão caindo -, a gente diminui despesa com juros. Nas parcerias e desinvestimentos, precisamos executar o programa, de US$ 15,1 bilhões para 2015-2016 e mais US$ 19,5 bilhões até 2018. Na despesa, o objetivo é reduzir 18%. Na receita, a premissa de que vamos manter os preços sempre tendo como limite inferior a paridade internacional. Então, isso não é mera declaração de intenções. Estamos nos organizando, para, via novo sistema de gestão e Orçamento Base Zero, fazer um trabalho diário para que as coisas aconteçam. Vamos ter as metas detalhadas, até o nível de supervisão, no início de 2017.

Valor: A parte de redução de custo foi mapeada de baixo para cima, ou veio uma meta da diretoria?

Parente A meta de 2,5 vezes dívida/Ebitda foi estabelecida no topo. Aí se faz um primeiro exercício, que é desdobrar isso nos componentes da equação e repassar para as equipes, que chegam a uma conclusão, e isso volta para cima. Olhamos a conclusão e vemos o que precisa ser feito, adicionalmente, para chegar aos números. Isso volta para baixo. E qual é o grande objetivo? Que você negocie a meta com os executores, de tal sorte que eles viram donos da meta também.

Valor: E se alguém da equipe diz que não pode atingir a meta?

Parente Vamos atrás da causa raiz, para poder destravar. Agora, não se esqueçam que existe uma despesa importantíssima, que é a de pessoal, que já começa com redução de quadro de 19 mil colaboradores, nos dois programas demissão voluntária.

Valor: Por ser uma estatal, há alguma dificuldade legal, além da despesa de pessoal, para implementar o Orçamento Base Zero?

Parente Pessoal é a grande questão. E já começamos com uma redução impressionante.

Valor: E de que maneira será feito o corte de gastos?

Parente De uma maneira diferente de como normalmente se trabalha, que é a pessoa chegar e dizer: vou cortar 15% para todo mundo. Esse é o pior corte que se pode fazer, porque quem já economizava se prejudica. E quem não economizava sai bem.

Valor: E o Orçamento Base Zero?

Parente Primeiro ele diz o seguinte: não é quanto eu preciso aumentar a despesa. Não é incremental. A pergunta é: eu preciso dessa despesa? O papel começa com zero. Se precisa da despesa, você organiza a empresa em estruturas de natureza e tamanho semelhantes e compara. Num exemplo, eu pego plataformas de mesmo tamanho e descubro que, na plataforma A, eu preciso de 3 pessoas para determinado serviço. Na plataforma B, estou com 8, na C, são 5. Aí, no primeiro ano, trago todo mundo para 4. E não deixo quem está abaixo subir. Significa dizer, na A, é zero de corte. Na B, eu corto 50%, na C, eu corto 20%. No ano seguinte, pego essa régua e trago para 3. A grande vantagem desse processo é trabalhar sempre em cima de dados e fatos. Quando não houver conhecimento interno para baixar mais, busco referencial externo. E vamos dizer que o melhor da indústria é 2. Aí você traz para 2. E se ninguém faz abaixo de 2, vamos parar? Não. Aí se desenvolve inovação para processos. Todo ano apertamos um pouquinho, para forçar a trabalhar na maior eficiência possível.

Market share é variável relevante. Uma coisa que a gente aprende é: nunca subestime o concorrente

Valor: Para projetar a meta de produção, vocês usaram a mesma produtividade do campo de Lula, que é das mais elevadas?

Parente Cada campo tem sua a produtividade. E é por isso que insistimos muito que o que vale hoje na Petrobras, e vale muito, é o conjunto de informações que ela gerou nas últimas décadas. Em cada poço que perfuramos, trazemos amostras das rochas e temos um banco dessas amostras lá no Cenpes. É isso que nos conta, em conjunto com as imagens geológicas, qual é capacidade de cada campo. Agora, é verdade que, em geral, levando o que se antecipava em relação ao pré-sal, a produtividade está bem maior. Em média, se previa que seria de 15 mil barris diários por poço. Mas estamos encontrando 25 mil barris ao dia, chegando a ter poços com 40 mil barris/dia.

Valor: E é isso que explica a meta de produção ambiciosa?

Parente Por que a gente consegue manter curva de produção reduzindo o investimento? Duas razões básicas. A primeira é a redução no tempo na perfuração de um poço e sua estabilização. No início do pré-sal, eram 330 dias, mas passou para um número inferior a 100 dias. A outra é que, com essa produtividade, para chegar no topo da capacidade de cada plataforma, se estimava precisar de oito poços. No entanto, hoje só precisamos de seis. Então precisamos de menos plataformas para a produção total de um campo. Isso significa redução de custos importante. E é isso que deixou analistas se questionando: será que é isso mesmo?

Valor: É que o histórico da empresa mostra que as metas de produção nunca são entregues.

