Título: Justiça cancela questões só para alunos do Ceará
Autor: Filizola, Paula; Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 05/11/2011, Brasil, p. 8

Apenas os estudantes que tiveram acesso antecipado a informações do Enem terão esses itens anulados. Investigação da PF isenta o MEC de culpa pelo vazamento da prova, mas critica a imprudência de repetir conteúdo do pré-teste

A disputa entre o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério Público Federal do Ceará envolvendo um suposto vazamento de questões da última edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ganhou mais um capítulo. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), no Recife, suspendeu a liminar concedida pela Justiça Federal do Ceará, no início desta semana, que cancelava 13 questões do Enem para candidatos de todo o Brasil. Mas o procurador da República Oscar Costa Filho anunciou que vai recorrer da decisão já na semana que vem. Enquanto isso, a Polícia Federal (PF) segue com as investigações sobre o caso e, segundo fontes do órgão, o inquérito, com apresentação prevista para os próximos dias, isenta o MEC da culpa.

De acordo com informações da PF, funcionários da escola Christus, em Fortaleza, teriam participado da etapa de fiscalização do pré-teste aplicado no ano passado. Desde o anúncio de que pelo menos 639 estudantes tiveram acesso antecipado às questões do exame, o ministro da Educação, Fernando Haddad, vem repetindo que os itens foram copiados do pré-teste por empregados do colégio cearense. A assessoria do MEC reforça que nenhum fiscal poderia ser da escola. "São estudantes universitários e professores selecionados pela empresa responsável", explica. O regulamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) indica que os fiscais são contratados pelo consórcio Cespe/Cesgranrio, treinados para essa função e obrigados a assinar um termo de compromisso garantindo o sigilo das informações. O contrato, no entanto, não é feito com as escolas participantes do teste.

Apesar de o inquérito da PF absolver as entidades federais, ele indica que houve uma imprudência do ministério ao repetir as mesmas questões do pré-teste na prova oficial. A mesma crítica é feita por especialistas em educação. Segundo eles, o MEC não se preparou para as mudanças trazidas pela reformulação da prova em 2009, principalmente na quantidade de questões que compõem o banco de itens. A prova, que antes tinha 63 questões, passou a ter 180; e o banco de dados conta com cerca de 20 mil questões. "Se a mudança do Enem tivesse levado três ou quatro anos e começasse com um banco já com umas 10 mil questões por disciplina, os riscos seriam menores", diz o pesquisador e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Tufi Machado Soares.

Briga judicial A determinação do presidente do TRF-5, desembargador Paulo Roberto de Oliveira Lima, publicada ontem, estabelece a anulação das questões somente para os 639 alunos do colégio Christus que tiveram acesso antecipado ao material. "Não podíamos aceitar que estudantes de todo o país fossem prejudicados por conta de uma guerra fratricida movida por instituições privadas e de elite da capital cearense. A decisão fez justiça e reafirmou a solidez do Enem em todo o país", disse, satisfeito, o ministro da Educação, Fernando Haddad.

Para o desembargador, nenhuma solução seria completamente boa, mas a sua escolha foi baseada naquela que afetaria proporcionalmente o menor número de pessoas. "Isso é próprio dos erros: quase nunca comportam solução ótima. Nenhuma das soluções tem condições de assegurar, em termos absolutos, a neutralidade e a isonomia desejáveis", explica, no documento. Apesar da decisão favorável ao MEC, ele assegura que são incontestáveis as falhas na aplicação do Enem. "Neste ponto, estão acordes autor e réus. A experiência de aplicação do Enem, exitosa no que respeita aos avanços e aperfeiçoamentos que acarreta, vem se mostrando confusa, descuidada mesmo, sempre apresentando erros mais ou menos graves", afirma.

Segundo Costa Filho, a tese da anulação das questões foi vitoriosa. Mas ele defende que o cancelamento seja nacional, como havia decidido o juiz Luis Praxedes Vieira da Silva, da Justiça Federal do Ceará, na última segunda-feira. "Eles continuam discriminando uma categoria de alunos como se tivessem culpa do vazamento. Tanto faz fazer uma nova prova como anular as questões só para eles", afirma. A partir de agora, de acordo com o procurador, vão começar a surgir ações individuais de candidatos que se sentirão prejudicados pela decisão do TRF-5.

O MEC reforça que a Teoria da Res-posta ao Item (TRI), sistema de pontuação usado no Enem, não apresenta prejuízos aos alunos do colégio Christus, que não precisarão fazer nova prova. Com as 13 questões da prova anuladas, o Enem ainda valerá mil pontos, que serão redistribuídos nas 166 questões válidas. Pelo TRI, não há um número pré-estabelecido de pontos para cada questão, pois isso depende do grau de dificuldade do item, do nível de discriminação (o quanto ele consegue diferenciar se o candidato sabe ou não a resposta) e da probabilidade de acerto ao acaso (chute).

Sem licitação O consórcio Cespe/Cesgranrio foi contratado sem licitação, pois, de acordo com o Ministério da Educação, é o único que tem excelência técnica para realizar uma prova do porte do Enem. O reforço na segurança foi o argumento usado pelo MEC para justificar o aumento de 559% no valor pago aos órgãos. O contrato saltou de R$ 939,5 mil para R$ 6,2 milhões.