Título: UPP no berço do samba
Autor: Filizola, Paula
Fonte: Correio Braziliense, 04/11/2011, Brasil, p. 7

Unidade de Polícia Pacificadora chega à Mangueira e reacende debate sobre a política de segurança carioca

Se estivesse vivo, o compositor Nelson Cavaquinho, que, em 2011, completaria 100 anos, certamente faria um samba sobre a pacificação do Morro da Mangueira. Ele conheceu a comunidade na época em que trabalhava na cavalaria da Polícia Militar, mas preferiu trocar a farda pela música e a boêmia do local. A comunidade, que abriga uma das mais tradicionais escolas de samba do Rio de Janeiro, recebeu, na tarde de ontem, a 18ª Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do estado. O governador Sérgio Cabral, o secretário de Segurança do estado, José Mariano Beltrame, e o coordenador de Polícia Pacificadora, coronel Rogério Seabra, participaram da cerimônia de inauguração.

De acordo com a Secretaria de Segurança, a nova UPP conta com um efetivo de 403 PMs, sendo 385 recém-formados. Além do Morro da Mangueira, ela engloba pelo menos outras sete comunidades e deve beneficiar diretamente cerca de 315 mil pessoas. O projeto fecha o cinturão de segurança no entorno do Maracanã, palco da final da Copa do Mundo de 2014. A região abriga 11 das 17 UPPs cariocas.

Com essa inauguração, Beltrame está mais próximo de realizar a sua meta: somar 40 UPPs até as Olimpíadas de 2016. Mas conflitos nas áreas pacificadas e denúncias de corrupção policial expõem as rachaduras da segurança no estado, segundo especialistas, e mostram que uma melhora significativa ainda é um sonho distante. "Hoje, o quadro de segurança do Rio não promete continuidade de resultados positivos, como eles fazem parecer. O modelo em andamento já revela fraquezas", sentencia o coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário de Segurança Nacional e consultor na área de segurança pública.

As primeiras denúncias de desvios surgiram após a revelação de um esquema de pagamento de propina por traficantes a policiais da UPP no bairro de Santa Teresa. Com isso, cerca de 37 policiais da unidade denunciada foram afastados. Em setembro, também foram registrados conflitos entre militares e moradores na região do Complexo do Alemão e da Cidade de Deus. "Temos que compreender que as UPPs ainda estão se consolidando e vão apresentar problemas", pondera o sociólogo do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Ignácio Cano.

O secretário de Segurança do Rio costuma dizer que não é possível resgatar uma dívida de 40 anos de abandono nas comunidades cariocas em apenas quatro anos. Mas, para o coronel José Vicente, o excesso de ênfase dado às UPPs e a pressão do governo para ampliar rapidamente as unidades até a Copa do Mundo de 2014 são fatores preocupantes. "A instalação das unidades reduziu o efetivo nos batalhões, consequentemente o controle das ruas está enfraquecido", condena. Segundo ele, a Secretaria de Segurança Pública do Rio também não dá a devida atenção às quase 200 comunidades que abrigam grupos de milicianos. "São grupos violentos, que têm o apoio policial, sendo assim, apoio do Estado", critica o coronel.

Ignácio Cano pondera que as UPPs não têm um objetivo genérico de combate ao crime, mas de reocupação dos territórios e de fim da violência letal. A especialista em segurança pública Jacqueline Muniz, professora da Universidade Católica de Brasília (UCB) e da Candido Mendes, no Rio, reforça que as UPPs representam o farol da nova polícia, que se afirma pela sustentação da paz. "É uma referência de que o paradigma da polícia mudou. São interferências pacíficas, como nas operações das Nações Unidas. É a única forma de garantir cidadania plena para todos", comenta.

Operação na Rocinha A Polícia Civil carioca realizou ontem uma operação de combate ao crime nos arredores da Rocinha (RJ). Os agentes fecharam uma clínica de aborto e uma fábrica de CDs piratas, além de apreenderem 22 motos roubadas. Ações desse tipo são realizadas na comunidade desde o ano passado e têm o intuito de preparar o local para a chegada da política de pacificação adotada pelo governo. A estimativa é de que 2 mil homens sejam necessários para que a ocupação da Rocinha surta efeito. A operação de ontem contou com 65 policiais.