Valor econômico, v. 17, n. 4099, 27/09/2016. Finanças, p. C8

Câmara quer votar mudança na anistia na próxima terça

Quem já aderiu poderá retificar se ocorrer alteração na lei

Por: Fabio Graner, Thiago Resende, Raphael Di Cunto e Maíra Magro

 

Com um volume da ordem de R$ 7 bilhões já declarados, os contribuintes que aderiram ao programa de regularização de ativos - a chamada repatriação - terão a opção de retificar a declaração entregue à Receita Federal, caso o Congresso Nacional realmente mude as regras da lei. Fontes do governo informaram ao Valor que mesmo os poucos que já pagaram o tributo e a multa poderão retificar e pedir ressarcimento, embora o processo seja um pouco mais complicado. Articuladores das mudanças nas normas de repatriação trabalham para que o projeto encerre a tramitação no Parlamento na primeira semana de outubro.

O plano, que tem o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é aprovar o texto no plenário da Câmara na terça, dia 4, e seguir para votação no Senado na quarta, dia 5. Seria uma "via rápida" para a alteração no programa de regularização de recursos mantidos no exterior. Lideranças das duas Casas já foram consultadas e costura-se um acordo para acelerar a análise da proposta no plenário sem passar pelas comissões.

Apesar das resistências na área econômica, fontes do governo reconhecem que a tendência é que a pressão política prevaleça e a lei atual seja alterada. Mas ainda há dúvidas sobre se o presidente Michel Temer vetará ou não. A preocupação principal segue em torno da possibilidade de alteração da data para 31 de dezembro, que está em texto que já circulou junto a escritórios, embora o relator, deputado Alexandre Baldy (PTN-GO), esteja dizendo que não fará essa alteração. O problema é que uma emenda simples de outro deputado pode fazer isso.

Diante da iminência de mudanças, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles começa a ser alvo de críticas nos bastidores do governo, com avaliações de que ele não estaria sendo enfático como deveria para não melindrar os políticos. Estes, aliás, estão entre os principais beneficiários das possíveis mudanças, já que o relatório revoga o artigo 11 da lei, que vedava a adesão de políticos e seus parentes ao programa.

A versão preliminar do projeto da Lei de Repatriação prevê outras importantes mudanças. Uma delas é que o contribuinte com condenação judicial prévia só será impedido de aderir ao programa se a condenação for relativa ao dinheiro a ser regularizado. Pela atual lei, qualquer condenação judicial por crimes como sonegação, evasão fiscal, corrupção e falsidade ideológica gera o impedimento de se beneficiar do programa, ainda que os recursos a serem legalizados não estejam relacionados ao processo criminal que gerou a condenação na Justiça.

Outra alteração é que quem cometer erros ou declarar valores a menos no momento da adesão, não será automaticamente expulso do programa, mas apenas intimado a pagar a diferença. "A mudança é positiva, porque a lei vem gerando muita dúvida de interpretação", afirma o advogado Luiz Gustavo Bichara, do escritório Bichara Advogados.

A mudança mais cobrada pelo setor privado também será contemplada no relatório: trata-se da cobrança de multa e imposto sobre o saldo no exterior em 31 de dezembro de 2014 e não sobre o saldo dos últimos cinco anos, mesmo que tenha sido "consumido" ou gasto ao longo do tempo.

Se o contribuinte tiver saldo em 31 de dezembro de 2014, esse será o valor a ser declarado na alínea de "bens existentes" constante da declaração. Já para a alínea dos "bens não mais existentes", deverá ser feita uma análise dos saldos de 31 de dezembro dos anos de 2011, 2012 e 2013. Se houver um pico nessas datas, deverá ser declarada a diferença entre o maior saldo em 31 de dezembro, considerados esses três anos, e o saldo final de 2014.

Para Fabrício Dantas, ex-secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda e advogado do escritório Vinhas e Redenschi, a medida deve atrair mais contribuintes para o programa e pode até aumentar a arrecadação. "A medida vai simplificar e com isso pessoas que não estavam conseguindo documentos vão aderir e haverá mais segurança penal", afirmou.

O advogado André Carvalho, sócio do Veirano Advogados, concorda que a nova regra deve simplificar e estimular as adesões ao programa, mas também reconhece que a base de tributação tende a diminuir quando se olha os contribuintes individualmente. "A mudança é positiva e dá mais segurança", destacou.