Parente O que acontece é que credibilidade se constrói ao longo do tempo e se destrói imediatamente. Nós estamos na fase de construção. Vocês vão ter que dar um tempo para nós. Mas veja que em 2015 a empresa anunciou determinada produção e cumpriu. E em 2016 disse que vai produzir 2,145 milhões barris/dia e estamos indo bem nessa direção.

Valor: Qual a Petrobras que vocês estão mirando para o futuro?

Parente Os primeiros dois anos do plano são para organizar a empresa, apertar os parafusos, para ter dose maior de austeridade, para chegar na meta de alavancagem. Depois vamos voltar a ver a produção de óleo e gás crescer. Lembrando que a meta de produção foi estabelecida campo a campo, plataforma a plataforma. A gente sabe exatamente quais campos e plataformas vão nos fazer chegar naquele valor. E tem riscos? Claro que tem riscos, e nós apontamos no plano. Mas a equipe acompanha, especialmente o fato de haver fornecedores envolvidos na Lava-Jato. Temos que trabalhar para evitar que esses problemas levem a um bloqueio desses equipamentos. Isso pode atrasar a produção. Mas, reforçando, não é uma meta que não sabemos como vamos alcançar. E em 2021 passamos a ser uma empresa de 3,4 milhões de barris de óleo equivalente por dia, o que nos colocará como uma das maiores produtoras do mundo. Então, no nosso "core business", não estamos diminuindo, estamos aumentando. Agora, como em todo processo estratégico é importante ter clareza sobre o que você vai fazer, e sobre o que você não vai fazer.

Valor: Sobre esse ponto. A empresa sai de petroquímica e biocombustíveis. E as termelétricas?

Parente Temos unidades relacionadas a produção de energia que não estão todas centralizadas numa única unidade de negócio. Tem questões de natureza regulatória que precisamos resolver com o governo também porque, como está hoje, a disponibilidade daquela capacidade de geração não é remunerada [adequadamente]. Isso não está trazendo o retorno que a gente acha que o governo deveria proporcionar por darmos esta segurança ao sistema. O parque de termelétricas para nós é um negócio interessante. Produzimos gás. Se pudermos consumir esse combustível, é uma eliminação de risco. Mas as térmicas exigem um emprego de capital importante, que fica disponível para o sistema interligado, ampliando sua segurança, muito baseado na hidrologia. Então o governo deveria ser capaz de colocar as térmicas na base do sistema [operando continuamente]. Hoje somos remunerados apenas quando produzimos. Há uma tremenda incerteza nisso. [O modelo de operação do sistema elétrico atual, de forma geral, compromete a rentabilidade do gás, porque a térmica precisa ter sempre o combustível disponível, mesmo estando parada, pois ela pode ser acionada pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) para entrar em operação a qualquer momento]

Valor: Como colocar na base?

Parente O governo despachar as térmicas o tempo todo.

Valor: Mas então você vai esperar uma decisão do governo sobre isso para decidir o que fazer?

Parente Vamos nos preparar para organizar essa área. Tem coisas internas que temos que fazer, para melhorar e tudo mais. E da mesma maneira que temos que melhorar a regulação na área de óleo e gás, precisa melhorar a regulação na área do setor elétrico para que isso que proporcionamos ao sistema seja adequadamente remunerado.

Valor: E o governo vai querer?

Parente É muito pior para a sociedade pagar despacho sobre energias que consomem combustível mais caro e mais sujo. Então ter essas termelétricas como um dos elementos de segurança do sistema sempre será melhor para o governo do que ele despachar, como aconteceu no passado recente, todas as termelétricas a óleo combustível. Sob o nosso ponto de vista, queremos reorganizar isso porque que as térmicas podem ser, dentro de um quadro regulatório adequado, um bom negócio.

Valor: E o governo está caminhando nessa direção?

Parente Temos conversado com o Ministério.

Valor: Do jeito que está é um ônus para a Petrobras?

Parente Do jeito que está é um negócio de risco muito elevado.

Valor: E se pensa em vendê-las?

Parente Não necessariamente. Nós pensamos em reorganizar. Isso aqui não está naquele elenco de áreas que a gente está saindo.

Valor: Na área de refino, que tipo de parceria vocês examinam? Não ficou claro se serão parcerias pontuais ou se será um modelo como o previsto para a BR, com um sócio único para todo o refino?

Parente Não está claro porque estamos avaliando. Não aprovamos o modelo na diretoria e no conselho ainda. Então é natural que não esteja claro. Uma certeza temos: continuaremos sendo uma empresa integrada de energia, com foco em óleo e gás.

Valor: As parcerias seriam interessante só para novos investimentos, ou para refinarias maduras?