No governo também há diferentes interpretações sobre os possíveis impactos fiscais da medida. Há fontes que consideram que, se o texto for alterado para a chamada "foto" de 31 de dezembro de 2014, haverá mesmo um maior volume de adesões, contribuindo para uma arrecadação maior. Mas há quem considere que o potencial de receitas se reduzirá significativamente, porque individualmente cada contribuinte que aderir poderá pagar menos.

A Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Unafisco), que já era crítica ao programa, mostra grande preocupação com as mudanças em discussão. Segundo o presidente da entidade, Kleber Cabral, se prevalecer a tese da foto, o cidadão que sonegou poderá ser anistiado dos crimes até sem pagar nada de Impostos de Renda e multa. "Não há retorno para a sociedade com essa anistia", disse Cabral.

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Adesão de político pode prejudicar Lava-Jato, diz fonte

Por: André Guilherme Vieira

 

Mudanças na Lei de Repatriação costuradas entre deputados de forma a permitir a adesão de políticos ao programa, se aprovadas, vão dificultar investigações de lavagem de dinheiro, estimular criminosos a manter no exterior recursos com origem ilícita e até prejudicar a Operação Lava-Jato. A avaliação é de fontes ligadas à operação ouvidas pelo Valor.

O argumento dos defensores das alterações nas regras do programa de regularização de ativos mantidos no exterior têm sido o de que elas não teriam impacto porque a lei alcançaria somente os crimes de sonegação fiscal e evasão de divisas.

"Mas a questão é que [com a aprovação das mudanças] você vai propiciar um meio para a pessoa tirar o dinheiro do exterior. E, às vezes, você não sabe... Vamos dizer assim, só é corrupção no momento em que se prova, não é? Pode ser sim que a pessoa use a Lei de Repatriação para trazer ao Brasil dinheiro fruto de crime, escondido lá fora", avalia uma fonte com atuação na Lava-Jato.

Nesse caso, afirma o interlocutor, esse recurso ganha uma aparência de licitude e a pessoa vai poder usufruir dele de uma forma que não seria possível se o dinheiro estivesse imobilizado no exterior. "Vai, inclusive, abrir uma nova frente de possibilidades para esse mercado negro", afirma o interlocutor.

Na opinião de investigadores, essas possíveis mudanças na Lei de Repatriação abririam uma brecha legal que seria aproveitada pelos profissionais da lavagem de dinheiro.

"Isso aí é o sonho de todo operador, de todo doleiro depois da Operação Lava-Jato. O governo e o Congresso vão criar uma enorme oportunidade de 'emprego' para esses profissionais do crime. É um retrocesso inacreditável", pondera outra fonte próxima à operação ouvida pelo Valor.

O relator do projeto que altera a lei, Alexandre Baldy (PTN-GO), afirmou na segunda-feira que retirará do parecer a possibilidade de que políticos, servidores públicos e seus parentes entrem no programa - proibição aprovada quando Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ainda era presidente da Câmara. No entanto, o partido Solidariedade já acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar a vedação a políticos. Os partidos devem, porém, apresentar emenda para acabar com a vedação - o que, nos bastidores, é atribuído como o motivo para a votação ocorrer após as eleições municipais.

A ideia, que tem o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é aprovar o texto com as mudanças na lei no plenário da Câmara na terça-feira, dia 4, e ser votado pelo Senado na quarta.

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Definição pode levar arrecadação a até R$ 80 bi, diz Anbima

João Albino, da Anbima: definição sobre saldo pode elevar arrecadação até R$ 80 bi

Por: Alessandra Bellotto, Joice Bacelo e Laura Ignacio

 

A definição de que vale o saldo financeiro em 31 de dezembro de 2014 para o cálculo do Imposto de Renda e multa cobrados para regularizar recursos enviados ao exterior tem potencial para multiplicar o número de adesões à Lei de Repatriação. Essa é a avaliação de João Albino Winkelmann, diretor do comitê de private banking da Anbima, entidade que representa os bancos. "Se isso se efetivar, a expectativa é de que arrecadação alcance de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões", diz o executivo, também diretor do Bradesco Private Bank. O último dado aponta cerca de R$ 7 bilhões declarados.

Apesar de um grupo de advogados entender que a lei estabelecia a "foto" de 31 de dezembro de 2014 como data para o cálculo das obrigações, o fato de a Receita Federal defender que a tributação deveria incidir sobre toda a movimentação financeira nos cinco anos anteriores - o que ficou conhecido como "filme" - vinha prejudicando o processo de adesão, segundo executivos de bancos.

A insegurança gerada pelas diferentes interpretações tem inibido clientes de efetivamente aderirem ao programa, especialmente aqueles com grandes volumes, acima de R$ 100 milhões, afirma Maria Eugênia Lopez, diretora-executiva de private banking do Santander. Esses clientes, conta, estavam esperando uma definição a fim de buscar um benefício tributário. "O grande volume vai ficar para o final", afirma a executiva. No Santander, a estimativa é que 60% dos recursos potenciais ainda não entraram no programa de anistia.

Clientes com volumes menores, em que a diferença no valor a ser pago não é tão relevante, têm sido conservadores e optado por aderir, levando em conta a movimentação nos últimos cinco anos, conta Maria Eugênia. E pagar 30% (15% de IR e 15% de multa) para ter anistia é interessante do ponto de vista financeiro, argumenta, levando em conta a maior alíquota de imposto de renda para a pessoa física de 27,5%.

Na visão de um diretor de private banking que pediu para não ser identificado, além da insegurança jurídica, mesmo que o contribuinte decidisse ser conservador e resolvesse fazer a declaração de acordo com o "filme", alguns esbarravam na complexidade de reunir informações de todo o período, assim como outros não tinham saldo suficiente para pagar as obrigações e ficam sem alternativa. "A definição da foto tende a ajudar no processo e aumentar as adesões."

Segundo ele, na instituição em que trabalha, a expectativa é de que 80% do volume ainda está por vir. Ele ressalta que grande parte dos processos já está pronto e que os clientes estão esperando apenas um posicionamento mais claro. Há outra situação em que, como não há incentivo para pagar antecipadamente, o contribuinte prefere deixar os recursos aplicados até a aproximação do fim do prazo, em 31 de outubro.

Escritórios de advocacia estão com a documentação da maioria dos clientes que querem aderir ao programa nas mãos. Mas poucos já transmitiram os dados à Receita Federal. Eles esperam apenas decisão do governo quanto às mudanças na lei para finalizar esse processo.

O advogado Carlos Eduardo Orsolon, do escritório Demarest, um dos maiores do país, por exemplo, diz que essa é a situação de 80% dos casos em que atua. "Eles [contribuintes] têm optado por segurar a entrega da declaração porque a diferença de valores, de 30% sobre a 'foto' e de 30% sobre o 'filme', é muito grande."

No escritório Mattos Filho, uma equipe de 20 advogados cuida exclusivamente dos casos de repatriação. Já são mais de 200 em andamento. O advogado Alessandro Fonseca, um dos responsáveis pelo setor, diz que as notícias sobre a possibilidade de mudança na lei têm feito com que muitos clientes queiram segurar a entrega da declaração. Para o advogado, no entanto, não há tempo hábil para as alterações. "Eu não consigo vislumbrar esse processo legislativo finalizado, ou seja, aprovado nas duas casas, assinado pelo presidente e publicado, em menos de um mês."

Fonseca diz que, no escritório, tem sido feita análise caso a caso com os clientes. Ele expõe as duas situações. Se recolher os 30% sobre a "foto" e for autuado pela Receita, o contribuinte terá de arcar com 27,5% sobre o que constava como filme mais 75% de multa e correrá o risco de ser expulso do programa - perdendo o direito à anistia. O contribuinte poderá se defender na esfera administrativa e levar o caso ao judiciário.

Por outro lado, se recolher como filme, o contribuinte poderá ingressar com uma ação de repetição indébito, pedindo de volta o que foi pago a mais. O tempo de tramitação do processo seria praticamente o mesmo e a restituição seria por meio de precatório, o que levaria ainda mais tempo para ter o dinheiro de volta. "Depende muito do apetite do cliente para discutir. Muitos vão pela convicção jurídica, por entender que a cobrança pelo filme é ilegal. Outros, normalmente herdeiros, a segunda geração desses recursos, prefere pagar mais e ficar tranquilo de que não haverá questionamento", diz.

Os advogados também dizem que com a proximidade do fim do prazo para a adesão há uma corrida de interessados aos escritórios. "Há pessoas começando a ver a documentação agora, que não achamos que conseguirão tudo em tempo. Mas sem isso e uma explicação da origem do dinheiro lá fora, temos recusado fazer a adesão", afirma a advogada Ana Utumi, do TozziniFreire.