Parente O que acontece hoje no setor de refino e no downstream do gás também? Existe uma concentração muito grande em cima da Petrobras. Há áreas em que a gente é 100%. Nós entendemos que isso não é bom nem para a empresa nem para o país. Nossa visão é de parcerias para o refino como um todo. Não é só para novas.

Em nenhuma hipótese pagamento de dividendo vai ser superior ao lucro líquido do exercício

Valor: Os contratos que vocês podem fazer com sócios em refino podem ajudar a garantir a paridade para além da atual gestão, prevendo que no futuro o governo pode ter outra orientação?

Parente Na medida em que se quer ter sócios privados nas refinarias, para que este negócio seja feito pelo valor que tem, uma premissa relevante é uma gestão de preços competitiva, como a lei assegura, aliás. Isso seria parte da construção do que eu gosto chamar de instituições, sendo uma delas existência de parceria com setor privado e a outra uma política de preços que seja exercida de uma mesma maneira por alguns anos, para ela cair no entendimento da sociedade, para que o tema de preço de combustíveis deixe de causar tanta comoção e passe a ser coisa do dia-a-dia, como é em outros países.

Valor: Esse caminho em direção à paridade é para logo?

Parente A empresa já acompanha semanalmente o mercado. E ela já tem hoje liberdade para mexer em preços. O que existe sim é uma demanda, e a gente compreende isso, de que a empresa possa definir uma política, ou anunciar uma política. E nós estamos olhando isso agora, para que a gente possa, tão logo quanto possível - e eu não vou dizer prazo porque prazo sempre funciona contra a gente - dizer que política é essa.

Valor: O que é essa política ser de diferente do que é feito hoje?

Parente Primeiro ela pode ser mais explícita, o que já é uma vantagem. Mas é importante entender que não será uma fórmula. Porque entendemos que isso não é interessante para a empresa nem para o país. Se a gente diz que todo dia 20 vamos reajustar o preço, se houver um crescimento de preços internacionais, no dia 19 terá uma enorme fila nos postos, as pessoas comprarão combustível na véspera etc. Esse tipo de coisa temos que evitar. É uma política, não é uma formula, que terá certos condicionantes, com certa flexibilidade.

Valor: Uma aposta no mercado é que vocês vão mexer um pouco no preço, para baixo, até para a Petrobras não perder muito mercado. O sinal já está amarelo para vocês?

Parente Posso dizer que o market share é uma das variáveis importantes que temos que olhar. Mais do que isso já é antecipar...

Valor: Ele é importante no ponto de vista mesmo de médio prazo? Porque a Petrobras poderia recuperar esse mercado rapidamente.

Parente Uma coisa que a gente aprende é: nunca subestime o concorrente. Isso é uma coisa que temos que trabalhar direito e, obviamente, evitando as práticas que sejam consideradas anti-competitivas. Não tem muito mais o que dizer sobre isso, além de que vai ser paridade internacional, mais uma margem e mais uma parcela para lidar com o risco de trabalhar em um mercado com preços voláteis.

Valor: Ainda no refino, a Rnest deveria ter sido construída?

Parente Provavelmente, uma refinaria no Nordeste faria sentido. Agora uma em Pernambuco, outra no Ceará e outra no Maranhão, de jeito nenhum.

Valor: E sobre as condições em que a Rnest foi aprovada?

Parente A história do passado quero deixar no passado. Temos que olhar para frente. E a Rnest é responsável hoje pela produção de 30% do diesel no Brasil, e por um diesel de altíssima qualidade.

Valor: No campo de Libra, vocês fizeram pedido na ANP para contratação no exterior...

Parente Não. Nós fizemos pedido para a ANP de "waiver" para alguns itens de conteúdo nacional, para outros não. Vai depender da discussão com a ANP, aí colocamos a licitação na rua.

Valor: Qual o timing dessa liberação da ANP, porque isso pode afetar sua meta de produção.

Parente O que eu sei é que está no cronograma.

Valor: Dividendos. A empresa já disse que, com prejuízo, não paga. Mas e no cenário de ter lucro pequeno, que não seja suficiente para pagar o dividendo prioritário dos preferencialistas, que exigiria hoje desembolso de mais de R$ 4 bilhões?

Parente Em nenhuma hipótese pagamento de dividendo vai ser superior ao lucro líquido do exercício. Não vamos entrar nas reservas para pagar dividendos.

Valor: Você tem escrito cartas aos funcionários sobre a situação da empresa. Mas os sindicatos têm falado em greve contra a proposta salarial. Como a Petrobras avalia o risco de greves sobre a produção?

Parente No ano passado teve greve e as contingências evitaram o declínio da produção. A gente tem tratado essa questão com muito respeito aos petroleiros e petroleiras e aos sindicatos também. Independentemente de no casos dos sindicatos a recíproca não ser verdadeira, isso não muda a nossa maneira de tratar. Já informamos que nós, na diretoria, teremos reajuste zero de salário.